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Juventude sem emprego

Em entrevista ao Instituto Souza Cruz, o professor Paulo Carrano aponta as principais dificuldades dos jovens na busca pelo emprego, e sugere que posições a juventude pode adotar frente a um mercado sem vagas

Logo após o Dia Mundial da Juventude (30 de abril), segue o Dia do Trabalho (1º de maio). A proximidade entre jovens e emprego, porém, tem se limitado apenas ao calendário, e as efemérides não inspiram comemorações. Um levantamento recente feito pelo economista Márcio Pochmann, do Centro de Estudos de Economia Sindical e do Trabalho, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), revelou que o número de desempregados entre 15 e 24 anos duplicou em dez anos. Mesmo tempo em que os governos federais vêm desenvolvendo políticas públicas para favorecer o ingresso do jovem no mercado de trabalho.

Coordenador do Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro titular do Conselho Nacional de Juventude, o professor Paulo Carrano acredita que esta aparente “incongruência” se deve à inadequação das políticas governamentais. “Ainda que os jovens entre 16 e 18 anos pressionem o mercado de trabalho em busca de ocupação, as políticas a eles destinadas deveriam ser aquelas que possibilitassem a conclusão da escolaridade básica, ou seja, a conclusão do Ensino Médio. Todas as pesquisas demonstram que a conclusão do Ensino Médio é a melhor maneira de se aumentar as chances do jovem conquistar espaço no mercado de trabalho”, ressalta.

Em entrevista ao Instituto Souza Cruz, o professor Paulo Carrano aponta as principais dificuldades dos jovens na busca pelo emprego, e sugere que posições a juventude pode adotar frente a um mercado sem vagas.

Um levantamento feito pelo economista Márcio Pochmann, da Unicamp, revelou que o número de desempregados de 15 a 24 anos duplicou em 10 anos, apesar das políticas públicas para melhorar as condições de ingresso no mercado de trabalho. A que o senhor atribui esse forte crescimento?

De fato, ao longo dos últimos anos tem crescido a taxa de participação  dos jovens no mercado de trabalho, quer seja como ocupados ou como jovens que procuram empregos e não conseguem (desempregados). Os jovens, cada vez mais cedo, pressionam os mercados de trabalho em busca de ocupação. Evidentemente, a debilidade orçamentária das famílias, que não conseguem manter os jovens num estado de “moratória social” que lhes possibilite concluir a educação básica, é um dos fatores determinantes para o aumento da pressão por vagas no mercado de trabalho. Entretanto, precisamos considerar que conseguir trabalho e rendimento faz parte do jogo de busca por autonomia que os jovens jogam com as instituições – principalmente a instituição família. A pressão dos mercados de consumo e a demanda por lazeres também são elementos que precisam ser levados em consideração na análise desta relação entre emprego, desemprego e inatividade dos jovens. Sobre o papel das políticas públicas para o ingresso no primeiro emprego ou mesmo no auxílio para que estes se mantenham na condição de estudante, pode-se dizer que elas foram muito pouco significativas nestes últimos dez anos.

Quais são as principais dificuldades enfrentadas?

A situação do trabalho dos jovens é uma das dimensões do quadro estrutural contemporâneo das economias capitalistas. Em todo o mundo, a crescente automação provocada pelas inovações tecnológicas nos diferentes setores da economia diminuiu e extinguiu postos de trabalho. No caso brasileiro, as tímidas taxas nacionais de crescimento econômico são produtoras de um fenômeno de retração de oportunidades de trabalho para todas as idades. Neste quadro produtor de excesso de mão de obra para as vagas disponíveis, os jovens em idade de trabalhar saem perdendo para os mais experientes na disputa pelos postos de trabalho. O desemprego é mais incidente sobre a população mais jovem uma vez que estes não contam com a experiência prévia requerida por empregadores e, em grande medida, se lançam ao mercado com baixa escolaridade e sem qualificação profissional adequada. O desemprego não é o mesmo para todos os jovens. As maiores taxas de desemprego juvenil são observadas entre aqueles que têm entre 16 e 17 anos e entre as mulheres jovens. A dificuldade de inserção é mais difícil para os jovens das famílias de baixa renda e os menos escolarizados. Ser mulher e pertencer ao segmento dos jovens pobres e pouco escolarizados é um complicador a mais na hora de conquistar um posto de trabalho. É preciso assinalar, ainda, a diminuição do emprego assalariado ocupado por jovens. Na maioria das vezes em que escutamos falar em diminuição do desemprego juvenil, é porque houve aumento das ocupações não assalariadas, em geral, precárias e com baixa proteção trabalhista e previdenciária. Se, por um lado, não há diferença significativa na taxa de participação entre jovens e a população acima de 25 anos, por outro lado, a taxa de desemprego entre jovens chega a ser mais de duas vezes superior quando comparada à população com mais de 25 anos .  O grande paradoxo desta situação é que são os jovens mais pobres e menos escolarizados que mais dificuldades encontram para a conquista do primeiro emprego. E são exatamente eles os que mais se sentem premidos à busca de trabalho remunerado.

