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A Juventude e a Nova constituição Boliviana

Durante os dias 26, 27 e 28 de março, jovens de organizações sociais de sete dos nove estados da Bolívia estavam reunidos em Sucre para elaborar e entregar propostas  à Assembléia Constituinte. Em Sucre, residem 61.656 jovens com idade entre 15 e 24 anos. De uma parcela dessa juventude pretendeu se aproximar essa aprendiz de repórter diretamente de Sucre para o Observatório Jovem

Se solicita guerreiros. Menos camisetas e mais revolução!!! Nada é fácil”

Com essas palavras projetadas na tela branca acompanhadas de fotos de Che Guevara e do fundador do Partido Socialista na Bolivia Marcelo Quiroga Santa Cruz um jovem iniciou a apresentação de propostas surgidas do Segundo Ampliado Nacional de Juventude das Organizaçoes Sociais do Campo e da Cidade.

Durante os dias 26, 27 e 28 de março, jovens de organizações sociais de sete dos nove estados da Bolivia estavam reunidos em Sucre para elaborarem e entregarem propostas  à Assembléia Constituinte. Muitos dos presentes em Sucre participaram no final de semana anterior de um outro encontro, dessa vez em Cochabamba, da juventude do Partido Movimiento ao Socialismo (MAS), partido do presidente da Bolivia Evo Morales.

Entre as propostas aprovadas, foi ratificada a demanda do voto aos 16 anos, a possibilidade de ser eleito aos 18 e a expansão do ensino superior para as áreas rurais. “Temos que garantir também saúde, trabalho, educação e terra para a juventude. Se não garantimos isso estamos usando os jovens para ganhar eleições. É um mero fazer a juventude pensar que é útil se apenas conseguimos que seja aprovado o voto aos 16 anos”, critica o jovem Edgar Choque, do Movimiento Che Guevara.

Ao final do evento, as propostas foram entregues à constituinte Maria Oporto (MAS), que se comprometeu com a juventude presente. “Eu vos asseguro que nós, constituintes jovens, nos comprometemos a fazer prevalecer essas propostas. São as melhores que chegaram até hoje. Eu acredito que estão saindo realmente dos jovens mais revolucionários do país”, diz.

Muitos presentes ressaltaram que é necessário que se faça uma mudança profunda na economia do país para que se garanta as demandas da juventude. Foram elaboradas também propostas de visão de país como a recuperação do controle total do estado sobre os recursos renováveis e nao renováveis.  As demandas específicas incluíram a criação de um Ministério de Juventude,  a criação de centros de reabilitação para jovens usuários de drogas e “imersos na deliqüência e prostituição”, garantia de primeiro emprego, entre outras.

Depois da coletiva de imprensa para a apresentação das propostas, novamente se abriu a discussão e outras propostas surgiram. A garantia de direitos sexuais reprodutivos foi uma das demandas apresentadas depois da sistematização. O tema gerou polêmica. “Se nos consideramos realmente revolucionários não podemos permitir o aborto”, rechaça um jovem. “A sexualidade é um tema mais amplo, que tem a ver também com a saúde. Sabemos que todos os dias morrem jovens mulheres em tentativas de aborto”, responde uma jovem.

A mesa diretiva do encontro encontrou uma saída para as propostas surgidas depois da sistematização. Serão discutidas em um novo ampliado de jovens que será realizado na segunda quinzena de Abril.

Nova Constituição Boliviana. E a juventude?

 A atual Constituição da Bolívia data de 1967 e foi revista em 1994.  Está em curso o processo de construção da Nova Constituição Política de Estado (CPE) da Bolívia; de 255 assembleístas responsáveis pelo novo texto, 19 têm idade entre 22 e 28 anos. Sucre, no estado de Chuquisaca,  é a cidade sede da Assembléia Constituinte. Os atuais redatores foram eleitos em suas cidades ou povoados, nos nove estados do país.

 Em Sucre, segundo dados de 2006 do Instituto Nacional de Estadísticas (INE) da Bolívia, residem 61.656 jovens com idade entre 15 e 24 anos. De uma parcela dessa juventude pretendeu se aproximar essa aprendiz de repórter diretamente de Sucre para o Observatório Jovem. Realizamos, em março de 2007, sondagem de opinião na cidade com 382 estudantes secundaristas e universitários. As respostas mostraram que a grande maioria (37%) dos entrevistados não acredita que a juventude está representada na Assembléia Constituinte, apesar de 87% acreditar que o novo texto vai ser bom, ainda que seja só para uma parte da sociedade boliviana.

