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Para alem do Empreendedorismo

Livia de Tommasi  relativa o "poder" do empreendorismo e do mercado na solução dos problemas da empregabilidade e aponta para a necessidade de políticas públicas para o trabalho na juventude


Há um discurso ideologicamente orientado que coloca o empreendedorismo como uma solução para o problema do desemprego juvenil. Num sistema (capitalista) onde o emprego formal, a carteira assinada, se tornou uma "miragem" inatingível para a maioria dos jovens, o discurso neo-liberal (o mesmo partidário da flexibilização e da desregulamentação) propaganda o empreendedorismo como uma qualidade fundamental a ser cultivada entre os jovens e, ao mesmo tempo, uma forma de inserção no mundo do trabalho através do chamado auto-emprego, ou seja a abertura de um negocio ou empreendimento próprio. Apesar do que o próprio SEBRAE, o órgão ao qual o governo federal tem confiado a tarefa de formar os jovens ao empreendedorismo e, ao mesmo tempo, de assessorar a criação de micro-empreendimentos, divulga números que são muito pouco animadores sobre o sucesso no mercado e a vitalidade desses empreendimentos (ou seja, que somente 5% por ano dos empreendimentos conseguem se manter no mercado, enquanto o resto é destinado à falência) os programas desenvolvidos por muitas entidades miram a estimular a criação pelos jovens de um negocio próprio (por meio de cursos de capacitação para produção e gestão em diferentes áreas da economia, que vão do artesanato, à produção agrícola, aos serviços em âmbito cultural, etc.). Muitos jovens que concluíram esses cursos e não conseguiram montar seu empreendimento sentem recair a responsabilidade pelo fracasso nos seus ombros: não consegui porque não fui um bom empreendedor. No âmbito da ideologia neo-liberal essa inversão de responsabilidades é comum: assim, os pobres (e especificamente os jovens, "o futuro da nação") são os principais responsáveis pela solução de seus problemas. São eles que devem arregaçar as mangas e trabalhar para enfrentar os problemas provocados pelas receitas neo-liberais promovidas pelo FMI e o Banco Mundial: a concentração de renda, o aumento da desigualdade econômica, social e cultural, a exclusão, o desemprego, etc. É a idéia de Estado mínimo aplicada ao âmbito econômico e social.

Se admitimos que somente uma parcela mínima de empreendimentos tem espaço no sistema econômico assim como ele esta organizado atualmente, deveríamos por conseqüência admitir que não basta estimular o espírito empreendedor, estimular a criação de empreendimentos para que eles se tornem uma alternativa eficaz ao problema do desemprego e à busca pela geração de renda. Pelo menos, o estimulo ao empreendedorismo deveria ser acompanhado por outras medidas que intervenham na forma como o mercado e o trabalho estão organizados.

Muitas vezes me parece que o termo empreendedorismo poderia ser tranqüilamente substituído, no discurso, por "capacidade de iniciativa". Ou seja, o moderno espírito empreendedor não seria outra coisa do que a antiga atitude a ter iniciativa, qualidade de fato bastante importante para encontrar um lugar no mundo e bastante deficitária sobre tudo entre os jovens e especificamente aqui no Nordeste onde a dispersão, o andar "devagar quase parando" característicos de uma geração se juntam à uma atitude típica de esperar que o outro (que sejam os poderosos locais, os governos, os chefes e até Deus) resolva os problemas. Concordo na necessidade de superar uma visão fatalista e conformista frente à vida. Mas me incomoda essa necessidade de importar um termo do âmbito empresarial, para nomear uma qualidade, uma atitude tão antiga e fundamental para a construção dos sujeitos.

Acredito que o Estado deve promover políticas públicas que garantam a todos os cidadãos viver em condições dignas. Dentre essas condição, é central a possibilidade de se inserir no mundo do trabalho e gerar a própria renda. As medidas em âmbito econômico são fundamentais para encontrar novas formas de organização e regulamentação da economia, assim como novas formas de organização do trabalho. Junto com uma "atitude empreendedora" é preciso mexer nas formas de organização do trabalho, para garantir o direito ao trabalho em particular entre os jovens. Vou citar algumas medidas que considero centrais e possíveis de ser alcançadas no âmbito dos nossos governos:

a) a reforma da lei que regulamenta a criação de cooperativas (desburocratização, diminuição da exigência mínima de 20 membros para a criação de uma cooperativa, etc.)

b) regulamentação especifica para a criação de cooperativas na área dos serviços sociais. Há no Brasil uma quantidade de demandas por serviços em área social e cultural (gestão de bibliotecas públicas, implantação de creches, atendimento aos deficientes, acompanhamento para os idosos, só para citar alguns desses serviços) que poderiam ser atendidas por cooperativas de jovens formadas por esse fim (faço referencia aqui a uma lei para o estimulo ao primeiro emprego juvenil através da formação de cooperativas sociais que foi criada na Itália em 1977, a Lei 285). Alguns desses serviços estão hoje quase completamente descobertos; outros estão sendo realizados através do estabelecimento de convênios entre o setor público e o chamado "terceiro setor". A criação de cooperativas sociais por parte dos jovens me parece responder ao interesse que muitos jovens expressam por trabalhar sem patrão, com relações horizontais, organizar atividades com seu grupo de pares, em particular no âmbito de serviços culturais, sociais, artísticos, esportivos (as periferias das cidades estão cheias de iniciativas nesse sentido, de grupos que realizam ações nessas áreas, mas que esbarram numa quantidade de exigências burocráticas quando tentam se legalizar para poder ter acesso a financiamentos públicos).

c) Ampliar a oferta pública por serviços na área social e cultural, por meio de investimentos consideráveis (inclusive em termos orçamentários) por parte do setor público.

d) Reformar a Lei que regulamente o mercado das licitações públicas, favorecendo que os pequenos empreendimentos da economia solidária vendam seus produtos nesse âmbito.

Com certeza, há muito mais a ser feito. Citar essas medidas tem a finalidade de ilustrar praticamente a necessidade de acompanhar o estimulo ao empreendedorismo de outras medidas, políticas e econômicas, sem as quais os apelos ao empreendedorismo viram meramente ideológicos e retóricos.

Livia de Tommasi – Rede Juventudes - Recife

Fonte: http://blog.pangea.org.br/2006/06/27/que-empreendedorismo-juvenil/

Publicado no site Blog.jet.org.br em 28 de junho de 2006