Como você avalia as políticas voltadas para a inserção dos jovens no mercado de trabalho?

Em primeiro lugar, é preciso diferenciar as iniciativas públicas e privadas de favorecimento da inserção no mundo do trabalho para jovens maiores e menores de 18 anos de idade. Ainda que os jovens entre 16 e 18 anos pressionem o mercado de trabalho em busca de ocupação, as políticas a eles destinadas deveriam ser aquelas que possibilitassem a conclusão da escolaridade básica, ou seja, a conclusão do Ensino Médio. Todas as pesquisas demonstram que a conclusão do Ensino Médio é a melhor maneira de se aumentar as chances do jovem conquistar espaço no mercado de trabalho. Os estudos econômicos demonstram que a variável escolaridade é a mais significativa na redução das desigualdades tanto em relação ao acesso ao mercado quanto em relação à disparidade entre os rendimentos recebidos. Por que, então, não avançarmos para a definição de políticas públicas que garantam uma verdadeira universalização de qualidade da escola básica e os recursos sociais mínimos – na forma de transferência de renda diretamente para os jovens – para que estes possam concluir o Ensino Médio na idade adequada? Hoje, cerca de 82% dos jovens de 15 a 17 anos estão na escola (idade considerada ideal para se cursar o Ensino Médio), mas somente 43% cursam este nível do ensino. Em segundo lugar, as políticas públicas de primeiro emprego oscilaram, desde os governos de Fernando Henrique Cardoso até o atual, entre a busca de qualificação profissional apressada para mercados de trabalhos inexistentes e a criação de estratégias de baixa eficácia naquilo que diz respeito à colocação de jovens em postos de trabalho junto às empresas. Parece haver, contudo, uma linha de pensamento que costura as diferentes iniciativas; ou seja, empurrar o jovem pobre para um mercado de postos de trabalho inexistentes. Algo que, em última instância, responsabiliza o jovem pela sua condição de desempregado. Entre 2003, ano que foi criado o Programa Federal do Primeiro Emprego, e 2006, dentre os quase 2,5 milhões de vagas criadas (segundo dados do IPEA/IBGE), os jovens entre 18 e 24 anos ocuparam somente 172 mil novas vagas. Estes dados falam por si só e atestam a ineficácia das políticas de primeiro emprego no Brasil.

Qual a sua opinião sobre as ações de algumas ONGs que têm como objetivo capacitar e inserir jovens no mercado de trabalho?

Ainda que possamos considerar as boas intenções e o esforço solidário das organizações em contribuir para a melhoria das chances de ocupação dos jovens dos setores populares, é possível dizer que na maioria dos casos esbarramos em iniciativas que possuem baixa capacidade de impacto nas reais possibilidades de melhoria das condições de inserção. Especialmente quando as iniciativas são aquelas centradas em cursos de curta duração e dirigidas aos jovens com baixa escolaridade. A verdadeira capacitação é a que possibilita que os jovens alcancem os níveis mais altos de escolaridade e dentro das idades recomendadas para cada uma das séries cursadas nos ensinos fundamental e médio. No Brasil, e não somente, criou-se uma rede paralela de atividades não convencionais de caráter socioeducativo que concorrem com a experiência de escolarização. São práticas educativas não formais desarticuladas dos sistemas escolares, prioritariamente voltadas aos jovens pobres, para os quais se oferece o pacote pedagógico que inclui: a “educação para cidadania”; a profissionalização para o setor de serviços em cursos de pouca duração; e a ilusão da empregabilidade. A crença de que o mercado pode resolver o problema do desemprego juvenil é falsa. Também é falsa a noção de que basta apenas qualificar para tornar o jovem competitivo. Os governos, os mercados e as ONGs criaram o consórcio da ilusão de empregabilidade com seus cursos rápidos e “empregos de faz de conta”, precários e de prazo determinado.

