Acervo
Vídeos
Galeria
Projetos


Os dois (ou mais) lados do Pro Jovem no Rio

O Observatório Jovem visitou um dos núcleos do ProJovem no Rio de Janeiro. O texto traz nossas impressões sobre o programa e a realidade vivida por alunos e professores

No Catumbi, alunos e professores lidam com problemas estruturais e se esforçam para garantir a qualidade do programa

No ano passado, o Observatório Jovem produziu duas reportagens sobre o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem. A primeira, de 25 de maio, relata o debate sobre o programa, realizado durante o Fórum de Educação de Jovens e Adultos (EJA), na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Na ocasião a Secretaria Adjunta da Secretaria Nacional de Juventude, Regina Novaes, conversou com os presentes buscando esclarecer as muitas dúvidas sobre o programa criado pelo Governo Federal. A segunda reportagem, realizada em 13 de outubro, é uma entrevista com o coordenador geral do ProJovem no Rio, Pedro Veiga, que iniciava a implantação do projeto no âmbito da Secretaria Municipal de Assistência Social. Mais de um ano depois do debate realizado na Uerj, o Observatório Jovem quis saber como está caminhando o ProJovem e, após entrar em contato com a coordenação do Programa no Rio de Janeiro, visitou um dos núcleos da cidade. 

O ProJovem foi concebido como uma política emergencial para jovens de 18 a 24 anos que não conseguiram concluir o segundo segmento do ensino fundamental na idade adequada. A idéia é fazer com que esses alunos concluam as séries em um ano, independente do período em que pararam de estudar, e ainda recebam uma qualificação profissional. Matriculados no programa, eles devem também ter aulas de informática, acesso a uma bolsa-auxílio de cem reais e desenvolverem um plano de ação comunitária.

De acordo com dados do governo federal, todas as capitais do país possuem núcleos do ProJovem desde o segundo semestre de 2005. O programa está agora em fase de expansão para municípios com mais de 200 mil habitantes. Na escola visitada, alguns pontos do projeto não estão sendo cumpridos, como o ensino de informática e o plano de ação comunitária. "O programa tem uma proposta político-pedagógica inovadora – propõe um trabalho interdisciplinar e as ciências humanas como carro-chefe – que se fosse levada a termo dentro das mínimas condições, teríamos um sucesso absoluto", afirma a coordenadora responsável pelo núcleo, Ana Maria Cordeiro.

ProJovem nas escolas municipais      

Quinta-feira, 19 horas. Duas jovens chegam eufóricas à Escola Municipal do Catumbi, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Atrasadas para a aula, as meninas trazem nas camisetas brancas o emblema do ProJovem. Este é o primeiro contato da equipe do Observatório com estudantes do ProJovem na visita a um dos núcleos do programa. O projeto foi iniciado na cidade no segundo semestre de 2005 e na escola visitada atende a pouco mais de 60 alunos, enquanto a capacidade seria para 150.

Entre as mínimas condições às quais se refere Ana Cordeiro, coordenadaora do núcleo do Catumbi, estão locais com estrutura para as aulas. As escolas municipais, apesar de apresentarem espaços adequados, não os estão disponobilizando para o programa. De acordo com a coordenadora, as escolas foram abertas para o ProJovem após decisão em conjunto das secretarias municipais de educação e assistência social.

Na escola do Catumbi, por exemplo, há salas de leitura e vídeo, mas os alunos do projeto não podem utilizá-las, apesar de não haver aula regular no período noturno. Já a sala dos professores pode ser utilizada no núcleo do Catumbi, mas, segundo Ana Cordeiro, esse espaço não está disponível em outros núcleos.

Em algumas escolas o problema ainda se agrava: "No caso de uma das escolas municipais não podemos sequer utilizar as cinco salas que precisávamos em cada núcleo. Utilizamos apenas duas. E isso quando alguém não esquece e leva a chave ou resolve trocar o cadeado, aí chegamos lá e está tudo fechado", explica.

O ensino
Apesar dos problemas estruturais, na sala de reuniões, as professoras exibem orgulhosas um mapa do Brasil caprichosamente desenhado por um estudante. "O ProJovem é um trabalho de conquista com o aluno, já que ele parou de estudar há muito tempo e a idéia que tem de escola é diferente dessa. O professor se envolve com os alunos, dá muita atenção", conta a professora de ciências naturais Haidée Lima.

Sandra Soares, também professora do ProJovem, e Haidée Lima aprovam e elogiam a maneira interdisciplinar de ensino proposta pelo programa, mas fazem ressalvas ao material didático utilizado. "O material é deficiente no conteúdo. Por exemplo, na minha área de português o livro trabalha os substantivos e todas as classificações em menos de uma página. O professor complementa, mas o material poderia ser melhor", diz Sandra. "Talvez essa complementação pudesse ser feita por meio dos computadores, se nós os tivéssemos, o aluno poderia estudar uma célula, por exemplo, já que o desenho do livro é quase imperceptível", completa Haidée.

Segundo Ana Cordeiro, alguns computadores chegaram, mas não há previsão de quando serão instalados e nem se serão ligados à internet.

Outro problema apontado é referente às avaliações trimestrais. As provas vêm prontas de Brasília e apresentam contradições com a maneira como o ProJovem pretende ensinar – as questões são todas de múltipla escolha e bastante objetivas, sem interdisciplinaridade.

