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Juventude em busca de sentido e função da escola

 Na contramão das equivocadas perspectivas acerca do universo escolar e, por conseqüência, da juventude brasileira é que se posiciona a abordagem do documentário “Pro dia nascer feliz”. Ou seja, um alívio para os olhos e ouvidos de quem está farto de ver e ouvir estes elementos representados de forma tão esvaziada de senso crítico pela mídia, na maioria das vezes

De fato, pouco se fala de maneira comprometida sobre a situação da educação no país e, menos ainda, da condição do jovem. Além destes aspectos, o documentário diferencia-se mais ainda por mirar tal contexto sob a óptica do próprio jovem, pois é nele que encontramos importantes subsídios para esta análise.

É interessante pontuar, inicialmente, quanto à forma com que o jovem se enxerga, uma vez que esta reflexão relaciona-se decisivamente com a constituição da experiência escolar do mesmo. Observa-se que o jovem carrega da sociedade um estigma que não é geral e constante, mas sutil e significante. Estigma este calcado em sensos comuns como o de que todo jovem é irresponsável, desocupado, inconseqüente ou, simplesmente, fútil. Atente-se, então, que tais concepções podem influenciar os jovens, levando-os a se desvalorizarem e não se sentirem sujeitos atuantes, pensantes e questionadores de suas realidades. Temos, então, como ponto de partida a constatação de que, algumas vezes, o próprio jovem se incompreende.

Voltando ao universo escolar, logo no início do filme, certas estatísticas revelam-nos a ineficiência do ensino público. Porém, os números só proporcionam uma análise fria do contexto. O documentário deter-se-á, assim, a revelar o cotidiano escolar mais profundamente. Descortina-se, então, uma conjuntura social bem mais ampla por de trás de toda a situação.

Historicamente ausente no que diz respeito ao desenvolvimento humano, o Estado, comprometido com outros interesses, desampara a escola. Em aspectos físicos e estruturais este desamparo converte o ambiente de forma a influir e prejudicar a aprendizagem. Em contraponto, no outro extremo da situação, as luxuosas instituições particulares parecem distanciar mais ainda os jovens que as freqüentam da realidade e da sociedade, a qual reage com apatia, caracterizando a “bolha” que os frustra.

Porém a situação da escola passa longe de se limitar a aspectos estruturais. Destaca-se que também a qualidade do ensino, o corpo administrativo da escola, os objetivos e as condições da mesma e as relações travadas no seu âmbito são de grande relevância. Para entender estas condições do cotidiano escolar, explorá-las e questioná-las, é preciso antes refletir sobre a dinâmica social que influencia na constituição de tal contexto.

No atual panorama capitalista no qual tudo parece estar sujeito à lógica da mercadoria, a escola também não escapa. Isto se revela no fato de que o ensino toma faces de algo unicamente necessário para a inserção do indivíduo no mercado de trabalho, tornando-os produtivos, geradores de renda e, enfim, consumidores. Em certa passagem do filme, isto fica claro quando um pai afirma que sua filha deve estudar para ser alguém na vida. E, neste caso, ser alguém significa ter um emprego.

Por sua vez, a grande questão está no fato de que, com isto, a sociedade, de forma geral, encara a aprendizagem exclusivamente sob esta óptica em detrimento do conhecimento enquanto ferramenta para a cidadania. Logo para integração, interação e transformação social; e para o indivíduo enquanto eterna busca pela realização dos anseios humanos de compreensão do mundo e enquanto ação sobre ele também. Para longe desta perspectiva da escola com função social e em termos coletivos, caminhamos para o ensino unicamente em prol de objetivos pessoais e individuais, atendendo aos moldes capitalistas de entendimento e visão de mundo.

Desta forma, se o próprio sentido do ensino se descompromete em termos humanos, o ensino também se desumaniza e os jovens em âmbito escolar são entendidos apenas como estudantes. Visão esta errada, pois, para além de alguém que ali se encontra para estudar e absorver os conhecimentos que lhe são passados, lida-se com jovens, o que significa lidar com indivíduos detentores de trajetórias e idéias. Estes, ao se proporem a estudar, não deixam em casa seus medos, anseios, percepções e tudo aquilo que os constitui enquanto jovens.

