Adolescentes que trabalham consomem álcool, tabaco e outras drogas em quantidades expressivamente maiores do que jovens não-trabalhadores. Esse foi o principal resultado de um estudo realizado com 2.718 estudantes da rede estadual de ensino em Cuiabá
A pesquisa foi feita em trabalho de doutorado de Delma Perpétua Oliveira de Souza, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), defendida no Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com orientação do professor Dartiu Xavier da Silveira.
Resultados do estudo foram publicados pelos dois autores na edição atual da Revista Brasileira de Epidemiologia, da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
Os pesquisadores trabalharam com a hipótese de que estudantes trabalhadores teriam padrões mais altos de utilização de drogas, mas a diferença surpreendeu. “Ao combinar diversas variáveis, identificamos que a chance de usar drogas ao longo da vida é 1,5 vez maior entre os jovens trabalhadores. É um padrão que chama a atenção e dá mais um motivo para achar que eles não deveriam trabalhar”, disse Silveira à Agência FAPESP.
O estudo mostra que, entre os adolescentes trabalhadores, o álcool já foi usado por 81%, contra 64,8% dos não-trabalhadores. No caso do tabaco, a porcentagem é de 43,7% contra 26,8%, respectivamente. O uso de maconha foi feito por 8,6%, contra 4,4% entre os não-trabalhadores. A cocaína foi usada por 3,2% contra 1,4% e as anfetaminas por 6,9% contra 3,6%.
Os pesquisadores avaliaram uma amostra de 798 adolescentes trabalhadores e de 1.493 não-trabalhadores, matriculados na rede estadual de educação básica da área urbana de Cuiabá. As idades variaram de 10 a 20 anos. Um questionário de autopreenchimento foi aplicado em sala de aula, indagando sobre aspectos sociodemográficos, sociais e consumo das substâncias psicoativas.
O objetivo foi identificar o padrão de uso das substâncias ilegais, do álcool e do tabaco e quais fatores poderiam ser relacionados ou predizer o uso. Para identificar as interações entre as variáveis, a equipe adotou a técnica Chi-squared Automatic Interaction Detection (Chaid), um procedimento para modelagem de segmentação.
De acordo com Silveira, a técnica evitou os resultados exclusivamente descritivos dos testes estatísticos usados na maioria dos trabalhos com levantamentos epidemiológicos. “O trabalho teve uma amostra muito ampla, que possibilitou usar essa técnica estratificada de análise. Isso permitiu uma avaliação profunda de subgrupos, que revelou uma ampla diversidade de fatores de risco. Mas ficou evidente que o trabalho realmente influencia o uso indevido de drogas em todos os casos”, disse.
Para o professor da Unifesp, é provável que dois fatores principais aumentem o uso de drogas entre adolescentes trabalhadores: a inserção precoce no mundo adulto e o acesso à renda própria. “Podemos inferir isso, mas tudo sempre depende de uma combinação de fatores. Todo fator só se transforma efetivamente em fator de risco na medida em que se associa a outros”, destacou.
Uso recente
Ao avaliar o uso recente (no último mês) de álcool, tabaco e outras drogas, os pesquisadores verificaram prevalências de 37,4%, 9,5% e 8,4%, respectivamente. O uso, no entanto, foi bem diferente entre adolescentes trabalhadores e não-trabalhadores: 47,4% contra 32,1% para álcool, 13,6% contra 7,3% para tabaco e 11,1% contra 6,9% para as outras drogas.
Apesar de mais vulneráveis às drogas, os estudantes adolescentes que trabalham começaram a usar as substâncias mais tarde. A idade inicial do uso de álcool foi de 12,5 anos para os jovens que não trabalham, contra 13,1 para os outros.
O tabaco começou a ser usado com 13 anos e 13,7 anos, respectivamente. A idade inicial para outras drogas foi de 13 anos para os não-trabalhadores e 14,3 para os demais. Todos os resultados, segundo os autores, estão dentro da margem de erro.
Em relação às condições econômicas da família dos participantes do estudo, apenas os adolescentes trabalhadores de famílias com níveis de renda mais baixos (C+D+E) mostraram-se associados ao uso recente de tabaco.
Entre os estudantes trabalhadores, os mais expostos às drogas foram os que afirmaram ter carga diária de trabalho de 4 a 8 horas e insatisfação com o trabalho. O estudo constatou maior uso recente de álcool entre os adolescentes que trabalham no setor secundário da economia, especialmente na construção civil.
Categorias de consumo
Em relação ao consumo de drogas no decorrer de toda a vida, excluindo-se álcool e tabaco, houve diferenças significativas para as diferentes categorias de uso, na comparação entre adolescentes trabalhadores e não-trabalhadores.
O uso alguma vez na vida foi feito por 28,5% dos trabalhadores e 19,3% dos demais. No último ano, ficou em 15,9% nos trabalhadores e em 11,1% nos demais; no último mês, 5,1% e 4,9%. Entre os trabalhadores, 1,4% deles fizeram uso freqüente, contra 0,5% nos demais. O uso pesado foi constatado em 3,3% no primeiro grupo e em 1,1% no segundo.
A Organização Internacional do Trabalho estima que existam, em todo o mundo, 352 milhões de menores de 17 anos vinculados ao trabalho. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2001, revelou que, dos 5,4 milhões de crianças e adolescentes trabalhadores no Brasil, 4,4 milhões também estudam, enquanto 1 milhão apenas trabalha.
Para ler o artigo Uso recente de álcool, tabaco e outras drogas entre estudantes adolescentes trabalhadores e não-trabalhadores, disponível na biblioteca on-line SciELO (FAPESP/Bireme), http://icpc.baylor.edu.
Publicado Originalmente pela agência FAPESP, no dia 10/08/2007 , no endereço http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=7575