O desenvolvimento da ação comunitária é outro dos pilares do projeto que está sendo desenvolvido aquém do previsto inicialmente. Conforme afirma a coordenadora, o problema acontece porque as assistentes sociais da prefeitura, designadas para acompanharem os estudantes na realização do plano de ação comunitária, não são responsáveis apenas pelas atividades do ProJovem. Essas profissionais exercem todas as funções que já lhes cabiam na prefeitura municipal anteriormente ao programa e, por isso, sobra pouco tempo para se dedicarem ao desenvolvimento da ação comunitária junto aos alunos. "Elas já trabalham de manhã e à tarde, ainda precisam trabalhar à noite sem gratificação por isso", comenta uma das educadoras.

Jovens alunos e alunas
Em uma das salas de aula visitadas uma jovem mãe aprendia português com a filha no colo, ao lado dela, a colega de classe ostentava uma bonita barriga do alto dos seus aproximadamente sete meses. Apesar de não haver um espaço específico para as crianças enquanto as jovens assistem às aulas, elas vêem um aspecto positivo: "na escola comum não podemos levar os filhos", afirmam confirmando as pesquisas que apontam que a falta de apoio às jovens-mães-alunas é uma das causas do abandono dos estudos.

Priscila Assis parou de estudar na quarta-série para cuidar da filha que nasceu quando ela tinha 14 anos. Hoje, Priscila tem 22 e esperança de melhorar de vida com o ProJovem. É comum entre os alunos relacionar o estudo com a possibilidade de conseguirem um trabalho. "Quando terminar o ProJovem eu pretendo arrumar um bom emprego e gostaria de fazer o ensino médio. Eu trabalho como auxiliar de serviços gerais. É um trabalho digno? É, mas é muito humilhante. Eu estou ali porque não tenho estudo, porque se eu tivesse, com certeza, não estaria ali", relata Priscila.

Para os alunos, as salas esvaziadas na quinta-feira têm um motivo. Eles atribuíram o fato também à proximidade do fim de semana e aos problemas pessoais de cada um, relativos à família e ao trabalho, mas, sobretudo, à ausência de uma política de transporte gratuito. Eles apontam como solução a extensão dos benefícios do Rio Card (cartão que garante transporte gratuito pela prefeitura aos alunos de ensino básico, fundamental e médio da rede pública, maiores de 65 anos e portadores de deficiência) aos matriculados no ProJovem. Como os jovens não são vistos como alunos do município, apesar de utilizarem o espaço físico das escolas municipais, o direito deles a não pagarem transporte não é reconhecido. Dessa maneira, se configura uma situação de sub-cidadania escolar, que deveria merecer especial atenção dos responsáveis locais e nacionais pelo programa.

Para Ana Maria Cordeiro, uma das razões que explicam o abandono das aulas por cerca de 40% dos alunos matriculados na Escola do Catumbi, é a forma como os jovens foram distribuídos pelos núcleos. Ela explica que essa relação de alunos e escolas veio pronta de Brasília e que, por desconhecimento da geografia física e social do Rio de Janeiro, não respeitou a territorialidade dos jovens. Para a coordenadora, não apenas a distância, mas questões importantes como a rivalidade entre comunidades cariocas não foram observadas.

Sobre a ajuda de custo para estudarem, os jovens da Escola do Catumbi afirmam que as bolsas de cem reais previstas no programa estão sendo pagas, apesar de atrasadas. O primeiro pagamento foi em janeiro, após dois meses de início das atividades, de lá para cá os alunos recebem o valor referente a apenas um mês. "A bolsa é um pouquinho só a mais do que o Rio Card", diz uma jovem, que garante gastar quase todo o dinheiro com a passagem.

As professoras dizem perceber muita vontade de aprender nos jovens, apesar deles apresentarem dificuldades para se habituarem novamente ao que a professora Haidée chama de "uma dinâmica de vida incorporando a escola". Nesse processo, eles vão aprendendo, por exemplo, a chegar no horário ou a estudar em casa. Fica a cargo dos professores, quando preciso, organizar o horário dos jovens junto a eles na agenda que recebem do programa.

A Qualificação profissional
"Tem uma semana que não falto à aula nem um dia por causa do teatro", diz a estudante do ProJovem, Luana Ribeiro, de 22 anos. Na Escola do Catumbi, o arco ocupacional, ou seja, a área na qual o jovem terá uma qualificação profissional é Arte e Cultura. As aulas práticas são oferecidas no período da tarde, o que impede que alguns alunos participem por precisarem trabalhar. Os jovens falam com entusiasmo de terem acesso ao ensino de teatro, dança, cinema, além de assistirem a espetáculos teatrais.

A jovem Jaqueline da Costa, de 23 anos, animada com a qualificação profissional, acredita que o programa dá uma "pontinha de esperança". "Estamos ocupando o tempo com cultura e educação, acho que a escola normal não segura os jovens, como diz a peça que estamos montando: muitos alunos saem da escola por arrogância de seus educadores", expressa.

A diferenciação que os alunos fazem entre os professores do ProJovem e da escola regular fica evidente quando relatam experiências. Os estudantes falam de como os professores os ajudam a elaborarem currículos ou os encaminham para outras oportunidades, como um curso de continuidade em televisão que a jovem Jaqueline está participando encaminhada pelo professor responsável pela formação profissional. Falam com carinho dos mestres e revelam o que talvez o programa possa realizar de mais efetivo: elevar a auto-estima.

Eles querem agora lutar para que tenham acesso também ao ensino médio. "Vamos fazer um abaixo-assinado e entregar para o governo do Estado", garante a jovem Luana Ribeiro.

* Raquel Júnia é aluna do curso de Comunicação Social da UFF. Participaram da matéria Paulo Carrano e Pâmela Leal, coordenador e bolsista do Observatório Jovem/UFF, Ana Caroline Sapienza e Fabiana Nunes da Silva, bolsistas do  Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação/UFF.