Se cada um de nós está envolvido com o contexto que nos cerca e que, por sua vez, também nos constitui, tal contexto também acaba sendo ignorado, algumas vezes, sujeito a esta mesma perspectiva. Seja este contexto a realidade familiar do jovem, sua comunidade, enfim, seu universo. Não quer dizer que a escola deva se responsabilizar por estes aspectos, mas, sim, compreendê-los e não ignorar sua existência, consciente de que, ao lidar com o jovem no processo de aprendizagem, estará lidando com tais aspectos. Torna-se, assim, o ensino menos apático e de forma a ecoar no universo do jovem.

O filme mergulha em esferas escolares distintas como, por exemplo, na Região Nordeste, na Periferia de São Paulo e na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, locais onde a realidade econômica e social dos jovens é muito difícil e, no entanto, o conhecimento parece em nenhum sentido transformar e agir sob estes contextos e vidas. A não ser na aquisição dos certificados, que é o passaporte para a oportunidade de inserção, mesmo que precária, no mundo do trabalho. Esta aquisição passa a ter mais valor do que o próprio conhecimento adquirido.

Já os professores apresentam-se pouco preparados para trabalhar em tais circunstâncias, além de realizá-las em péssimas condições. Muitos se abstêm de lidar com isto, construindo, para este fim, o clássico abismo que divide professores e alunos e é regido pela distância proporcionada pela idéia de autoridade. O conhecimento passa a vir de cima para baixo, não sendo compartilhado em um mesmo nível de relações.

A escola é também uma das principais áreas de socialização do jovem. Desta forma, o seu âmbito está sujeito a vários conflitos, bem como os presentes em outros meios sociais. É, por exemplo, o caso da violência (e existem casos relatados no filme quanto a isso). Assim, por mais que a escola busque desvencilhar-se do meio social, ela também constitui um. Isto denuncia ainda mais a irracionalidade do distanciamento do contexto de vida dos alunos adotado, às vezes, pela escola.

Submetidos a mesma lógica mercadológica de ensino para as classes ricas, isto se converte em um ensino opressor, maçante e pouco prazeroso, assunto este abordado no filme pela trajetória de uma adolescente e seus conflitos neste meio. Esta conduta visa garantir o acesso do aluno no nível superior. Em extremo oposto à situação anterior, estes jovens sofrem por estarem cercados de muita expectativa e cobrança. Há uma supervalorização da nota e prova como avaliação e cria-se a falsa impressão de que um ensino de qualidade é um ensino de conteúdo rigorosamente difícil.

Por fim, constatamos pela visão proporcionada pelo documentário, que segue a trajetória de jovens em diferentes pontos do país, que o contexto social e os encaminhamentos que tomam os processos educacionais agregam diferentes concepções do que seja a experiência escolar. Para alguns, só é uma fase que não deixa marcas significativas na formação e/ou aquisição do certificado. Já para outros, é também um período de intenso esforço em um processo estressante e doloroso. Fica, então, a idéia de que, enquanto não se compreender a experiência escolar em termos de formação humana e da necessidade intrínseca de todo o ser em conjugar conhecimentos com os outros e com o mundo, a necessidade de pensar, agir, expressar e manifestar, o poder de transformação da educação não existirá.

Tornar-se-á ausente em uma fase da vida na qual ela é de fundamental importância para a formação de identidade e escolhas. A juventude é um período marcado por conflitos e desencontros nas relações com o mundo e com si próprio, envolvendo, assim, um especial estado de inquietação e compreensão singular da realidade. Infelizmente, muitas vezes esta perspectiva não é enfatizada e segue-se vivendo frente a contextos conturbados na busca de modos para que o dia possa nascer feliz.   

*Aluna do terceiro ano do ensino médio técnico de enfermagem do CEFET-RJ  - Unidade de Educação Descentralizada de Nova Iguaçu Lília Maria Silva Macêdo.

*O artigo foi encaminhado para o Observatório Jovem no mês de novembro.