VALOR ECONÔMICO – RJ – 6/11
Olhando desde a perspectiva da economia, o filme "Tropa de Elite" persegue uma visão de demanda de drogas (do poder regulador, os policiais), da mesma forma que o "Cidade de Deus" mergulhou na visão da oferta de drogas dos próprios traficantes
É da procura de drogas no varejo que tratamos inicialmente aqui, usando como instrumento a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2003 do IBGE. Dado o número esperado de não-respostas relativas ao consumo de drogas entre os 182 mil entrevistados, o dado deve ser interpretado como resultado da interação das despesas com drogas e a propensão a declará-la. O evento conjunto da declaração de consumo de droga demonstra uma ilegalidade assumida. O perfil do consumidor declarado de drogas é de um jovem homem solteiro: 86% tem entre 10 e 29 anos. Em sua grande maioria são homens brancos (85%) e pertencentes à classe A (62%, contra 5,8% da população). Também de forma consistente com as imagens do filme, 30% freqüentam a universidade, contra 4% da população. Há duas exceções do quadro de elite econômica simbólicas do universo das drogas: o atraso de contas, como aluguel e prestação, e também a maior percepção de problemas de violência próxima às moradias do consumidor declarado de drogas - 64% moram em vizinhanças com problemas de violência, contra 28% da população. Em geral, a elite, pela liberdade econômica que dispõe, habita menos áreas violentas.
Assim como no caso dos consumidores de drogas, o perfil da vítima de acidente de trânsito e do presidiário é um jovem homem solteiro. A diferença é que na última categoria estão os rapazes de baixa renda e, nas duas primeiras, os de alta renda. Os hormônios dos rapazes não têm classe social, só o tipo de manifestação deles. A reação da sociedade é que muda. Senão, vejamos.
O perfil do presidiário brasileiro é um rapaz (96% são homens e 52% tem entre 20 e 29 anos), solteiro (79%), com alguma, mas não muita escolaridade (21% com 8 anos ou mais de estudo). A probabilidade do indivíduo com todas as características adversas estar na condição de presidiário é de 0,69%. Se este indivíduo de risco máximo fosse mulher, a probabilidade cairia para 0,14%. Ou seja, em matéria de determinantes de criminalidade, o sexo é fundamental.
Os Estados, pelo acúmulo de atribuições constitucionais, podem ser considerados como entes federativos responsáveis últimos pela Juventude .
Além do perfil dos mortos em acidentes de trânsito, utilizamos a introdução do novo Código Brasileiro de Trânsito, a partir de janeiro de 1998, como laboratório para estudar os efeitos de mudanças na legislação e nas penalidades associadas sobre comportamentos. Homens estão mais expostos aos acidentes por se deslocarem mais ao trabalho, mas são menos sensíveis a leis de trânsito mais rígidas que as mulheres. Verificamos que o novo código reduziu significativamente as mortes de trânsito no Brasil em pelo menos 5,8%, caindo duas vezes mais para elas do que para eles.
A Juventude é aquela fase da vida algo intermediária, marcada por tons de cinza, situada na transição da criança para o mundo adulto, idealmente do estudo ao trabalho. Os resultados encontrados mostram gradações diferentes de problemas entre rapazes e moças. Os personagens principais dos dramas são jovens homens solteiros, o que sugere a ampliação de políticas completamente diferenciadas não só por idade, como também por sexo. A magnitude de cada um dos problemas muda de acordo com a classe social dos rapazes. Prisões dizem respeito a rapazes pobres, enquanto acidentes de trânsito fatais e gastos com drogas dizem respeito a rapazes de elite. Ações para rapazes, esta é a carência.
Não está escrito em nenhum lugar de nossa Constituição, mas os Estados são os principais guardiões da Juventude brasileira. Da mesma forma que municípios cuidam de interesses infantis, aí incluindo vacinação e ensino fundamental, e o governo federal cuida da Previdência Social e das pessoas com deficiência, questões tipicamente associadas à terceira idade. Os Estados, pelo acúmulo de atribuições, podem ser considerados tutores últimos dos nossos jovens. Começando pela educação (ensino médio), indo para áreas-problema que têm a cara do jovem brasileiro, como segurança (violência e drogas) e trânsito (acidentes). Verificamos que todas estas são responsabilidades constitucionais dos Estados como entes federativos.
Medidas-padrão de desenvolvimento humano, como expectativa de vida, freqüência escolar e renda, entre outras que têm evoluído para a população em geral, apresentam trajetórias diversas no caso dos jovens. Violência, desemprego e acidentes de trânsito que povoam o dia-a-dia dos noticiários são áreas onde temos claramente evoluído enquanto sociedade. Discutimos alguns aspectos obscuros deste trajeto, como o uso de drogas, a vida nas prisões e a morte nos acidentes de trânsito, usando como farol as pesquisas domiciliares e buscando nortes às ações do Estado, ou como argumentamos aqui, dos Estados.
Os jovens são um verdadeiro mistério, não só aos olhos do Estado e dos seus pais, como provavelmente para eles mesmos. Talvez como consequência desta dificuldade, nos últimos anos houve um relativo insucesso de iniciativas voltadas a este público, como os programas Primeiro Emprego e o Soldado Cidadão - embora hajam novas iniciativas mais promissoras, como a recém-anunciada extensão da idade máxima de receber o Bolsa Família dos 15 aos 17 anos de idade (com recebimento direto pelo jovem e não pela sua mãe), a extensão do Fundef para o Fundeb (que incorpora a oferta de recursos para o Ensino Médio) e, finalmente, o Prouni (que otimiza o uso de renúncias fiscais previamente incorridas em universidade privadas).
O Brasil tem mania de impor leis nacionais e não testá-las no nível estadual, ao contrário dos EUA, por exemplo. Como resultado, erramos muito em escala nacional e aprendemos muito pouco com os nossos erros e acertos. Neste aspecto, defendemos a concessão de maior liberdade para os Estados fixarem as suas leis em áreas onde a diversidade seja grande entre unidades da federação e o conhecimento escasso. A concessão de maior liberdade às unidades da federação de fixarem parâmetros das leis permite não só uma melhor adequação às especificidades locais, como também fornece laboratórios úteis à análise dos determinantes de área-problemas, particularmente úteis em temas obscuros associados a Juventude (vide www3.fgv.br/ibrecps/EDJ/index.htm ).
Marcelo Côrtes Neri, é chefe do Centro de Políticas Sociais do IBRE/FGV