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Acesso mais democrático à educação distribui a renda

Os resultados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2002/2003, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados na semana passada, demonstram com clareza a urgência de políticas mais efetivas para a educação

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004, também do IBGE, indica que a taxa de escolarização é menor na população de baixa renda, e sensivelmente menor nas regiões mais pobres do país. Na base da pirâmide social, a freqüência na escola é muito pequena na faixa etária de 4 a 6 anos - provavelmente por falta de equipamentos públicos, já que apenas recentemente a pré-escola vem recebendo alguma atenção -; é alta na faixa etária de 7 a 14 anos, onde se considera que o país tenha chegado à quase universalização do ensino; e cai de forma assustadora na faixa de 15 a 17 anos. Programas de transferência de renda que têm condicionalidades apenas para a faixa etária onde a educação está quase universalizada provocam um grande impacto inicial de inclusão dos extremamente pobres, mas, na medida em que os incorpora à sociedade de consumo, a tendência é de que esse efeito se estabilize. A partir daí, se não houver uma grande convergência entre a política social e a educacional, podem ser neutralizados os ganhos até agora obtidos pelo Bolsa Família na redução da miséria e melhoria da distribuição de renda.

O saldo dos programas de distribuição de renda, até o momento, não é desprezível: o relatório do Programa Objetivos do Milênio divulgado na semana passada aponta que o índice de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza foi reduzido de 8,8% para 4,2% entre 1990 e 2005. Isso quer dizer que o Brasil antecipou em sete anos o cumprimento de uma das metas acordadas com a ONU para o período de 1990-2015, que é a de reduzir pela metade a população com renda inferior a US$ 1 diário. As metas, no entanto, incluem a garantia de educação de qualidade para todos. Nesse quesito, o Brasil apenas comemora a quase universalização do ensino básico: a porcentagem das crianças entre 7 e 14 anos que freqüentam a escola subiu de 81,4% para 94,5%, mas a qualidade dessa educação é discutível.

O desafio agora é como manter as crianças estudando. O Pnad de 2004 acusou que, no grupo etário de 15 a 17 anos, 20,1% dos que não freqüentavam a escola a abandonavam para ajudar nos afazeres domésticos, para trabalhar ou procurar trabalho. O PAC da juventude anunciado na semana passada, ao mirar a população de 15 a 29 anos, reconhece a dificuldade de manter um adolescente pobre na escola até o final do segundo grau. Segundo números do governo, 9% da população nessa idade está desempregada - 4,5 milhões dos 50,5 milhões de jovens brasileiros. Destes, a maioria não freqüenta a escola e tem apenas o ensino fundamental. Atribui-se à baixa escolaridade e qualificação a exclusão dessas pessoas do mercado de trabalho.

Se não for por razões humanitárias, a atenção a essa faixa etária - daqueles que estariam na idade de freqüentar uma universidade, mas apenas engordam estatísticas de desemprego - deve ser pensada como fundamental ao desenvolvimento econômico. Conforme afirmou o economista Samuel Pessôa, na edição do último dia 30 do Valor, a universidade, para os estudantes de baixa renda, tem também a função de preencher as falhas do ensino médio da escola pública e as deficiências das pessoas que tiveram pouco acesso à cultura e à informação. E, complementando, talvez seja a única possibilidade de mobilidade social que pode ser disponibilizada à população pobre.

Existe uma inequívoca relação entre o número de anos de estudo e a renda familiar, e a educação ainda é o instrumento mais efetivo de redução das desigualdades sociais. Segundo a POF, a renda familiar aumenta de forma significativa se a família tiver pelo menos um membro com curso universitário - de R$ 1.215,24 para R$ 3.817,96 de renda média anual. Se na família existirem pelo menos duas pessoas com curso universitário, a renda média passa para R$ 6.994,98. Esses números são a prova contundente de que as discussões em torno de "portas de saída" para o Bolsa Família, que é um programa de transferência de renda, devem passar necessariamente por ações que objetivem aumentar a média de anos de estudo da população.