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Jovens entre controles, escapes e poesia (Estela Scheinvar e Paulo Carrano)

Livro Juventude nas Sombras, de Denise CordeiroPrefácio  do  livro: CORDEIRO, Denise. Juventude nas sombras: escola, trabalho e moradia em territórios de precariedades. Rio de Janeiro: Lamparina/Faperj, 2009, 240p.

“O nômade não é forçosamente alguém que se movimenta: existem viagens no mesmo lugar, viagens em intensidade, e mesmo historicamente os nômades não são aqueles que se mudam à maneira dos migrantes; ao contrário, são aqueles que não mudam, e põem-se a nomadizar para permanecerem no mesmo lugar, escapando dos códigos” (DELEUZE, Pensamento Nômade, em: A Ilha Deserta, p. 327/328).

O livro de Denise Cordeiro é uma experiência nômade. Seu percurso teórico e os deslocamentos produzidos com a sua abordagem desafiam a perspectiva descritiva das pesquisas. Mais que isto. O seu andar pelo lugar escolhido para falar dos jovens e seu processo de escolarização – o Jardim Catarina, município de São Gonçalo (RJ) – revelou-se uma viagem intensa pelos meandros dos espaços e corpos percorridos. Denise inventa outro Catarina, outra escola, outro lugar, outras pessoas:  “o percurso de viajante permitiu a observação dos movimentos oscilantes produzidos pelos jovens nas sombras...”, nos diz a autora. Sombra, obscurecimento, fatalidade naturalizada convertida em potência.

O texto caminha pelo terreno investigado, criando outra cartografia do lugar, dos corpos, das relações. Em seu percurso de andarilha vai construindo trajetórias que surpreendem as próprias vidas pesquisadas, quando circunscritas ao discurso da falta, do erro, do desvio que lhes é atribuído como fundamento para a omissão e a precariedade de serviços que fixam os jovens em guetos.

A forma como são produzidas as relações em que a escola está atravessada é desenhada com o recurso do diário de campo, distanciando-se do registro factual e inscrevendo-se em análises de implicações. A autora e todos os seus interlocutores, das mais diversas ordens, apresentam os seus afetos, os seus sonhos, as suas rotinas e guerras diárias em um texto poético onde os percursos das vidas dos catarinenses são parte entranhável da construção de uma geografia física, sem a qual muitos dos relatos pareceriam caprichos dos habitantes. A articulação das vidas construídas no texto com a geografia também produzida pela pesquisa apresenta um lugar potente, forte, denunciando a sua sistemática desqualificação como uma estratégia fundamental para o controle de seus habitantes.

Os múltiplos sentidos da escola pulsam ao compasso do abandono das pessoas, sempre descartáveis. Alunos, funcionários e professores circulando: o abandono de projetos pela substituição das pessoas – o abandono das pessoas pela mutilação de projetos. O trabalho de professores e alunos deixa de ter sentido criativo e passa a ser rotina, compromisso burocrático, obrigação legal, asfixiante cumprimento de tarefas. A ele orientam-se todas as estratégias para manter trabalhadores e estudantes na escola. Aprisionamento, como frisa o presente livro, que mutila desejos, possibilidades, ao mesmo tempo que produz outros projetos não só distantes da escola, mas apesar dela, dando passo ao entusiasmo em jogos, encontros, experimentações, enfim, que fogem do enquadramento e apresentam a vida como um campo de possibilidades.

Denise Cordeiro escreve um texto destemido, dando vôos para uma vida aprisionada que ameaça por escapar aos controles que a cercam e mutilam e se afirmar com sua presença poética. Bem dizia Mário Quintana: “Nós vivemos a temer o futuro: mas é o passado quem nos atropela e mata”.

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Clique aqui para conhecer o projeto de pesquisa e acessar a tese de doutorado de Denise Cordeiro (1967-2009) que deu origem ao livro.