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Abandono precoce

Estudo do Ministério da Educação revela que apenas pouco mais da metade
(53,8%) das crianças que entraram no ensino fundamental em 2005 deverão
concluir o ciclo. Em 1997, o índice era de 65,8%
Um futuro pouco promissor aguarda 2,2 milhões de crianças e jovens brasileiros. São meninos e meninas que, em 2005, ingressaram na 1ª série do ensino fundamental mas, de acordo com as estatísticas, não deverão chegar à 8ª. O sistema Edudatabrasil, do Ministério da Educação, mostra que apenas 53,8% dos estudantes que iniciaram seus estudos naquele ano — dado mais recente disponível — vão terminar um ciclo completo de ensino, a chamada taxa esperada de conclusão.

O índice já foi mais alto. Em 1997, a expectativa de conclusão era 65,8% — dois anos antes, estava em 52,9%. Desde então, o percentual vem caindo — apenas com uma pequena subida entre 1999 e 2001. Nova variação positiva, mínima, só voltou a ocorrer entre 2004 e 2005: de 53,5% para 53,8%. Caso a curva não volte a ascender, dificilmente o país conseguirá alcançar o segundo Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM), compromisso firmado perante as Nações Unidas há oito anos. As 191 nações que aderiram aos ODMs obrigaram-se a garantir que, até 2015, todas as crianças terminem um ciclo completo de ensino.

Segundo o educador Célio da Cunha, assessor especial da Unesco, uma hipótese para o grande salto verificado entre 1995 e 1997 (de 52,9% para 65,8%) foram as políticas de progressão continuada para evitar a repetência. “Nos anos 90, a repetência foi muito combatida. Houve a consciência da gravidade desse problema no país com várias tentativas de corrigi-lo.” Para ele, pode ter ocorrido um certo afrouxamento por parte das escolas, ansiosas em aprovar os alunos. “Muitas pessoas chegam à 8º série sem a aprendizagem fundamental.” Ele explica que essa política foi revista a partir de 2000, quando se procurou novas alternativas, como as turmas de aceleração. A secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar, diz que, durante a década de 1990, houve bastante irresponsabilidade. “Hoje, nos preocupamos em aprovar os alunos, mas desde que eles realmente tenham aprendido o conteúdo.”

O próprio governo federal admite que haverá dificuldades para o cumprimento da meta. O relatório nacional de monitoramento dos ODMs, lançado em setembro passado, afirma que “apesar dos avanços da sociedade brasileira, ainda é muito alta a proporção de alunos que progridem de forma lenta e dos que abandonam os estudos — o que contribuiu para manter em patamares baixos a taxa de conclusão no ensino fundamental”.

Segundo especialistas, a baixa taxa de conclusão reflete dois problemas do ensino público: a evasão escolar e a demora que os alunos levam para terminar um ciclo, por causa de desistências e repetências. “A escola não está conseguindo fazer com que as pessoas aprendam. Muitos chegam à 4ª série sem saber ler nem escrever e acabam desistindo”, afirma Justina Iva de Araújo Silva, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Descrédito
Foi o que ocorreu com Eloiza Batista de Sousa, 21 anos, que abandonou a escola aos 18, quando estava na 5ª série. A jovem de Riachinho, município mineiro, entrou para os estudos com três anos de atraso porque precisava ajudar os pais na lavoura. Com a dupla jornada, repetiu algumas vezes — não sabe dizer quantas — e resolveu parar. Embora tenha chegado à última série da primeira fase do ensino fundamental, confessa que não sabe ler e escrever bem. “Mas acho que a escola não é tão importante”, diz, demonstrando descrença.

“Como termina o ensino fundamental com uma defasagem muito grande, o jovem prefere largar os estudos para procurar emprego, mesmo que seja um trabalho de terceira categoria”, constata o presidente executivo do movimento da sociedade civil Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos. A média de idade de conclusão do ensino fundamental, no Brasil, é de 17 anos, quando deveria ser de 14.

Ramos, que já foi secretário estadual de Educação em Pernambuco, diz que existe uma explicação para o fato de a taxa esperada de conclusão estar em declínio. De acordo com ele, a queda do índice coincide com a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1998. A partir daí, teve início a universalização da educação fundamental, com uma explosão de novas matrículas. “Quando aumenta o número de alunos, a primeira conseqüência é a queda da qualidade e da conclusão. Faltou infra-estrutura, quantidade de professores e de escolas para atender os novos alunos.”

Pouca transparência
Para o sociólogo Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é preciso investigar melhor as causas. Até porque, segundo ele, no Brasil há pouca transparência na disponibilização de dados do sistema educacional, o que impede conhecer melhor os motivos que levam crianças e jovens a abandonarem as salas de aula.

Cara acredita que o Ministério da Educação deveria induzir as redes a fazer avaliações internas, que pudessem identificar, com precisão, as razões da evasão e da distorção idade/série. Ele diz que avaliações como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que combina desempenho em provas padronizadas e taxa de aprovação, não são suficientes. “O Ideb não verifica, por exemplo, a infra-estrutura das escolas.”

Aos 16 anos, Michael Júnior Vieira Santos, morador do Itapoã, área de baixa renda do Distrito Federal, desanimou com a escola. “Os professores ensinavam uma vez e só. Muito ruins”, diz o ex-aluno, que abandonou a escola no ano passado, quando estava na 5ª série. Como precisa cuidar dos irmãos mais novos,para que os pais trabalhem, Michael achou melhor desistir de aprender. E define o que acredita ser a escola ideal: “O colégio particular. Dizem que é muito melhor”.

Previsão de melhora
O educador Jorge Wertheim, diretor executivo da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla) e ex-representante da Unesco no Brasil, garante que as estatísticas sobre conclusão do ciclo escolar não são motivo para preocupação. De acordo com ele, as políticas públicas educacionais estão no rumo certo e a melhora poderá ser sentida em breve. No início de junho, o Ministério da Educação (MEC) vai divulgar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) referente a 2006. “Vamos nos surpreender com boas notícias”, diz.

Wertheim explica que em todos os países onde o acesso à educação foi universalizado houve diminuição da taxa de conclusão. “Absorver essa demanda não é um problema somente quantitativo, mas qualitativo. E o Brasil está avançando com passos sólidos nesse sentido”, diz, referindo-se ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado há um ano pelo governo federal.

Otimismo
A secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar, destaca o fato de o ministério ter focado os 1.242 municípios com Ideb mais baixo nas ações prioritárias do PDE, incluindo a liberação de R$ 1,3 bilhão, anunciada neste mês. “Estamos otimistas para atingir a meta de todos os alunos concluírem o ensino fundamental até 2015. O Bolsa-Família tem esse objetivo, assim como a escola em tempo integral. São programas que garantem a permanência do aluno”, diz.

Secretária de Educação de Natal (RN), Justina Iva denuncia que os estados e municípios não cumprem com a determinação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de se criar uma conta específica para a área. As receitas acabam nas mãos das secretarias de Fazenda e o repasse constitucional nem sempre é investido na educação.

Na capital potiguar, ela viveu as duas situações e garante que, desde 2003, quando o gestor da área passou a ter acesso aos recursos, houve uma mudança “da água para o vinho”. “Hoje, 28,6% da receita do município vai para a educação. Quando passamos a ter uma conta específica, sabemos quanto temos de fato para investir e podemos planejar com mais segurança e redefinir as prioridades”, diz. (PO).