Um grupo de mais de cem pessoas, que inclui psicólogos, advogados, antropólogos e educadores, quer impedir a realização de um projeto de pesquisa que pretende mapear o cérebro de 50 adolescentes homicidas na Capital
A reação contra os cientistas que lideram a proposta cresceu a partir de dezembro, quando um abaixo-assinado acompanhado de uma nota de repúdio de autoria coletiva começou a circular. A versão mais atual do documento está assinada por 101 pessoas, incluindo integrantes do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e de conselhos regionais.
A nota de contestação compara o projeto a "práticas de extermínio" e de motivação "eugenista". Dois dos líderes do projeto que está sendo criticado são o neurocientista Jaderson da Costa, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e o geneticista Renato Zamora Flores, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A intenção dos cientistas é analisar em uma mesma pesquisa aspectos neurobiológicos, psicológicos e sociais do comportamento violento, tendo como foco de pesquisa um grupo de internos da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase).
- Entendemos que ele (o projeto de pesquisa) fere o Estatuto da Criança e do Adolescente e fere os direitos humanos porque parte desse princípio: liga a violência a um determinado grupo social - diz Ana Luiza Castro, psicóloga do Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre.
Ana Luiza não descarta contestar na Justiça ou fazer queixa ao Ministério Público.
Para Jaderson da Costa, o abaixo-assinado de contestação é movido por desinformação.
- O que eles assimilaram foi que nós estaríamos sendo reducionistas, procurando simplesmente uma base neurobiológica e desprezando qualquer outro fator. Na realidade, é um projeto que visa mesmo a ver bases neurobiológicas, neurológicas e genéticas, mas não descuida dos aspectos neuropsicológicos, psiquiátricos, emocionais e sociais - afirma Costa.
Segundo o neurocientista, a reação contrária à pesquisa se deve a uma vertente acadêmica que rejeita a incorporação da neurobiologia no estudo do comportamento humano:
- Existe uma corrente retrógrada, que quer manter o conhecimento como está. Mas o foro para resolver essas coisas não é esse bate-boca, é a discussão acadêmica.
Publicado originalmente em 22/01/08
No jornal Zero Hora.
Abaixo, segue a nota de repúdio à pesquisa, que circula na internet:
*Nota de Repúdio
Estudos sobre a "base biológica para a violência em menores infratores":
novas máscaras para velhas práticas de extermínio e exclusão.*
É com tristeza e preocupação que recebemos a notícia de que Universidades de grande visibilidade na vida acadêmica brasileira estão destinando recursos e investimentos para velhas práticas de exclusão e de extermínio. A notícia de que a PUC-RS e a UFRGS vão realizar estudos e mapeamentos de ressonância magnética no cérebro de 50 adolescentes infratores para analisar aspectos neurológicos que seriam causadores de suas práticas de infração nos remete às mais arcaicas e retrógradas práticas eugenistas do início do século XX.
Privilegiar aspectos biológicos para a compreensão dos atos infracionais dos adolescentes em detrimento de análises que levem em conta os jogos de poder-saber que se constituem na complexa realidade brasileira e que provocam tais fenômenos, é ratificar sob o agasalho da ciência que os adolescentes são o princípio, o meio e o fim do problema, identificando-os seja como "inimigo interno" seja como "perigo biológico", desconhecendo toda a luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes, que culminou na
aprovação da legislação em vigor - o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pensar o fenômeno da violência no Brasil de hoje é construir um pensamento complexo, que leve em consideração as Redes que são cada vez mais fragmentadas, o medo do futuro cada vez mais concreto e a ausência de instituições que de fato construam alianças com as populações mais excluídas. É falar da corrupção que produz morte e isolamento e da precariedade das políticas públicas, sejam elas as políticas sociais básicas como educação e saúde, sejam elas as medidas sócio-educativas ou de proteção
especial.
Enquanto a Universidade se colocar como um ente externo que apenas fragmenta, analisa e estuda este real, sem entender e analisar suas reais implicações na produção desta realidade, a porta continuará aberta para a disseminação de práticas excludentes, de realidades genocidas, de estudos que mantêm as coisas como estão. Violência não é apenas o cometimento do ato infracional do adolescente, mas também todas aquelas ações que disseminam perspectivas e práticas que reforçam a exclusão, o medo, a morte.
Triste universidade esta que ainda se mobiliza para este tipo de estudo, esquecendo-se que a Proteção Integral que embasa o ECA compreende a criança e o adolescente não apenas como "sujeito de direitos" mas também como "pessoa em desenvolvimento" - o que por si já é suficiente para não engessar
o adolescente em uma identidade qualquer, seja ela de "violento" ou "incorrigível".
A universidade brasileira pode desejar um outro futuro: o de estar à altura de nossas crianças e adolescentes.
