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Entrevista com Helena Abramo

"Sempre houve a possibilidade de associação entre juventude e uma visão negativa. Talvez pela própria situação, pela própria condição de transição. A pesquisa confirmou que há essa visão, mas demonstrou também a percepção da importância das questões de juventude e a manifestação de simpatia ou de apoio a suas mobilizações", revela Helena Abramo, coordenadora da pesquisa " Juventudes Sul-Americanas: diálogos para a construção da democracia regional". Ela avalia as etapas anteriores e fala à respeito da fase dos Grupos de Diálogo que acaba de ser encerrada

Quais os principais destaques da primeira etapa, os grupos focais?

Os diferentes grupos juvenis investigados na primeira etapa lidam de forma distinta com os próprios temas da juventude. Para alguns grupos, a identidade juvenil está na própria conformação do grupo. Para outros, é um qualificativo a mais, mas não essencial para a definição da identidade. Para outros grupos, ainda aparece como um recurso organizativo, mas não necessariamente constitutivo da conformação.

Por exemplo, o grupo de trabalhadores que se organizam no sindicato. Dentro desse sindicato há um setor juvenil, que aparece muito mais como recurso de organização do que propriamente de identificação no sentido de que há questões que são próprias da juventude ou da juventude trabalhadora que têm que ser tratadas nessa singularidade. Isso certamente tem diferenças, consequências pra saber de que maneira eles lidam com as questões. Nenhum deles se recusou a ser identificado como ator juvenil, mas para alguns isso é constitutivo da sua identidade política, para outros não.

O que seria a segunda grande conclusão dessa etapa tem relação com as demandas juvenis. A gente percebe que a maior parte das questões com as quais os jovens trabalham praticamente está presente em todos os grupos, como educação e trabalho, por exemplo. No entanto, elas são vistas com inflexões diferentes por cada grupo. Há grupos que dizem: 'essas são questões da população inteira e os jovens, assim como os outros cidadãos, empunham essas bandeiras'. E a maioria dos grupos vai dizer que são questões de todos, mas que são vividas, sentidas de modo específico pelos jovens e, portanto, traduzem bandeiras que tenham uma singularidade, um acento próprio da juventude. Há demandas que afetam os jovens, no entanto, podem ou não ser levadas para o público, ser manifestadas publicamente como uma demanda com uma singularidade juvenil.

Você poderia fazer uma análise breve sobre a segunda etapa da pesquisa, a fase quantitativa feita pelo Ibope?

A pesquisa traz, talvez pela primeira vez, a possibilidade de estabelecer um termo de comparação entre a opinião de jovens e adultos a respeito de diversas questões. As mesmas perguntas foram feitas a jovens e adultos e podem nos mostrar em que medida a visão, o posicionamento de jovens se assemelha ou se diferencia de adultos.

O que nós pudemos perceber é que não há grandes diferenças de opinião entre jovens e adultos a respeito de temas polêmicos na sociedade ou a respeito dos temas comportamentais e mesmo dos temas políticos. Ou seja, não é possível dizer que, em termos demográficos ou populacionais, a juventude hoje no Brasil é mais conservadora, progressista ou crítica que os adultos. Também não podemos dizer que isso é uma característica apenas dessa juventude, porque nenhuma pesquisa desse tipo foi feita em outros momentos históricos.

Outra novidade da pesquisa foi o enfoque nas representações sobre a juventude e nas suas demandas. Isso nos trouxe elementos bastante interessantes para perceber que a queixa que os jovens fazem de que há uma visão negativa sobre a juventude se confirma.

Quando se pergunta sobre as características dos jovens em relação aos adultos, a juventude aparece como mais perigosa, mais violenta, menos responsável, menos solidária. Apesar desse ser um traço comum a todos os países, é mais acentuado no Brasil, perdendo apenas para Argentina. Isso é um tema que muitos atores juvenis tem colocado, a necessidade de reverter essa visão. No entanto, é interessante a gente perceber que essa opinião apareceu partilhada por jovens e adultos. O que é uma coisa importante para os grupos pensarem. Essa necessidade de reversão dessa visão não se faz só direcionada aos adultos, mas também aos próprio contemporâneos de geração. Embora a pesquisa tenha revelado como é presente essa visão negativa sobre a juventude, revela também, por parte de jovens e de adultos, a percepção da importância das questões de juventude e a manifestação de simpatia ou de apoio a suas mobilizações e à ideia de que deve haver políticas que atendam aos direitos dos jovens. No mínimo é uma percepção complexa sobre a juventude.

Podemos dizer que essa visão negativa sobre a juventude é histórica?

