Alunos fazem exames do Enem: quase metade dos matriculados em escolas públicas obteve avaliação crítica ou muito crítica
No documentário "Pro Dia Nascer Feliz", de João Jardim, os contrastes entre uma escola de classe média alta, na zona sul paulistana, e outras três, localizadas na periferia de São Paulo, na Baixada Fluminense e na Zona da Mata pernambucana, deixam a sensação de que os jovens matriculados nas regiões mais pobres jamais terão oportunidades iguais às de seus colegas com melhor poder aquisitivo. Problemas de estrutura física, desinteresse de alunos e de professores e falta de perspectivas emergem da tela de cinema.
O que as lentes captam com poesia, as estatísticas, de fato, confirmam. O relatório "Jovens em Situação de Risco", publicado pelo Banco Mundial, mostra que em uma geração o país pode deixar de produzir R$ 300 bilhões em riquezas (cerca de 16% do PIB) pelo não aproveitamento adequado no mercado de trabalho de jovens entre 15 e 29 anos - que corresponde a 25% da população. Segundo a pesquisa, nascer em família pobre no Brasil significa ingressar em um grupo com taxas de analfabetismo três vezes superior à média nacional e concorrer a vagas de trabalho no mercado formal equivalente a 1/8 desta mesma média. Caso consiga vencer as barreiras e conclua o ensino médio, este jovem terá de enfrentar outros desafios.
"O baixo nível de cognição da maioria chama a atenção. Quando os testes envolvem redação, operações ou problemas matemáticos, percebemos uma dificuldade por parte desses candidatos", diz a consultora de recursos humanos Diva França de Moraes.
Nos últimos anos, o país assistiu à universalização do acesso ao ensino médio. Somente entre 1995 e 2000 a expansão bateu na casa dos 52%. O problema é que o sistema melhorou em quantidade, mas piorou vertiginosamente em qualidade. No último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), quase metade dos alunos matriculados em escolas públicas obteve uma avaliação que ficou entre o crítico e o muito crítico. Ao longo desta década, por ocasião da realização dos testes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, promovido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem ficado sistematicamente nas últimas posições. Dentre os 41 países participantes, os estudantes brasileiros foram capazes de apresentar um desempenho superior somente em relação aos jovens peruanos, nas provas de 2003.
"Nossa avaliação é que falta apoio ao professor. O supervisor fica envolvido pelo emaranhado burocrático e os técnicos pedagógicos também não acompanham o que se passa no dia-a-dia. No caso dos alunos, mesmo com os problemas estruturais, há aqueles com interesse em aprender e que acabam não tendo nenhum apoio também", observa Patrícia Mota Guedes, coordenadora de programas educacionais do Instituto Fernando Braudel, que tem desenvolvido estudos sobre o tema.
Na outra ponta, o governo federal instituiu em 2004 a Política Nacional de juventude e criou uma secretaria específica para a área. A partir daí, uma série de políticas públicas voltadas especificamente para a população jovem têm sido implementadas, como programas de treinamento profissional para estudantes fora de seu horário de aula, apoio financeiro a Estados e municípios para a viabilização de reformas curriculares, até bolsas para incentivar a prática de esportes por parte de atletas com bom potencial esportivo, entre outras.
"É preciso reconhecer que o Brasil tem uma dívida com seus jovens. Não uma dívida de governo e sim uma dívida de Estado. São 4,5 milhões de jovens desempregados, fora da escola. Para reabsorvê-los socialmente existe a necessidade de uma combinação entre trabalho, desenvolvimento humano e educação", afirma o secretário nacional de juventude, Beto Cury.
Segundo Wendy Cunighan, coordenadora da pesquisa "Jovens em Situação de Risco", o que não é despendido na formação onera a segurança pública e o sistema de saúde. "A falta de mais recursos para esta parcela da população não afeta só o mercado de trabalho."
Com uma economia global em transição e novos atores surgindo no cenário internacional com disposição para ocupar espaços significativos do mercado mundial, o Brasil corre um risco de ficar para trás por incapacidade de uma expressiva parcela de seu capital humano. Para o professor Waldir Quadros, da Unicamp, as medidas adotadas pelos governos, com programas que envolvem inclusive auxílio financeiro para que jovens possam estudar, são positivas na medida que impedem uma deterioração maior do quadro social, mas não são a solução. "Países como a China, a Coréia e a Índia investiram em educação, mas antes de tudo fizeram com que suas economias crescessem. Se o país não cresce, não traz o jovem. Para resolver o seu passivo social o Brasil precisa crescer no mínimo 7% ao ano."
Publicado originalmente em 11/10, em Valor Econômico (SP) – 11/10