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Maioridade penal: Uma medida que diminui o crime ou não?

Congresso se divide sobre projetos de redução

Sempre cheio de contradições e opiniões divergentes, o debate sobre a redução da maioridade penal segue sem vencedores e vencidos. Seus defensores crêem que a redução poderá diminuir a criminalidade, através de punições mais severas. Mas seus detratores afiançam que cada vez mais jovens vão entrar para o mundo crime
Atualmente, apenas no Senado tramitam sete propostas que visam reduzir a maioridade penal para 16 anos. Dessas, seis estão prontas para serem votadas no plenário a qualquer momento

Para o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), autor de uma das propostas que tramitam na Casa, é preciso que se estabeleçam regras mais duras. Propõe uma alternativa intermediária, pois não é favorável que os adolescentes tenham o mesmo tratamento que os adultos. Mas acha que a punição deve ser diferenciada para os que têm até 15 anos. "Proponho a aplicação de regras mais duras, reconhecendo, contudo, que nessa idade não há totalmente a personalidade formada", defende. Azeredo propõe que entre 16 e 18 anos, os jovens criminosos sejam internados em entidades diferenciadas dos demais adolescentes, mas que não fiquem em prisões e cadeias comuns com bandidos adultos.

Por sua vez, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) se posiciona totalmente favorável à redução da imputabilidade para os 16 anos, sob as condições propostas por Azeredo. Contudo, para Demóstenes, a pessoa a ser punida tem saber o que está fazendo. Ele acredita que para sofrer penas mais duras, o jovem infrator deva ser examinado por uma banca formada por psicólogos, médicos e outros profissionais que possam definir se a idade mental é equivalente à idade física. Apenas em casos hediondos é que Demóstenes defende o endurecimento das penas. Ele sugere ainda estabelecimentos diferenciados, como proposto por Azeredo.

Já o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) acredita que punir os jovens infratores a partir dos 16 anos é maneira de "desistimular o crime". Defende que esses jovens são usados para acobertar bandidos de alta periculosidade. "A exemplo de outros países, o Brasil deve reduzir (a maioridade penal)", propõe. Para Dias, essa alternativa não exclui as medidas de prevenção, que devem ser concomitantes. "Na relação custo-benefício, eu fico com a mudança", defende. Dias acredita que a proposta tem grandes chances de ser aprovada.

Principal defensora da tese de que a redução da maioridade penal não reduz a criminalidade, a senadora Patrícia Saboya (PSB-CE) se classifica como uma radical no assunto. Para ela, essa alternativa está longe de ser a solução para a violência e culpa a falta de políticas públicas que efetivamente combatam a criminalidade. A senadora acredita que, com a redução, cada vez mais crianças serão utilizadas por adultos nos crimes. Ela afirma que caso essas propostas sejam aprovadas apenas, os adolescentes das classes mais baixas são os buchas de canhão dos grandes bandidos. "Os pobres é que irão para a cadeia ficar ao lado de criminosos, em vez de serem ressocializados. Os adolescentes das classes mais altas têm dinheiro para pagar advogado e se livrar da prisão". A senadora também afirma que, segundo estatísticas, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente é condizente com as políticas públicas, a reincidência dos jovens no crime é de apenas 0,02%. De acordo com a parlamentar, não há comprovação científica de que aos 16 anos o jovem possa ser responsabilizado por seus atos da mesma forma que é aos 18 anos, quando a personalidade está formada.

O senador José Nery (PPS-PA) também discorda da redução da maioridade penal para 16 anos. Segundo o parlamentar, menos de 8% dos crimes envolvem jovens e adolescentes. Nery acredita que a garantia dos direitos básicos de cidania é que podem reduzir a alta criminalidade. "Apenas transferimos para a esfera policial e judicial a solução do problema", afirma. O senador acredita que as desigualdades sociais é que são os principais responsáveis pelo aumento da violência. "A miséria que campeia a periferia das grandes cidades e no interior do País acaba levando as pessoas a se envolver na criminalidade".

Defendendo a aplicação – de fato – das diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) também discorda da imputabilidade penal a partir dos 16 anos. Suplicy acredita que é através da educação e da garantia dos direitos a "todos os meninos e meninas" é que se pode realmente diminuir os altos índices de criminalidade.(APS) 

O professor Pedro Paulo Castelo Branco, da Universidade de Brasília e especialista em Direito Penal, se posiciona favorável a redução da imputabilidade penal para 16 anos. Segundo ele, quando o Código Penal foi instituído, nos anos 40, a maturidade do jovem não era como hoje. Entre os fatores apontados por ele, estão os avanços tecnológicos que seguiram a partir da Segunda Guerra Mundial. "Um menino de 16 anos hoje sabe mais coisas que um homem de 25 anos da década de 40", compara o professor, que aponta a televisão e a Internet como um dos grandes responsáveis pela mudança.

Por sua vez, o jurista Yves Gandra da Silva Martins acredita que se um jovem aos 16 anos tem capacidade para votar e eleger seus representantes, também tem a capacidade para responder criminalmente por seus atos. Contudo, o jurista afirma que, constitucionalmente, a redução não pode ser feita. "É uma cláusula pétrea. Os direitos e garantias adquiridos não podem ser modificados. Foi um erro da Constituinte", criticou.

Já a presidente do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão ligado à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Maria Luiza Moura Oliveira afirma que a redução não é a solução para a diminuição da criminalidade. Diz que essa prática é predominantemente de adultos e que culpar a não punição dos jovens é desculpa para ocultar o não cumprimento das políticas públicas. "A situação cresce ligada a outros fatores que não o endurecimento da pena. São elementos mais localizados que vão além da redução da maior idade penal". Segundo Maria Luiza, com a experiência de outros países que adotaram a redução, pôde-se comprovar que o endurecimento não modificou a situação. E defende que a solução mais viável é efetivar o que já está no Estatuto da Criança e do Adolescente. "È lamentável que tenhamos que delegar à juventude a incapacidade que temos", desabafou.

Criado em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como punição máxima para um jovem infrator três anos de reclusão. Os jovens entre 12 e 18 anos – período considerado pelo Estatuto como adolescência – devem ser internados em entidades exclusivas para adolescentes e obedecendo a rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Contudo, já que a intenção é reabilitar esse jovem, as atividades pedagógicas são obrigatórias. Outras medidas sócioeducativas também são previstas, tais como advertência, obrigação de reparar o dano causado, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e inserção em regime de semi-liberdade.

Publicado originalmente em: 23/03/2008
Pelo Jornal de Brasília, por  Ana Paula Siqueira.