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Política, juventude e Hip Hop

Roberto Raimundo é membro do movimento Hip Hop Chama, coordenador do projeto Diversidade Cultural e participou da reestruturação do Conselho Municipal de Juventude de Belo Horizonte. Sua experiência permite um olhar particular para a questão das políticas públicas de juventude. A Agência de Notícias conversou com ele sobre política, juventude e hip hop

Agência: A construção de políticas públicas específicas de juventude é um processo bem recente no Brasil, que vem se desenvolvendo há cerca de cinco anos. Por que você acha que demorou tanto para que houvesse um conjunto de reflexões e iniciativas sistemáticas no campo das políticas voltadas para os jovens?

Roberto: Acho que, no âmbito do poder público federal, esse processo está relacionado com a chegada do governo Lula e com a expectativa de uma gestão mais participativa e democrática, depois de oito anos de Fernando Henrique Cardoso. Começaram a ser pensadas políticas novas e atores diferentes nas políticas públicas. Um dos atores que até então não vinha sendo incluído nessas políticas públicas era o jovem. Até então, os jovens eram incluídos nas políticas públicas apenas de forma indireta, em ações que não eram específicas da juventude. Por exemplo, questões como educação, trabalho e gênero passavam pela discussão sobre o jovem, mas não abordavam a juventude como um todo.

Um governo novo traz a expectativa de coisas novas e, em 2004, começou a discussão sobre o Plano Nacional da Juventude. A partir do plano criaram-se diversas propostas, como o Conselho Nacional da Juventude, a Secretaria Nacional de Juventude, o Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens) e mantiveram-se outros programas para a juventude que nasceram em governos passados, como o Agente Jovem. Existe ainda o Juventude Cidadã, o Escola Aberta, o ProUni (Programa Universidade para Todos). Eu imagino que a morte do índio Galdino também foi um fator que impulsionou a elaboração de políticas para os jovens no Brasil. Esse marco chocou a sociedade brasileira e, a partir de então, passou-se a dar mais atenção à questão da juventude e ficou patente a necessidade de se inserir a pauta dos direitos juvenis no debate das políticas públicas. Eu vejo que é uma questão de tempo. A conjuntura política e social não favoreceu a discussão sobre a juventude anteriormente, e a gente está “engatinhando” nessa discussão. O movimento sobre criança e adolescente já tem 20 anos, e movimentos sobre meio ambiente e saúde, por exemplo, são também mais antigos e consolidados. As discussões sobre políticas públicas de juventude são tão novas que nem podemos considerá-las como sendo propriamente um “movimento” ainda.

Agência: Existe abertura para a participação da juventude na concepção dessas políticas?

Roberto: A política pública para a juventude no Brasil é implementada de cima pra baixo, com certeza. Por exemplo, o governo federal fez e implementou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Juventude de cima pra baixo: os ministérios não consultaram os programas já existentes e nem ouviram os jovens. Os conselhos e espaços de participação dos jovens muitas vezes não cumprem nem o papel de serem instâncias consultivas, ouvidas pelos governos. Então, a maioria das políticas de juventude parece ser implementada de cima pra baixo. A participação dos jovens é muito restrita.

Agência: Como você vê a atuação do Conselho Municipal de Juventude de BH?

Roberto: Eu não participo efetivamente do Conselho. Não sou conselheiro; participei apenas da sua reestruturação, há dois anos. Mas vejo que o Conselho Municipal é um espaço novo, que está começando e que ainda vai ter que caminhar muito para conseguir ter credibilidade e ser ouvido pelo poder público. O espaço não é dado, ele é conquistado paulatinamente. Algumas pessoas que participam do conselho têm pouca vivência na questão da política participativa, são jovens que estão começando agora... É um conselho novo, que foi eleito recentemente e chegou a ter um momento de interrupção. A política para juventude de Belo Horizonte não passa pelo conselho para ser implementada. Ele ainda não é um espaço de deliberação – como se propõe a ser.

Agência: Você vem do movimento Hip Hop, que tem uma fundamentação política, vai além da expressão artística. Como você vê a relação entre o movimento Hip Hop e o engajamento político da juventude?

Roberto: No movimento Hip Hop, a grande maioria do pessoal só fala. Eles têm um discurso inflamado, mas que só fica na teoria; é um discurso vazio. A maioria da galera do Hip Hop não participa das atividades políticas da cidade, nem das conferências, nem do Conselho de Juventude. É um grupo muito reduzido de pessoas do movimento que participa da ação política. O pessoal não participa nem das discussões de políticas culturais, que são mais próximas deles. Eles só querem cantar. Muitos acham que a política pública é só um microfone e um palco. Eu tenho que fazer essa auto-crítica: o movimento Hip Hop é disperso da coisa pública da cidade. A galera não acompanha, não faz mobilização, não se movimenta para conseguir algo pelo bem da coletividade. Quando eles procuram o poder público é para projetos individuais setorizados, para coisas pessoais, do grupo. Nada é para o coletivo. Temos que descartar isso, que tirar esse mito de que o Hip Hop é um movimento que faz uma discussão política. É feita, sim, uma discussão interna, nas letras, nas músicas, no conteúdo artístico, mas limita-se a isso.