 “Na Assembléia Constituinte há muito poucas pessoas jovens. Mas também é, às vezes, contraditório o desejo dos jovens de participar e ter, realmente, a participação efetiva. Eu creio que essa quantidade pequena de jovens também tem a ver com os cenários de atuação que agora priorizam a juventude e que não são esses”, comenta a jornalista da Rede Erbol de rádios e ex-militante de movimento de mulheres jovens, Nancy Vacaflor.

 Diferente de outras eleições na Bolivia, a partir de 18 anos se poderia concorrer à função de constituinte. Entretanto, não há assembleístas com idade inferior a 22 anos.

 Os/as jovens entrevistados/as também avaliaram a atuação dos assembleístas e, entre outras questões, responderam o que deveria constar na CPE em benefício da juventude.

 
Jovens constituintes

 Observando as plenárias da Assembléia Constituinte no centenário teatro Gran Mariscal, alguns rostos parecem ter menos traços de idade. O Observatório Jovem foi conversar com alguns destes. A resposta ao pedido de entrevista foi positiva em todos os casos e a oportunidade de expressar as idéias pareceu bem vinda aos assembleístas.

 “Já estamos tomando posições de adultos, mas a juventude deve se sentir representada porque vamos reivindicar os direitos e tudo o que possamos lograr na nova Constituição para que os jovens não sejam discriminados no trabalho, na vida política do Estado, no econômico, porque começar um trabalho para os jovens ainda é muito difícil porque pedem experiência”.

 A declaração é do constituinte Carlos Aparicio Vedia, eleito aos 24 anos. Aparicio é representante do município de Vila Azurduy, onde é presidente da juventude do partido majoritário na assembléia: Movimiento ao Socialismo (MAS).

 Na pergunta sobre que temáticas gostariam de ver incluídas na Constituição, a terceira proposta mais citada  pelos/as jovens foi  ter mais oportunidades de trabalho. A melhoria da educação, com novas escolas públicas, bibliotecas, mais vagas nas universidades e bolsas de ensino, ocupou o primeiro lugar. A segunda proposta mais citada foi a possibilidade de maior participação política da juventude.

 Dos seis jovens constituintes entrevistados, cinco têm com uma das principais propostas para a juventude uma maior participação nas decisões públicas. Diferente do Brasil, onde se pode votar a partir dos 16 anos, aqui na Bolívia o direito ao voto é conquistado aos 18 anos.

  “Temos pleiteado que em nosso país os jovens deveriam votar desde os 16 anos e também ser eleitos desde 18. Porque pleiteamos isso? Porque sabemos que há jovens com grande experiência, que viveram nos campos sindicais e não têm essa possibilidade de serem autoridade pública.”, explica a constituinte Margarita Terán, de 24 anos, eleita pelo estado de Cochabamba e membro do Movimiento Bolivia Livre (MBL).

 Juan Carlos Velarde Melgar, de 26 anos, constituinte eleito pelo município de Guayaramerín e membro do partido Poder Democrático e Social (PODEMOS) endossa a proposta. “A atual Constituição estabelece como requisito 25 anos para ser candidato à deputado, para prefeito, 21, para senador e presidente 35 anos. As pessoas mais velhas legislam os interesses das pessoas mais novas, isso não é coerente porque as pessoas mais velhas têm outros critérios. Então, o que propomos é que na nova Constituição se abaixe a idade, não para ser presidente, mas para ser deputado, prefeito e vereador aos 18 anos.”

  A participação anterior em movimentos sociais de suas regiões e também no movimento  estudantil foi o que possibilitou a chegada de quatro dos seis entrevistados à constituinte. É o caso de Carlos Aparicio Vedia (MAS), Margarita Terán Gonzales (MBL), Marcela Choque Barrionuevo (MAS) e Elisa Vega Sillo (MAS).

