Desde meados dos anos 2000, a mobilização de setores da sociedade brasileira – organizações da sociedade civil, movimentos sociais, pesquisadores(as), gestores(as) governamentais de diferentes instâncias, jovens e organizações juvenis – tem contribuído para a emergência e consolidação de uma perspectiva segundo a qual a juventude é compreendida como etapa singular do desenvolvimento pessoal e social, para a qual o Estado e a sociedade devem estar atentos e estruturar políticas públicas capazes de garantir a cidadania, a plena satisfação de direitos em diferentes domínios da vida – social, política, econômica e cultural – e a possibilidade de construção de trajetórias – de escolarização, de inserção laboral, de participação, de vida familiar – que conduzam à inclusão, à autonomia e independência de moças e rapazes. Tal perspectiva reconhece a juventude como um momento marcado por processos de desenvolvimento, inserção social e definição de identidades, o que exige a experimentação intensa em diversas esferas da vida.
Os e as jovens do Brasil, em diferentes configurações, cumpriram muitas vezes o papel de atores mobilizados em torno de bandeiras progressistas e por transformações orientadas pela democracia, pela modernização da sociedade e por justiça social. No cenário das políticas públicas, o tema da juventude é bastante recente, não apenas aqui, mas também internacionalmente. A juventude, como particular “sujeito de direitos” – demandante de políticas específicas –, só emergiu em meados dos anos 1990, momento em que a “exclusão social” de jovens se tornou parte integrante da questão social, mais tardiamente que os outros temas (mulheres, negros, crianças e adolescentes), que consolidaram sua agenda no processo da Constituinte 88. Esta nova presença do tema da juventude no cenário político eclodiu, com bastante intensidade, com a expressão no espaço público de novos atores coletivos (além dos movimentos estudantis, movimentos culturais de vários territórios, como os grupos culturais das periferias urbanas, jovens do campo, jovens mulheres, jovens negros), apresentando demandas de superação de desigualdades e discriminações, na luta por inclusão, participação e reconhecimento, na superação de estigmas aniquiladores, como aqueles que associam a juventude pobre, preta e da periferia à criminalidade e à violência.
O amplo e diverso conjunto de atores que contribuíram para inserção do tema da juventude na agenda brasileira nesse período, a despeito das visões e apostas por vezes diferenciadas e até contrárias entre si, também construíram e consolidaram certos consensos nos últimos anos. Um deles é que esta abordagem da questão da juventude pelo Estado exige a criação de “mecanismos institucionais de gestão, com a responsabilidade de implementar programas inovadores que indiquem o caminho de formulação de ações e serviços capazes de garantir os direitos dos sujeitos jovens, de modo abrangente, para articular as diferentes ações setoriais de juventude, zelando pela transversalidade, integração e complementaridade”. (Projeto Juventude, 2004).
Assim, é possível dizer que a juventude vem se constituindo em tema da agenda pública no Brasil há pelo menos duas décadas; mas o avanço mais importante nesse sentido se deu com os governos Lula e Dilma, que transformaram o tema em um assunto de Estado, criando um conjunto de elementos para o desenvolvimento de uma política com foco nos jovens como sujeitos de direitos: a criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e do Conselho Nacional de Juventude, ambos em 2005; a realização das conferências nacionais de juventude – foram realizadas duas até hoje (2008 e 2011), e a terceira está em curso, programada para acontecer em dezembro de 2015; a elaboração e execução de programas de inclusão com estrutura e orçamento capazes de produzir incidência na vida dos jovens (entre outras, destacamos o Projovem – Programa Nacional de Inclusão de Jovens em 2005; o Plano Juventude Viva – de enfrentamento da violência contra a juventude negra – em 2012; “o ID Jovem” – que estrutura a garantia de benefícios relativos ao acesso à cultura e ao transporte interestadual para jovens de baixa renda e estudantes, em 2015; a elaboração, em conjunto com diferentes atores e apoio técnico da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de uma Agenda e um Plano Nacional do Trabalho Decente para a Juventude. Inaugurou-se, desse modo, uma prática de definição, em articulação com os outros órgãos setoriais, de parâmetros para a formulação de políticas públicas centradas no atendimento das demandas e necessidades dessa população, baseadas no paradigma do reconhecimento dos/as jovens como sujeitos com necessidades e potencialidades singulares em relação a outros segmentos etários e que, por isso, demandam estruturas e suportes adequados para desenvolver-se, processar suas buscas, construir seus projetos de vida e ampliar suas possibilidades de inserção social. É essa perspectiva que orienta a Lei nº 12.852/2013, o chamado Estatuto da Juventude, que coroa o estabelecimento de uma série de marcos legais, pelo parlamento, como a PEC 138/03 que inclui na nossa Constituição os jovens como prioridade do Estado em direitos como saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização e cultura.
As demandas juvenis chegam ao espaço público em um momento histórico em que existe uma grande área de interseção entre as noções de direitos de cidadania e direitos humanos. A partir daí, não há mais como falar em juventude sem lançar mão da noção de direitos. Estes direitos foram conquistados pela ação de diferentes movimentos sociais desde as últimas décadas do século XX; as lutas e as políticas de juventude, desde então, se inscrevem nessa mesma perspectiva. Nos últimos anos, o esforço tem sido por incluir os jovens nas diretrizes de um modelo de desenvolvimento com justiça social. Não se pode dizer que uma sociedade é justa se as mulheres, os negros, as crianças, as pessoas com deficiência, as pessoas com diferentes orientações sexuais ou os jovens estiverem sendo discriminados ou subjugados, ou onde não haja esforços para que seus direitos sejam garantidos.
A SNJ- vem, desde então, se afirmando como organismo com a função de garantir uma visão acurada e compreensiva sobre os jovens brasileiros, desenvolvendo diagnósticos com os órgãos competentes, como IPEA e IBGE, e mantendo uma interlocução viva com a academia e demais produtores de conhecimento sobre juventude; mantendo a aprimorando os canais de participação como espaços de escuta e incorporação das demandas e questões dos mais diversos atores juvenis; estruturando uma prática de diálogo interministerial para formular abordagens articuladas intersetorialmente, como única a via mais potente para dar respostas a questões dramáticas e urgentes, como é o caso do Plano Juventude Viva, que colocou na agenda do governo federal, de forma inédita, o tema definido como prioridade numero 1 na I Conferencia Nacional de Juventude, a necessidade de enfrentar a violência contra a juventude negra de nosso país.
As manifestações desencadeadas em junho de 2013 aumentaram a presença e a visibilidade da juventude, das suas formas de participação, da diversidade de suas questões; e tornou ainda mais urgente a necessidade de aprimorar as respostas, em termos de políticas públicas, para fazer com que possamos desenvolver mais e melhores políticas para toda a diversidade da sociedade brasileira.
Nós consideramos que, para responder a esse conjunto de questões, é importante a manutenção da Secretaria Nacional de Juventude como organismo gestor que acumula este olhar e este diálogo com os atores juvenis , colaborando para que o Estado brasileiro seja capaz de manter as conquistas já alcançadas e produzir novas respostas, na forma de políticas inovadoras, multidimensionais, em sintonia com as outras áreas demandantes e produtoras de direitos.
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Assine aqui a petição que encaminharemos para a Ministra da Cidadania Nilma Lino Gomes