Sempre houve a possibilidade de associação entre juventude e uma visão negativa. Talvez pela própria situação, pela própria condição de transição, que traz consigo uma série de ambiguidades. É sempre um momento também quando as regras podem ser questionadas, testadas, experimentadas, rompidas. Na verdade, sempre houve a possibilidade de associação entre a juventude e a desordem, a ruptura, a descontinuidade, de desvios e rupturas com a ordem social. Isso não é só na sociedade brasileira, está presente até na mitologia grega e na mitologia romana. Em algumas conjunturas ela se consolida mais ou menos em sentidos diferentes.

Podemos dizer que na década de 1960, havia um pânico geral com a ideia de que todo jovem se tornaria rebelde ou se colocaria em posição de ruptura com a ordem. Hoje é mais pelo lado da violência, da possibilidade de cair em situação de criminalidade que essa visão negativa da juventude se expressa. Dizer se hoje a visão sobre a juventude é mais negativa do que a da década de 1960 não é possível, não temos instrumentos para fazer essa comparação. O que sabemos é que essa possibilidade de associação com dimensões negativas sempre esteve presente na história da cultura ocidental.

Os resultados obtidos na etapas anteriores influenciaram o rumo da pesquisa?

A pesquisa está sendo construída de maneira que, embora você tenha um projeto, objetivos previamente definidos, um roteiro, o instrumento de cada fase sempre leva em conta os resultados das fases anteriores e faz adaptações a partir de dados e análises realizadas na fase anterior. Muito do que estamos testando nessa última fase foi elaborado a partir das questões que emergiram nas fases anteriores. Mas acho que nenhuma das conclusões das diferentes fases invalidam as premissas da pesquisa, pelo contrário. Acho que as conclusões, os dados levantados até então, estão permitindo analisar melhor de que maneira os jovens estão expressando suas questões e como elas podem interferir na pauta dos direitos ou não.

Você pode dar um exemplo dessa influencia?

Nesse GD a gente está se propondo a investigar as possibilidades de estratégia que os grupos querem ou se dispõem a tomar a partir do diálogo entre três caminhos possíveis de atuação para a garantia dos seus direitos. Essas alternativas propostas foram elaboradas a partir daquilo que os grupos disseram na fase do Grupo Focal. Outro exemplo é a discussão sobre se os grupos devem se organizar como grupos exclusivamente juvenis ou se a perspectiva é de estar inserido em movimentos sociais mais amplos, e também a polêmica sobre se vale a pena investir na ocupação dos espaços institucionais abertos pela discussão de políticas de juventude.

À respeito dos Grupos de Diálogo, terceira e atual etapa que acaba de ser encerrada, quais as dificuldades encontradas para a realização do encontro?

Um dos pontos foi o número de participantes. Foram 27 jovens, bem menos que os 40 esperados. Isso aconteceu porque vários grupos que queríamos convidar, que já tinham participado das fases anteriores da pesquisa, estavam realizando seus encontros nacionais ou estaduais nesse mesmo fim de semana. Foi uma particularidade do calendário, o mês de abril teve muitos feriados. Para muitas organizações, assim como para nós, esse fim de semana foi o primeiro possível para a realização dos encontros. Outro foi a dificuldade de trazer para o encontro os grupos que chamamos menos institucionalizados, que trabalham mais na perspectiva da atuação cultural, para quem o fim de semana é um espaço precioso, por isso tiveram dificuldade de abrir mão de suas atividades para participar do grupo de pesquisa.

E quais os destaques?

O Grupo foi um momento de encantamento. Estar ali foi uma experiência significativa para a maior parte dos jovens, que demonstrou isso nas avaliações e em manifestações. Houve um debate intenso e eles entraram fundo nas discussões propostas. Uma das discussões que mais mobilizaram os jovens foi: Como definir um coletivo? O que os une? Ou seja, sobre quais recortes se produz uma possibilidade de junção, de articulação desses diferentes grupos. Como pode ser rico o diálogo entre os diferentes grupos juvenis. Acho que isso foi o que ficou de mais marcante

A próxima e última fase da pesquisa será o Grupo de Diálogo Regional, quais as expectativas?

Estou curiosa. Internamente já houve uma diversidade muito interessante, imagino quando os seis países se reunirem. Vai ser muito interessante para nós – que estamos na pesquisa há dois anos e meio, comparando os diferentes países a partir da análise dos seus coordenadores – podermos ver os jovens dos seis países entrando em interação no mesmo espaço. Será um momento para observação do que viemos analisando até agora, em cada país. Ver os resultados da interação.