 Juan Carlos Velarde Melgar (Podemos) e Catherine Mariaca Jaime do partido Movimiento Nacionalista Revolucionario (MNR) afirmaram terem sido convidados para se candidatarem à Assembléia Constituinte pelos respectivos partidos por não terem participado antes de nenhum tipo de movimento.

 Chama a atenção a história da constituinte Margarita Terán. “Eu comecei como dirigente sindical de uma zona produtora de folha de coca, Xapari, em 97. Estava com 14 anos quando fui eleita dirigente executiva da federação de mulheres. Eu estudava no colégio e aí era presidenta. Com o apoio das organizações sociais, de minha mãe, que não sabe ler nem escrever, e do meu pai que também não sabe, assisti a um congresso e me elegeram como executiva”, conta.

 
 Mais dados da pesquisa

 Entre as oito perguntas respondidas pelos/as jovens, a última se referia à participação coletiva deles e delas. Se por um lado a trajetória de Margarita permite pensar nesse tipo de participação na Bolivia, por outro, a juventude de Sucre mostra que a realidade dos/das jovens também pode ser vista por outro ângulo.

A grande maioria dos/das entrevistados/as (79%) disse não participar de nenhuma espécie de grupo, 20% respondeu afirmativamente e 1% não respondeu. Da porcentagem que afirmou a participação, a maior parte  (37%) faz parte de grupos religiosos, seguida por grupos políticos (23%) e esportivos (22%).

 “Os jovens estão pedindo mais participação, mas não se organizam. Isso é uma grande debilidade que a juventude tem, não ser organizada para conseguir o que quer”, fala a jovem participante do Consórcio Boliviano de Juventudes – Conbojuv, Farida Valdez Torres.

 Outro dado revela que os/as jovens entrevistados/as fazem uma avaliação negativa dos/das assembleístas. Na pergunta dirigida “O que pensa sobre os constituintes?” 71% dos jovens marcou a opção na qual dizia que apenas alguns exercem bem a função para a qual foram eleitos e 19 % a opção nenhum a exerce bem. Os questionários mostraram ainda que uma porcentagem pequena conhece os constituintes jovens, apenas 14%.

 Para a professora do curso de Comunicação Social da Universidade boliviana Universidad Mayor, Real Y Pontificia San Francisco Xavier de Chuquisaca, Carla Garrón, os meios de comunicação têm uma parcela de culpa na imagem que a juventude tem sobre os constituintes e também no desconhecimento deles acerca dos assembleístas jovens .

 “Os meios de comunicação têm muito a ver com essa situação porque às vezes  ressaltam apenas alguns constituintes e os demais estão invisíveis, então passam a imagem de que apenas alguns trabalham”, afirma.

 “Da mesma forma que ressaltam muito os aspectos negativos. Quem são os mediadores entre os constituintes e a população? Sao os meios de comunicação. Lamentavelmente mostram apenas os líderes políticos de sempre, por isso talvez esse desconhecimento sobre os assembleístas jovens”, continua.

Expectativas

 “Sabe me dizer quem foi Marcelo Quiroga Santa Cruz?”. Diante da pergunta sobre o personagem histórico boliviano que dá nome a uma das escolas visitadas,  responde um jovem: “foi um grande líder revolucionário”. Ao falar, estava contente, talvez por Marcelo Quiroga ser admirado por ele, talvez por saber responder à pergunta, ao contrário dos outros colegas que o acompanhavam.

 Apesar da avaliação negativa dos constituintes, os/as jovens têm boa expectativa com relação ao novo texto. 32% marcaram a opção “boa para os bolivianos e bolivianas” e 15% responderam “muito boa para os bolivianos e bolivianas”.

 Uma grande porcentagem, 40%, optou pela resposta “boa apenas para uma parte dos bolivianos e bolivianas”. As outras duas opções “Não vai ser boa para ninguém” e “Não sabe” tiveram respectivamente 7% e 6%.

 Os/as entrevistados/as que responderam a opção “boa apenas para uma parte dos bolivianos e bolivianas” teriam que responder também,  de forma espontânea,  para que parte seria boa a Constituição. Entre as respostas mais citadas estão “para os campesinos” (20%), “para os pobres” (16%) “para os indígenas” (15%) e “para os políticos” (15%).

