Em 2008, uma série de acontecimentos fez mídia, governos e organizações da sociedade civil voltarem suas atenções para o debate dos fenômenos da imigração e das políticas adotadas por alguns países, notadamente os europeus, em relação a essa população
O estopim da discussão deu-se com a divulgação dos constrangimentos sofridos pela brasileira estudante de pós-graduação Patrícia Camargo Magalhães, de 23 anos, que ficou presa por três dias em fevereiro num aeroporto da Espanha, onde tentava fazer uma conexão para participar de um congresso científico que acontecia em Portugal. A jovem denunciou atitudes truculentas das autoridades espanholas e partilhou a sensação de que tais atitudes revelavam um preconceito contra latino-americanos, especialmente as mulheres que, invariavelmente, são associadas à prostituição. Outros brasileiros também saíram do anonimato para denunciar as mesmas atitudes desrespeitosas. No calor das notícias, em clima de revide, espanhóis foram barrados pela polícia federal em aeroportos brasileiros.
Para botar lenha na fogueira, o Parlamento Europeu aprovou uma "Diretiva de Retorno" para a deportação de imigrantes ilegais, que, entre outras medidas, prevê a retenção de estrangeiros, mesmo os menores de idade, em situação irregular por até 18 meses. Um mês depois, até o Papa Bento XVI entrou numa campanha contra a imigração ilegal, dizendo que, apesar de ela ter movido a história da humanidade, “acabou se transformando em uma crise”; aconselhou os governantes de países de onde saem os imigrantes a agirem com “responsabilidade”, e os demais, com “solidariedade”; e convocou os próprios imigrantes a pensar no valor de suas vidas, “um bem único”, que deve ser protegido (ficando em seus paises?). Mais uma vez, os latino-americanos repudiaram a situação – e agora, não apenas os brasileiros. O Parlamento Latino-americano (Parlatino) entrou em ação contra a nova diretiva, qualificando-a como vergonhosa, e anunciou esforços políticos e diplomáticos para reverter o processo. Organizações da sociedade civil, especialmente aquelas que defendem os direitos das populações imigrantes, lançaram manifestos, abaixo-assinados e outras iniciativas na tentativa de fazer oposição às poderosas manifestações do campo europeu.
Finalizando o rol de eventos recentes, vale mencionar a pitoresca exigência do Reino Unido, noticiada pela edição do jornal O Estado de S. Paulo de 15 de agosto de colocar um policial britânico na imigração do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Ele teria como função treinar as companhias aéreas sobre passaportes e identificação de fraudes e orientar agências de turismo a identificar visitantes indesejáveis, que não se enquadram no perfil de “visitante genuíno” – empresários, turistas e estudantes –, para os quais o país tem as portas (fronteiras) abertas. Ou, então, as notícias cada vez mais comuns em Espanha, Portugal e Itália do aprisionamento de prostitutas e travestis brasileiros, muitas vezes, deportados por falta de documentação ou por se constituírem em vítimas de “máfias de exploração da prostituição e da exploração sexual” etc.
Os acontecimentos descritos acima, parafraseando o presidente Lula, talvez façam sentir o “vento frio da xenofobia” a aclimatar o debate dos países ricos acerca do fenômeno da imigração internacional ou, pelo menos, de políticas que dificultam a utopia de se criar um mundo sem fronteiras, tão em voga na década de 1970. Mas há muitas questões ainda pouco visíveis sobre esse tema: por que as pessoas abandonam seus países e emigram? Quem são as pessoas que emigram? Elas não deveriam abandonar seus países? E o que os governos e as pessoas precisariam fazer para lidar com esse fenômeno?
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, de 29 de junho, Danilo Martuccelli, professor de sociologia na Universidade Lille III, na França, aponta três razões fundamentais que – na atualidade – justificam os fluxos migratórios contemporâneos. São elas: as dificuldades econômicas no país de origem; a perseguição política, sobretudo na África subsaariana; e, por fim, a competitividade do mundo do trabalho, que mobilizaria especialmente as classes médias, inclusive as latino-americanas, a buscar novas oportunidades de emprego ou de educação.
Considerando esses motivos, poderíamos, então, distinguir três tipos básicos de migrantes: os que respondem a demandas de mão-de-obra para trabalhos específicos nos países receptores, e que se caracterizam pelo fato de aceitarem exercer funções subalternas; os que constituem uma elite profissional circulante e internacionalizada; e os refugiados. Contudo, não podemos lê-los como grupos estanques, visto que uma brasileira com diploma de ensino superior pode migrar para trabalhar numa lanchonete qualquer da França, pode desejar níveis mais elevados de formação e vislumbrar outros tipos de inserção profissional.
Outro tópico das ponderações de Martuccelli diz respeito ao fato de que não são os mais pobres, necessariamente, que emigram, mas, sobretudo, os mais frustrados, aqueles que, diante de uma péssima distribuição de riquezas e da falta de oportunidades, se desencantam. De maneira geral, também são jovens, pois são justamente estes que ainda precisam construir uma trajetória, seja no mundo profissional seja no educativo e, nessa mirada, podem se frustrar diante das impossibilidades de realizar seus projetos.
Tal discussão ainda é pouco visível no debate brasileiro, especialmente nos espaços (inclusive acadêmicos) de discussão sobre juventude ou sobre políticas públicas para essa população, mas organizações internacionais já chamam a atenção para esse fato. Exemplo disso é o documento organizado pela Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), órgão vinculado à ONU que, para situar a discussão sobre a situação da juventude na região, dedicou um capítulo especial ao tema das migrações internacionais.
Nesse documento, constata-se o óbvio: o custo para o deslocamento e a residência no exterior, especialmente nos países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos é altíssimo. Assim, há jovens que, com fundos próprios ou familiares, têm o direito de viajar para estudar, aperfeiçoar-se tecnicamente, buscar oportunidades de trabalho em um mundo globalizado. E há outros que, com parcos recursos, tentam as mesmas oportunidades, talvez numa ordem inversa, em que primeiro aparece qualquer trabalho, forçando, por baixo, incluir-se também nesse universo de possibilidades, muitas vezes, de maneira ilegal, no contato com grupos também ilegais, o que os deixa mais suscetíveis a diferentes formas de exploração e condições de vida que afetam seus direitos fundamentais.
O que fazer? A respeito disso, o presidente da República deu o seu pitaco para solucionar o impasse: "Não é proibindo os pobres de irem para a Europa, é ajudando a desenvolver os países pobres; por isso, falamos tanto na construção de parceria com os países do Terceiro Mundo para produzir etanol e biodiesel". Ok! De fato, o desenvolvimento econômico do país pode dar uma contribuição para o deslocamento da questão. Mas, como afirma a pesquisadora Angelina Peralva, em um mundo onde tudo circula e onde uma grande parte da vida econômica se baseia no comércio e na circulação, é pouco provável que políticas de desenvolvimento, implementadas nos países que delas necessitam, venham constituir um freio à mobilidade.
* Mestranda em educação, assessora do Programa Juventude da ONG Ação Educativa e integrante do Fórum Cone-Sul de Mulheres Jovens Políticas (Forito).
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