No caminho contrário, qual deveria ser a postura adotada pelos jovens frente a um mercado sem emprego?

Penso que os jovens precisariam encarar a situação sob uma dupla determinação: uma individual e outra coletiva. A questão individual passa pela tomada de consciência de que o fenômeno do emprego e do desemprego é um processo social – e que, portanto, o jovem não é o único responsável por sua dificuldade em conseguir trabalho. O mercado de trabalho é, neste sentido, um jogo de relações do qual participam outros atores; tais como os demais competidores pela vaga, os mercados e o próprio Estado com sua responsabilidade de fiscalização e criação de políticas para a correção das distorções provocadas pela lógica competitiva do mercado. Neste processo de tomada de consciência, o jovem pode vir a perceber que as suas chances de sobrar no mercado, de se inserir precariamente ou de conquistar posições qualificadas dependem também de sua capacidade individual em avançar no processo de escolarização e adquirir habilidades e disposições para o trabalho requeridas pelos mercados.  A dimensão coletiva da tomada de posição dos jovens, por sua vez, passa pela capacidade de organização e o estabelecimento de pautas de ação coletiva que comprometam a sociedade e o estado com a definição de políticas públicas de salvaguarda de seus direitos de educação e inserção qualificada no mundo do trabalho. Foi no sentido da busca coletiva por alternativas que vi a luta e a vitória dos jovens franceses contra a lei do primeiro emprego naquele país. Os jovens foram para as ruas e não aceitaram a lógica, neoliberal e fatalista, de ultra-flexibilização dos contratos de trabalho; não aceitaram o diagnóstico de que precisamos aceitar o fim de empregos formais e duradouros e com garantias trabalhistas. A resposta coletiva dos jovens brasileiros poderia se dar na busca pela garantia de um patamar de renda mínima que os permita enfrentar a lógica da flexibilização das relações de trabalho e o princípio da incerteza que organiza os mercados de trabalho. Não se trata da defesa de nenhum tipo de assistencialismo para jovens pobres; mas da definição de bases econômicas mínimas para que o exercício da cidadania possa ser algo com algum sentido para os sujeitos sociais.

O estímulo ao empreendedorismo é um caminho possível?

O denominado “empreendedorismo” pode ser, sem dúvida, uma alternativa sócio-econômica válida, dependendo do contexto de sua aplicação. Entretanto, parece que está em curso na sociedade brasileira uma campanha ideológica, de cunho liberal, que busca vender o empreendedorismo como “a” alternativa para a superação dos problemas relacionados com o desemprego juvenil. Ao deixar de ser possibilidade que pode surtir efeitos positivos em contextos bem precisos para se transformar em panacéia centrada no individualismo e nos negócios como molas propulsoras do social, o empreendedorismo assume ares de mistificação econômica e educativa – e, por isso, deve ser criticado desde uma perspectiva não capitalista. Aliás, é preciso dizer que a própria prática social tem sido capaz de fazer a crítica ao individualismo dos negócios como saída exclusiva ao desemprego juvenil. Jovens que se organizam em cooperativas de trabalhadores ou que buscam o associativismo como estratégia coletiva de geração de renda e sobrevivência demonstram que é possível trilhar outros caminhos para o mundo do trabalho e da produção. A idéia de formação do “cidadão empreendedor” tem sido também associada aos currículos escolares. Do meu ponto de vista, isso tende a fazer da escola apenas um meio de acesso ao mercado de trabalho, destituindo-a de sua função superior de ser espaço cultural público de formação humana.

Leia o estudo "A ocupação dos jovens nos mercados de trabalho metropolitanos".

Publicado originalmente no Instituto Souza Cruz - 11/05/2007