A Bolivia vive um momento histórico com a construção da Nova Constituição. As políticas do presidente da República Evo Morales, um representante indígena–campesino, como a maioria da população boliviana, gera muita discussão. Há uma valorização, como nunca antes, da cultura campesina e originária. Um grande número de constituintes são do campo e/ ou indígenas, pessoas que antes não estavam nas esferas de decisão. 

 Há posicionamentos diversos em relação ao momento político do país. Não se pode falar em um apoio da juventude ao presidente Evo Morales, tão pouco em um rechaço. De maneira geral, se pode apostar em uma visão mais positiva, com relação ao poder executivo, da maioria dos jovens originários e campesinos, porque acreditam na representatividade do presidente.

 Como mostra a sondagem de opinião, a juventude entrevistada percebe um  direcionamento nas políticas de Evo Morales, como explica Nancy Vacaflor.

 “Os jovens indentificam (sic) claramente que como as políticas de governo estão muito orientadas para os campesinos, para os indígenas, para a classe mais empobrecida, também a Constituição vai responder a essas classes, aos setores excluídos historicamente”, comenta.

Esperança de mudanças

 A enfermeira Elisa Vega (MAS) é a assembleísta mais jovem, com 22 anos. “Queremos que, como vivemos todos em uma mesma Bolívia, que exista igualdade em todos os aspectos, econômicos, sociais, tanto na cidade quanto no campo”, assim responde à pergunta do Observatório Jovem sobre como, para ela, deve ser a Nova Constituição Política de Estado.

 Ao final da entrevista, Elisa disse que queria mandar um recado ao Brasil. “Quero mandar um saúdo à República do Brasil, e dizer que aqui na Bolívia estamos vivendo um processo de mudança e que todas as pessoas que são pobres estão em luta por esse processo para que não seja só aqui, mas em toda a América.”

 Apesar das estatísticas sobre a organização juvenil, o estudante e também participante do Conbojuv, José Manuel Camargo, analisa que a conjuntura atual pode favorecer essa organização. “Eu penso que esse é o momento de reunir os jovens e juntar as necessidades, porque se vamos gritando na rua sozinhos ninguém vai nos escutar, mas se nos unimos e gritamos juntos e o mesmo grito vão nos escutar e vamos conseguir algo”.

 Para concluir, a constituinte Elisa fala também aos jovens. “Aos jovens  eu peço que participem desse processo, começando por Bolivia e terminando por todo o que é centro-america e sudamérica. Que caminhemos! Nós jovens somos o presente de todo o mundo, então, o mundo está em nossas mãos.”.

Está dado o recado, Elisa!

Nota Metodológica

 Os questionários foram respondidos por 382 jovens, entre os dias cinco e onze de março, em seis colégios públicos, um colégio privado, e nas duas universidades da cidade - pública e privada.
 
 Para definir a quantidade de questionários a serem aplicados foi utilizada fórmula para saber o tamanho da mostra quando se conhece o universo sobre o qual se deseja pesquisar. A margem de erro estabelecida foi de 5%. Pelos dados do INE, o universo de jovens pesquisado está dividido em 49,8% pertencente ao sexo feminino e 50,1% ao masculino.
 
 Dessa forma, foram arredondados os valores e metade dos questionários foram respondidos por mulheres e metade por homens, tanto nos colégios quanto nas universidades. 
 
 Também foi respeitada as regiões dos colégios  - quatro centrais incluindo o privado e  três localizados em regiões periféricas da cidade.

Conheça também : INE – www.ine.gov.bo
Sobre a Nova Constituição Boliviana – www.apostamosxbolivia.org
                                                               www.mujeresconstituyentes.org

 Leia a outra matéria do Observatório Jovem relacionada: Trabalhadoras domésticas na Bolívia

*Fred Perez é estudante do 2º ano de Comunicacão Social da Universidade Mayor Real Y Pontificia San Francisco Xavier de Chuquisaca, em Sucre. Também acompanha os trabalhos da Assembléia Constituinte para o canal de televisao TV Católica.

Raquel Júnia é bolsista do Observatório Jovem do Rio de Janeiro/UFF, estudante do Curso de Comunicação Social da UFF e realiza intercâmbio universitário na Universidad Mayor Real Y Pontificia San Francisco Xavier de Chuquisaca, em Sucre, Bolivia.