São Paulo, domingo, 10 de junho de 2007 - Folha de S.Paulo/Ilustrada
Permite-se tudo, desde que, no final, qualquer traço de rebeldia real seja apaziguado
O CLIMA é de luto entre os fãs de seriados: foi ao ar nesta semana o último episódio da última temporada de "Gilmore Girls". Juntando com o final de "The O.C.", algumas semanas atrás, isso significa que está vago o lugar do seriado adolescente.
Os requisitos básicos são os mesmos desde "Dawsons Creek". Em primeiro lugar, é preciso ser o mais cool possível: gente linda e "perfeita", roupas legais, referências espertas à cultura pop, um tantinho de neurose em grau suficiente para tornar tramas e diálogos atraentes e divertidos... Em segundo lugar, há que ser, por mais tortuoso que o percurso até lá queira parecer, profundamente moral.
Funciona assim: ao mesmo tempo em que exibem modelos moderninhos, inclusive de comportamento, no final reitera-se a centralidade da família (ainda que tenha que se admitir famílias não tradicionais), os valores competitivos nos estudos e no trabalho e, sobretudo, a alegria do conformismo.
Permite-se tudo, desde que, no final, qualquer traço de rebeldia real, de angústia verdadeira e de experimentação existencial autêntica seja devidamente apaziguado.
"Gilmore Girls" era uma espécie de achado, porque era um seriado com duas protagonistas "adolescentes": uma no papel de filha e outra no de mãe. Ou seja, Lorelai engravida na adolescência e, com 30 e poucos, é uma mãe de uma adolescente; Rory é a filha muito madura dessa mãe muito jovem.
Em outras palavras, dois tipos contemporâneos típicos: jovens amadurecidos a fórceps e adultos eternamente presos à sua juventude. À esperteza sociológica do argumento, some-se que, de cara, há um erro -o de ter se tornado mãe ainda adolescente- a reparar e um -o de impedir, a todo custo, que a filha siga o mesmo caminho- a evitar. Para um projeto moralista, nada mais apropriado.
Todo o seriado consistia nessa tensão, da adequação dos que, em algum momento, parecem inadequados. A jovem mãe prova aos pais que, apesar do erro de juventude, é capaz de ser uma empresária de sucesso (e regular a sexualidade da filha), e a doce Rory, cerebral e sensível, é um modelo de aluna, filha, neta, amiga, namorada etc.
O pulo do gato é operar essas trajetórias, no fundo exemplares, como se fossem críticas e não convencionais. Em "Gilmore Girls" isso se fazia com diálogos muito ágeis e espertos -mãe e filha tinham quase que uma linguagem própria- e um timing cômico invejável.