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A desigualdade é violenta

Folha de S. Paulo - São Paulo , domingo, 21 de outubro de 2007

TENDÊNCIAS/DEBATES

Qual é exatamente a relação entre violência e pobreza? É preciso estabelecê-la adequadamente, de maneira esclarecedora


QUAL É exatamente a relação entre violência e pobreza? É preciso estabelecê-la adequadamente, de maneira esclarecedora, pois a ligação entre os dois temas se dá por meio de uma rede de amplos alcances. Não se chega a um por meio do outro sem que, no entorno e no caminho, nos deparemos com uma série de outras confluências no campo das políticas públicas.

Não tratamos da violência dos pobres, que são principalmente honrados trabalhadores, mas da pobreza e da desigualdade.

A pobreza, violenta em si, mata silenciosamente pela fome, pela desnutrição, pela ausência de cuidados básicos. Mas é necessário reforçar que a desigualdade é a fonte de alimentação do caldo de violência que preocupa o país. Dessa compreensão podemos buscar as mais adequadas abordagens, reconhecer e saber como fazer com que os investimentos em políticas sociais se traduzam também em investimentos em segurança pública.

Os pobres são as primeiras vítimas da violência. A desigualdade lhes impõe uma situação de desamparo tamanho que, para além da violência latente na condição de carência confrontada com o fausto, estão sem a defesa contra a violência que se forma em torno. Na periferia dominada por redes criminosas, famílias inteiras convivem com o risco de desconstituição, ameaças de morte de crianças e adolescentes, restrições no direito de ir e vir, parentes desaparecidos.

A segurança, como bem público, deve ser garantida a todos os cidadãos. No entanto, historicamente, os pobres foram alijados desse direito, dentre outros tantos tão elementares para a constituição da cidadania.
Alimentando a violência na desigualdade, prevalece o espírito da "máquina mercante", cuja perversidade já era denunciada no século 17 do poeta Gregório de Matos: "A mim foi-me trocando e tem trocado / Tanto negócio e tanto negociante".

Cabe-nos o desafio de recuperar a vida como valor central de todas as nossas relações sociais. Faz parte do enfrentamento de um grave problema de ordem ética e moral imposta a partir da hegemonia do pensamento liberal e neoliberal, que nos legou uma sociedade em que as mercadorias perdem a referência de sua razão social e vivem por si, alimentada por uma cultura imediatista e hedonista. Tudo, inclusive o corpo, é mercadoria e se banaliza.

Em relação especificamente ao combate à violência, não há dúvidas de que necessitamos de uma profunda e vigorosa reforma no nosso sistema penal. Precisamos de penas mais severas e duras para combater o crime organizado, que foi avançando sobre nossa institucionalidade com requinte crescente, como têm revelado as eficientes ações da Polícia Federal nos últimos anos.

As investigações para identificar e desmantelar redes criminosas e corruptas incrustadas há mais de dez anos na estrutura estatal, como as que têm sido feitas, são essenciais para preservar as instituições democráticas. E para estancar verdadeiros ralos pelos quais historicamente vem passando a sangria de recursos públicos.

A ação repressiva deve recair sobre as direções das organizações criminosas. Para isso, precisa do apoio de uma legislação mais severa que ataque a impunidade, força alimentadora de todo tipo de violência.
Ao mesmo tempo, o debate não se completa sem o papel fundante das políticas sociais integradas, articuladas em torno do objetivo de promover o bem-estar social, de modo a combater a violência atingindo aquilo que hoje se alimenta e é alimentado pela insegurança: a desigualdade.

Nessa perspectiva, a grande utopia possível é oferecer trabalho digno e educação adequada para todos. Mas pessoas, famílias e até comunidades que até então foram excluídas das políticas de crescimento devem primeiro ter garantidas as melhores condições para superar as diferenças.

O investimento em políticas sociais integradas resulta num investimento compartilhado para a sociedade inteira. Em sua obra, Celso Furtado confirma e reforça a tese de que o investimento em desenvolvimento social forma base de sustentação aos projetos de desenvolvimento econômico.

O caminho, nessa direção, aponta para a erradicação da pobreza, a redução da desigualdade, eliminando, dentre as várias causas e conexões da violência, uma das que mais evidenciam o caráter perverso da exclusão.

O combate à violência deve se pautar pelos mesmos princípios de um grande projeto nacional de igualdade de condições e oportunidades, de modo a garantir que a segurança seja, de fato, pública.


PATRUS ANANIAS , 55, advogado, é o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Foi prefeito de Belo Horizonte (1993-1996).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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