Durante o II Fórum de Estudantes de Origem Popular (Feop), no Rio de Janeiro, foram lançados argumentos favoráveis ao acesso de pessoas de classes menos favorecidas e grupos étnico-raciais às universidades públicas. André Brandão, pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj, chama à atenção: “a cota é importante para pretos e pardos, é importante para a universidade e para o país”. Saiba porquê
Nos dias 25 e 26 de junho, foi realizado o II Fórum de Estudantes de Origem Popular (Feop) na Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) – Campus Urca. Atuando como um movimento social, o Feop está empenhado na defesa de uma universidade pública de qualidade e na elaboração e no acompanhamento de políticas públicas que possibilitem a inserção e a permanência de pessoas de classes menos favorecidas e de grupos étnico-raciais nesses espaços acadêmicos. Um bom exemplo é a discussão sobre a política de cotas que ainda não atende a todas as universidades públicas.
O Feop foi idealizado pelo presidente do Observatório de Favelas, Jaílson de Souza, como um dos braços do programa Conexões de Saberes: diálogos entre universidade e comunidades populares, parceria entre o MEC/Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) e o Observatório de Favelas. O Programa é desenvolvido em 33 instituições federais de ensino do Brasil. A proposta é que, em cada uma das regiões onde ocorre, favoreça a consolidação por estudantes de um fórum estadual, fortalecendo a idéia do Fórum Nacional de Estudantes de Origem Popular.
Durante o II Feop, foram apresentados dados e opiniões com relação à situação das ações afirmativas e das cotas em nosso país. André Brandão, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), apresentou resultados da última pesquisa Quatro anos de políticas de cotas: a opinião dos docentes, realizada pelo laboratório em quatro universidades públicas, pioneiras na adoção de cotas no Brasil. Foram ouvidos(as) 557 professores(as) da Uerj, Ufal (Universidade federal de Alagoas), UnB (Universidade de Brasília) e Uneb (Universidade do Estado da Bahia). Além disso, André Brandão destacou a sua mais recente participação em um trabalho de pesquisa, que resultou na publicação do livro Cotas Raciais no Brasil.
O professor argumenta: “É fundamental a diversidade racial nas universidades, porque você melhora a qualidade da discussão. Sujeitos com contextos de vida e históricos diferentes compartilhando a sala de aula geram um debate maior, um conhecimento maior. E isso é importante para a sociedade. Você passa a ter um estoque de profissionais com todos os perfis raciais assumindo cargos, seja no setor público ou no setor privado”.
Dessa forma, André Brandão defende que o sistema de cotas não pode ser visto somente como algo positivo para negros(as): “No Brasil, se generalizou a idéia de que cota é algo positivo para pretos e pardos. O discurso deveria ter sido outro: a cota é importante para pretos e pardos, é importante para a universidade e para o país. Afinal, quando você amplia a diversidade racial nas universidades, você amplia a qualidade da educação”.
O professor também critica o tratamento das cotas como favorecimento: “O acesso diferenciado é algo que a pessoa não deve se envergonhar, pelo contrário, é uma possibilidade de crescimento para o país”.
Além de André Brandão, estavam presentes Regina Guimarães, coordenadora da região Sudeste do Fórum de Pró-reitores de Extensão, e Fernando Pinheiro, representante do Pré-vestibular para Negros e Carentes (PVNC) e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afro-descendente (Nirema), que fez uma defesa das cotas apresentando conceitos históricos embasados, principalmente, em teorias e práticas militantes.
Os três defenderam que quaisquer ações afirmativas nas universidades brasileiras devem ser encaradas como um avanço no quadro político educacional do Brasil. Mesmo com as dificuldades encontradas durante o processo, pode-se perceber que é possível pensar um modelo de democracia com base na reconfiguração do perfil das pessoas que se inserem na universidade.
“Ação afirmativa é necessária para que se estabeleça um novo perfil, não só de universitários, mas de pessoas que vão pensar soluções para o Brasil. Universitários de espaços populares, futuramente, estarão pensando soluções inovadoras, o que muitas vezes pode causar tensão e conflito, mas isso é inevitável. A igualdade é cercada de tensão e conflitos, afinal, a igualdade só pode ser desejada se a gente não concorda com o que existe”, analisa Fernando Pinheiro.
Breve histórico de luta
Sabemos que as desigualdades raciais, expressas, entre outros fatores, nas estatísticas de acesso às universidades, não serão resolvidas apenas com cotas. Porém, é necessário começar por algum lugar. Do contrário, todo o contexto histórico de lutas e conquistas seria deixado de lado.
Na década de 1970, inicia-se forte pressão dos movimentos negros para a implementação de políticas que combatessem atos discriminatórios. Algumas pequenas ações foram postas em prática. Era o começo da implementação de um novo modelo para pensar politicamente as questões da segregação racial, construídas desde a criação da identidade nacional brasileira.
Desde 2001, o Brasil vem fortalecendo, a cada dia, a discussão relacionada à temática das políticas de ações afirmativas. Nesse ano, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, iniciou uma série de ações voltadas para a população negra brasileira, pressionado, principalmente, pelos movimentos negros. As cotas vão além do ingresso nas universidades públicas, são estímulo para o debate sobre as questões raciais nas salas de aula e em todo o Brasil. Debate que chegou com um século de atraso.
Publicado em 28/6/2007, no endereço http://www.ibase.br/modules.php?name=Conteudo&pid=1856 (PORTAL IBASE)