Agência: E em que medida você considera importante a politização da expressão artística do Hip Hop?

Roberto: A expressão artística do movimento Hip Hop é muito importante, politicamente falando! Mas ela sozinha não dá conta de pautar o poder público com as nossas demandas. O cara pode fazer uma boa letra, um bom grafite, pode dançar muito bem, mas só isso não sensibiliza o poder público para que ele seja demandado em relação aos problemas da galera.

A galera não quer só palco e microfone. Eles precisam e têm direito a muito mais. Temos experiências de atividades como o Hip Hop in Concert, que está acontecendo em Belo Horizonte e que oferece palco, som de qualidade e uma estrutura boa. Mas tem muito grupo que falha por outras questões, como não saber passar o som, não ter uma técnica artística qualificada para trabalhar com aquela estrutura. É preciso um aprimoramento. Quando a pessoa se propõe a ser um artista, é preciso se profissionalizar naquilo. Eu acho que o poder público, em relação ao movimento Hip Hop, poderia oferecer oportunidades para a galera se profissionalizar. Em outras cidades – dos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo –, o Hip Hop cresceu muito, e isso tem a ver com o fato de que o poder público apoiou muito oferecendo oficinas, cursos de capacitação técnica...

Agência: Você acha que as políticas públicas de juventude buscam atender aos jovens em geral, levando em conta as suas diversidades?

Roberto: No papel, elas podem até atender. Mas, na prática, a política pública de juventude é setorizada, limitada e, muitas vezes, tem uma visão meramente assistencialista. Muitas dessas políticas entendem que o jovem é um problema a ser resolvido. O jovem nunca é conhecido como sujeito de direitos. Tenho percebido que as políticas para a juventude em nível municipal, estadual e federal têm uma visão preconceituosa do jovem e não conseguem trazer a ele condições de expressão de suas diferenças. As políticas parecem querer padronizar os jovens. Cada grupo, cada bairro, cada local precisa de uma maneira particular para trabalhar com aquela galera. Pode haver um padrão da metodologia, mas as diferenças existem e os gestores públicos parecem não se dar conta disso. É preciso entender que cada pessoa e cada grupo precisa de um tratamento diferenciado.

Agência: Quais são suas perspectivas para as políticas de juventude?

Roberto: Não estou desanimado, mas também não posso dizer que está tudo “às mil maravilhas”. Existem avanços: só por existir, em BH, uma coordenadoria, um Conselho da Juventude e outras pessoas que já estão preocupadas e que são remuneradas especificamente para pensarem políticas para a juventude, já é muito importante. Isso já é um grande avanço. O poder público municipal sabe que existe essa demanda, e colocou pessoas para trabalhar nelas. Isso já é muito importante: o reconhecimento pelo poder público de que existe uma juventude que precisa de políticas específicas. Mas a crítica que eu e muitas pessoas do movimento temos é de que as coisas, na prática, são pouco efetivadas. O número parece ser muito mais importante que a qualidade. Sempre quando as pessoas vão à Câmara dos Vereadores, por exemplo, para fazer a avaliação de um programa, são levados apenas números. Eles não conseguem falar da qualidade do programa. Isso pra mim é negativo, pois o pessoal está muito preocupado com as quantidades, mas não se discute os conteúdos, as formações, a experiência em si. Para o poder público o número é importante, mas para quem está recebendo a política pública isso não faz diferença.

As coisas não vão tão mal assim, mas a verdade é que a realidade da juventude brasileira, em geral, não mudou de 2004 pra cá: os jovens continuam morrendo, os que vão para o ProUni são os mais ricos entre os mais pobres, os jovens que são beneficiados geralmente já têm alguma organização familiar.

A realidade da juventude que eu conheço ainda não mudou. As iniciativas ainda não surtiram frutos; ainda não há resultados para serem comemorados. Ainda tem muita discussão a ser feita, como violência do jovem contra o jovem, machismo, emprego, preço do transporte, violência policial, educação de má qualidade... Isso tudo ainda não mudou. Acredito que as pessoas tenham boa intenção, mas é um problema crônico. São muitos anos de exclusão social, e não tem como pensar em incluir as pessoas sem pensar em distribuir renda de uma forma mais igual. Não adianta pensar num programa para a juventude se não se pensa em um salário melhor para o pai daquele menino, em uma melhor qualidade de vida. É preciso pensar a juventude de uma forma integral. Pensar em soluções para os problemas da juventude me traz mais perguntas do que respostas.

Publicado originalmente em 29/10/07, no endereço  http://www.rede.aic.org.br/boletim/boletim_conteudo_28.html#ti