por Cecília Goulart
É no mínimo caluniosa a referência que a Secretária de Educação do Município do Rio de Janeiro tem, reiteradamente, feito ao trabalho realizado em outras gestões da Educação neste Município. Sua atuação como administradora tecnicista despreza a história e a cultura do trabalho nas escolas da cidade e nas administrações anteriores, desprezando também a dignidade da população do Rio de Janeiro, principalmente de professores e alunos. A Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro tem uma história de luta e trabalho. Para ilustrar o passado mais recente, desde o processo de abertura política, em meados da década de 1980, foram criados na rede municipal, entre muitos documentos produzidos e discutidos por professores, a proposta curricular conhecida como Livro Azul, em 1990 (Gestão Prof. Moacir de Goes), e a proposta MultiEducação (Gestão Prof. Regina de Assis), em 1996, entre outras. Nenhuma delas é unanimidade, não é disso que tratamos. Todas, entretanto, definem uma política educacional séria, fundamentada e respaldada por professores, considerando as peculiaridades e necessidades sociais do município. Não são materiais comprados no atacado do mercado para serem impostos a professores e alunos, negando seus conhecimentos e do mesmo modo conhecimentos científicos que vêm sendo desenvolvidos há décadas.
A complexidade que envolve a ação de educar na escola exige que saiamos das soluções fáceis e rasteiras, ações mínimas, para refletir sobre os muitos fatores ali atuantes. Não é para nos imobilizar, mas para provocar profundas discussões com todos os segmentos envolvidos nas escolas e gerar ações contextualizadas e condizentes com as situações encontradas. Administrar uma rede de escolas públicas não é administrar uma rede de supermercados ou de pizzarias. Estamos formando crianças, jovens, pessoas, cidadãos; não estamos produzindo pizzas em série, para serem entregues em tempo mínimo. O que está em jogo é a educação pública que passou a ser tratada pela Secretaria Municipal como mercadoria de segunda classe, a velha história tem sido reacendida: “escola para classes populares, para pobres, não se precisa pensar e investir muito, aplica-se a velha receita, se eles não aprendem é porque não tem condições mesmo. Problema deles”. Não se discutem princípios filosóficos, educacionais e metodológicos, discute-se se o texto da Chaninha é ou não apropriado para as crianças.
A educação realizada pela atual Secretária está preocupada com a função policialesca: punir, controlar, impedir. A ação policial se sobrepõe à ação educativa. A ordem, à justiça. Respeito, disciplina e bons princípios de convivência e civilidade se constroem coletivamente, orientados pelo próprio sentido que as instituições, e o trabalho que nelas se realiza, devem ter para alunos e professores. Quais são os valores a preservar? Valores de quem, para quem? Da mesma forma como se podam árvores, podam-se pessoas, retirando-lhes seu poder de decidir, retirando-lhes livros de qualidade, retirando-lhes espaços culturais e muito mais. A atual Secretária de Educação, administradora especializada em Reformas, parece dar um caráter de reformatório às escolas. Ao compreender dificuldades que crianças e professores têm vivido para aprender e ensinar como problemas de classe, social e profissional, respectivamente, e como deficiência de vários tipos, oblitera aspectos contextuais, políticos, teóricos, todos afetos à definição de políticas educacionais consistentes. Não há uma proposta da atual Secretaria, há uma dispersão de ações, agenciadas na tentativa de resolver problemas, deixando-se perder a totalidade – a quem interessa isso? Quem sai ganhando?
O sentido humano da prática educacional tem sido substituído pelo sentido utilitário em que avaliações apequenadas dos conhecimentos dos alunos é que mandam. São elas que determinam ações e constroem “a” realidade educacional do Município do Rio. Esqueceram que em cada aluno existe uma criança, um jovem, um adulto, que vive, tem conhecimentos, desejos e esperanças de transformar a realidade, de mudar. A hora é grave. “Choram Marias e Clarisses...”
Cecília Goulart é professora aposentada da Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro e professora da Faculdade de Educação da UFF
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Publicado em 07.05.2010 na Revista Caros Amigos