Assinam a Nota:
1. Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla - Departamento de Psicologia
Educacional
Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas;
2. Angel Pino - psicólogo e criminólogo, professor da Unicamp;
3. Antonio Carlos Amorim - Faculdade de Educação/Unicamp;
4. Antonio Miguel - Professor da FE-UNICAMP;
5. Associação Excola;
6. Áurea M. Guimarães - F.E. - Unicamp;
7. Carlos Eduardo Albuquerque Miranda - Professor da FE -
UNICAMP;
8. Carlos Eduardo Millen Grosso - Mestre em História pela
PUC-RS;
9. Carmen Lucia Soares- Professora da FE e FEF-UNICAMP;
10. Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância
- CIESPI;
11. Childhope Brasil- Dayse Tozzato (Diretora-Presidente);
12. Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de
Psicologia do Rio de
Janeiro - CDH/CRP-05;
13. Comissão de Direitos Humanos do CRP 06 (São Paulo);
14. Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de
Psicologia - CNDH/CFP;
15. Cristina Rauter - Professora da Universidade Federal
Fluminense / UFF;
16. Curso de Especialização em Psicologia Jurídica da
Universidade do Estado do Rio
de Janeiro/ UERJ;
17. Daniel Damiani - 1° Diretor de Assistência Estudantil da
UNE;
18. Dario Fiorentini - Professor da FE-UNICAMP;
19. Des. Siro Darlan de Oliveira - Presidente do CEDCA/RJ;
20. Edgard de Assis Carvalho- Professor; Coordenador do Núcleo
de
Estudos da Complexidade da PUC/SP;
21. *Ezequiel Theodoro da Silva - Unicamp;*
22. Fernanda Rodrigues da Guia - Acadêmica de Psicologia da UFF
-
Estagiária da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio
de
Janeiro;
23. Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento
Rubião
24. Gaudêncio Frigotto - Professor do Programa de Pós-Graduação
em Políticas
Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. PPFH/UERJ;
25. Grupo Atitude! Protagonismo Juvenil - Porto Alegre;
26. Gustavo Duarte de Almeida - Mestrando em Psicologia pela
Universidade Federal Fluminense (UFF)
27. Helena Costa Lopes de Freitas - Profa. Aposentada UNICAMP;
28. Heloísa Helena Pimenta Rocha FE-UNICAMP;
29. Irme Bonamigo -Psicologia/UNOCHAPECÓ
30. Jaime Silva - Professor de Ensino Médio e mestrando em
Políticas
Públicas e Formação Humana - UERJ
31. Janne Calhau Mourão - Psicóloga - Projeto Clínico-Grupal
TNM- RJ;
32. Jeferson Pereira, ONG Orselit - Porto Alegre;
33. José Claudinei Lombardi - Professor da FE UNICAMP;
Coordenador do Grupo
de Estudos e Pesquisas HISTEDBR;
34. Késia D'Almeida - Pedagoga da Creche da Fundação Oswaldo
Cruz;
35. Klelia Canabrava Aleixo. Professora da Pontifícia
Universidade Católica de Minas
Gerais;
36. Lenir Nascimento da Silva - Pediatra da Creche da Fundação
Oswaldo
Cruz/FIOCRUZ;
37. Luci Banks Leite-Professora FE-UNICAMP;
38. Luciene Naiff - UNIVERSO;
39. Luís Gustavo Franco, advogado e professor de Direito da
Criança e do Adolescente
da UNDB - São Luís/MA;
40. Luiz Fernandes de Oliveira - CAp UERJ, FAETEC e PUC-Rio;
41. Lygia Santa Maria Ayres - psicóloga, pesquisadora da UFF e
conselheira presidente
da Comissão de Orientação e Etica do CRP RJ;
42. Marcelo Cafrune, advogado, mestrando em Direito na UFSC;
43. Marcelo Dalla Vecchia - Professor da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul
(UFMS);
44. Marcha Mundial das Mulheres
45. Márcia Badaró - Conselheira do Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-05);
46. Margareth Silva Rodrigues Alves - Historiadora - Diretora do
Arquivo
Histórico da Câmara Municipal de Cabo Frio - Mestranda do
Programa
de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade do Estado
do
Rio de Janeiro. PPFH/UERJ;
47. Maria da Conceição Xavier de Almeida- Professora;
Coordenadora do
Grupo de Estudos da Complexidade da UFRN;
48. Maria das Graças de Carvalho Henriques Áspera - Psicóloga da
FUNDAC -
Fundação da Criança e do Adolescente (Bahia);
49. Maria Helena Salgado Bagnato;
50. Maria Helena Zamora - Professora da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de
Janeiro / PUC-Rio;
51. Marília Denardin Budó - RG 1063484909 - Mestrado em Direito
- UFSC
Isis de Jesus Garcia - Mestranda UFSC Direito;
52. Marisa Fefferman - USP
53. Mônica Lins - Colégio de Aplicação da UERJ;
54. Nuances - grupo pela livre expressão sexual - Porto Alegre;
55. Núcleo de Pesquisas Políticias que produzem educação (NUPE)
da UERJ
56. Patrícia Trópia Professora da PUC-Campinas;
57. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho - Vice-presidente do
Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-05) e professor da
Universidade Federal do
Rio de Janeiro/ UFRJ;
58. Programa Cidadania e Direitos Humanos da Universidade do
Estado do Rio de
Janeiro - PCDH/UERJ;
59. Programa Pró-Adolescente da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro/ UERJ;
60. Rafael L. F. da C. Schincariol - mestrando em direito pela
UFSC;
61. Raquel de Almeida Moraes - Doutora em Educação pela Unicamp
- Professora da Universidade de Brasília - Programa de Pós-Graduação em
Educação;
62. *Regina Maria Bastos Ferreira - Professora da Universidade
Comunitária
Regional de Chapecó/SC;*
63. Regina Maria de Souza - docente da Faculdade de Educação da
UNICAMP;
64. Rita de Cássia Fagundes - Educadora - Agente Jovem -
Cascavel/PR;
65. Simone Brandão Souza - Coordenação de Serviço Social - SEAP
- RJ;
66. Solange da Silva Moreira - Assistente Social do Instituto
Phillipe
Pinel
67. Tatiana Machado - Marcha Mundial de Mulheres;
68. Themis - Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero - Porto
Alegre.
69. Silene de Moraes freire ( Professora da Faculdade de Serviço
Social e Coordenadora do PROEALC- UERJ)