"As escolas estão trabalhando desta forma: quando os alunos chegam à sala de aula, eles têm que deixar o mundo do lado de fora", Pier Cesare Rivoltella
De janeiro de 2005 a junho de 2006, universidades, governos e associações de nove países europeus – Bélgica, Dinamarca, Estônia, França, Grécia, Itália, Polônia, Portugal e Inglaterra – realizaram uma megapesquisa para conhecer o consumo ‘midiático’ dos jovens. Foram entrevistados 7.393 adolescentes, dos 12 aos 18 anos. Uma das principais conclusões do estudo é a de que a juventude européia está cada vez mais distante da televisão, ocupando boa parte de seu tempo com a internet.
Em entrevista ao RIO MÍDIA, o professor Pier Cesare Rivoltella, um dos coordenadores da pesquisa, diz que a realidade dos adolescentes europeus não é tão diferente da dos jovens brasileiros dos grandes centros urbanos. À frente do recém criado Centro de Pesquisas em Mídia Educação da Itália (Cremit), Rivoltella destaca ainda que os governos dos países analisados estão longe de entender a real necessidade de apostar e de investir na formação de um novo profissional: o mídia educador.
Confira, a seguir, a entrevista que Rivoltella concedeu à equipe do RIO MÍDIA, na sede da MULTIRIO. No último mês de maio, o professor esteve no Rio de Janeiro participando de uma série de encontros na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), com a qual desenvolve projetos de intercâmbio de estudos.
Acompanhe:
RIO MÍDIA - Quais são os principais resultados da pesquisa?
Pier Cesare Rivoltella - Há dados interessantes. Por exemplo, quase todos os adolescentes europeus têm, pelo menos, um celular. De acordo com a pesquisa, 95% dos jovens, de 12 a 18 anos, têm o seu próprio aparelho. Na Itália, em média, as crianças são presenteadas com celular aos oito anos de idade. Observamos também que os jovens fazem uso da internet como uma forma de prolongar as relações sociais já estabelecidas no mundo real. Na prática, eles não vão para a web para conhecer outras pessoas. Normalmente, eles acessam à rede para dar continuidade às relações do presente. Percebemos ainda que os consumos midiáticos são bastante parecidos entre as meninas e os meninos. A única diferença significativa envolve os jogos eletrônicos: 55% dos meninos jogam habitualmente contra 43% das meninas. A ferramenta menos utilizada pelos jovens é o blog. A taxa é de 20%, exceto na Bélgica, que chega à casa dos 38%. E, a exemplo do que acontece aqui no Brasil, os jovens estão deixando a televisão de lado. A presença da TV ainda é significativa, mas há indícios de que ela já não mais ocupa todo o tempo livre dos adolescentes. Outro dado revelador é que a tecnologia está presente em todos os lugares. Sua presença é homogênea, seja nos grandes centros urbanos ou no interior dos países.
RIO MÍDIA - O acesso dos jovens às diferentes mídias é homogêneo nos países pesquisados?
Pier Cesare Rivoltella - De certa forma sim. O único país que está um pouco atrasado em termos de tecnologia, e portanto de acesso, é a Grécia. A Estônia, por exemplo, é um dos países com maior número de celulares conectados à internet. A Polônia também possui elevados índices. Há dez anos, Portugal estava um pouco à margem, mas hoje está na média dos demais. O fato que nos chamou a atenção foi a falta de informação da juventude inglesa. Cerca de 45% dos adolescentes afirmaram, por exemplo, que não sabiam o que era um blog. Ficamos bastante surpreendidos com este resultado. É impressionante. Afinal, a Inglaterra é vista e apresentada como um país que investe pesado na interface entre mídia e educação. Há 20 anos, o Estado desenvolve programas escolares sobre o tema.
RIO MÍDIA - Então a que se deve este fato?
Pier Cesare Rivoltella - Em geral, os governos só se preocupam com a oferta. Se preocupam apenas em oferecer acesso à mídia. As políticas públicas pensam apenas em colocar máquinas nas escolas, sem que os professores tenham formação específica na área, o que poderia contribuir na constituição de conhecimentos e valores dos jovens. Neste sentido, as ações do governo inglês espelham as de toda a Europa.
RIO MÍDIA - Sendo assim, as escolas...
Pier Cesare Rivoltella - Não fazem nada. Estão atrasadas. Na Itália, por exemplo, o Ministério da Educação proibiu o uso do celular na sala de aula. Há uma cesta na entrada da sala, na qual os alunos devem colocar seus aparelhos. Trata-se de uma medida pedagógica, com o objetivo de dizer para a população que o governo está cuidando das crianças e dos jovens. A decisão foi tomada em virtude de alguns estudantes terem gravado no celular cenas de sexo entre eles e divulgado na internet. Ou seja, em vez do Estado e das escolas trabalharem o uso do aparelho, até mesmo como ferramenta de ensino, proíbi-se o seu uso. As escolas estão trabalhando desta forma: quando os alunos chegam à sala de aula, eles têm que deixar o mundo do lado de fora.
RIO MÍDIA - Neste cenário, como os pais se colocam?
Pier Cesare Rivoltella - Os pais não estão interessados nos consumos midiáticos dos filhos. Se preocupam apenas com o tempo com que seus filhos passam com a mídia, passam na frente das telas. Os responsáveis não estão preocupados com os conteúdos. Na prática, observamos que os pais não estão sabendo lidar com a recepção que seus filhos fazem da mídia. Nas entrevistas que realizamos, os jovens falam que gostariam de ter relações significativas com os adultos sobre os consumos midiáticos que fazem. Gostariam de conversar, de trocar idéias...
RIO MÍDIA - No Brasil, discute-se muito se é dever do Estado promover uma classificação indicativa dos programas de TV, vinculando o conteúdo às faixas etárias e horárias. Este debate existe na Itália?
Pier Cesare Rivoltella - Na Itália, a classificação indicativa é compreendida como uma medida educativa, mas a questão é cheia de controvérsias e de amplos debates e problemas. A classificação indicativa é feita pela própria emissora, pelo programista, que tem como critério o código de auto-regulamentação elaborado pelos canais. Para fiscalizar, há uma agência reguladora do governo que avalia se as classificações atribuídas pelas emissoras estão condizentes com o código. Na TV italiana, há três tipos de classificação: sinal vermelho, programas para adultos; sinal amarelo, programas que podem ser vistos por crianças e jovens, desde que acompanhados; e sinal verde, programas livres.
RIO MÍDIA - Então a classificação indicativa também é um tema polêmico na Itália?
Pier Cesare Rivoltella - Sim, porque a autoclassificação e a fiscalização não são feitas por profissionais especializados. Este é o espaço que deveria ser ocupado pelo mídia educador. Defendo isso. As pessoas estão percebendo que a questão da mídia e educação não está mais limitada à escola. As emissoras, como qualquer empresa, deveriam ter em seus quadros um ou mais especialistas na interface mídia e educação.
Entrevista concedida a Marcus Tavares
Fotos - Alberto Jacob
Veja também
Professor italiano, Pier Cesare Rivoltella, defende a formação do mídia-educador
Publicado originalmente no Rio Mídia