Pesquisa Datafolha feita em 168 cidades do país desfaz o mito da "juventude rebelde" e revela que os maiores sonhos do jovem brasileiro são ter um bom emprego e comprar casa própria. O levantamento, focado na faixa de 16 a 25 anos, abrange todas as classes sociais e inclui temas que vão da política à sexualidade, passando por medos, valores e hábitos de consumo
Apresentação
Perfil é inédito no Brasil (veja quadro com o perfil ao final do texto)
FORAM FEITAS 120 PERGUNTAS PARA 1.541 JOVENS EM 168 CIDADES DO PAÍS. O RESULTADO É A MAIS COMPLETA PESQUISA DO SÉCULO
[Por Ivan Finotti, editor do Folhateen]
Bayeux, Careiro e Riachão das Neves. Goianésia do Pará, Breves e Parauapebas. Zé Doca, Crateús e São Domingos do Azeitão. Os nomes podem soar estranhos, mas são apenas algumas das 168 cidades visitadas pelo Datafolha para realizar o mais completo perfil do jovem brasileiro neste século 21.
"Não há outro estudo com essa abrangência, cobertura e diversidade de temas", afirma Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha. A abrangência se refere à pesquisa em todas as classes sociais. A cobertura é nacional, incluindo capitais e cidades do interior de todos os Estados.
Já a diversidade de temas pode ser conferida em cada uma das páginas deste caderno especial, que traz desde participação política até a sexualidade do jovem, passando por valores, sonhos, medos e hábitos de consumo. A primeira constatação da pesquisa é simples: cai por terra o clássico imaginário do jovem contestador, rebelde, engajado, participativo etc. O jovem brasileiro quer emprego.
Seus maiores sonhos são materiais: realização profissional, comprar imóvel e veículo e ficar rico. Seus principais valores são família, saúde, trabalho e estudo. E nem em temas polêmicos como descriminalização da maconha ou liberação do aborto eles se descolam do resto da população brasileira.
"É um jovem que ainda não conseguiu superar as barreiras das necessidades básicas. Só a partir daí ele abrirá a agenda para outras demandas. Revelar esse universo é extremamente importante", resume Janoni.
Há outros dados surpreendentes: o papel da igreja, o número de jovens que admitiram o uso de drogas, a taxa de meninas que disseram não serem mais virgens e a porcentagem declarada de abortos também chamaram a atenção do diretor de pesquisas do Datafolha.
"A principal razão para que esses números sejam mais altos do que os que aparecem em pesquisas semelhantes é que o Datafolha elaborou dois questionários", explica Janoni.
O primeiro, com 90 perguntas, era aplicado normalmente pelo pesquisador. O segundo, com 30 questões sobre sexo e drogas, era preenchido sozinho pelo próprio entrevistado, que não precisava se identificar. Além de não se constranger com perguntas íntimas, o jovem colocava o questionário numa bolsa lacrada, que só era aberta no instituto Datafolha, em São Paulo.
Foram entrevistados 1.541 brasileiros entre 16 e 25 anos. A margem de erro é de três pontos percentuais, para mais ou para menos.
Jovens trainees
A maioria das reportagens do caderno "Jovem Século 21" foi feita pelos integrantes da 45ª turma do programa de treinamento da Folha. O curso durou 14 semanas e tem como objetivo selecionar jovens talentosos e ensiná-los, na prática, a trabalhar em jornal diário (leia mais em www.folha.com.br/treinamento).
Nesta edição, eles foram orientados pelo editor do Folhateen, Ivan Finotti, e pela editora de Treinamento, Ana Estela de Sousa Pinto, e tiveram o trabalho coordenado por repórteres experientes, como Laura Capriglione e Antônio Gois. A 45ª turma foi patrocinada pela Philip Morris Brasil e pela Odebrecht.
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"O jovem brasileiro é um sonhador", diz Ricardo dos Reis Ferreira, 20, o rosto que estampa a capa deste caderno. Talvez por acreditar nisso, tenha trocado a cidade de Conceição da Barra, litoral norte do Espírito Santo, pelo centro econômico do país. Ele veio para São Paulo em março de 2006 para "trampar" no mundo da moda.
Tendo estudado em escola pública e em busca da realização profissional, Ricardo foi abordado pela Folha em um restaurante paulistano e convidado a ser o retrato da juventude brasileira no século 21. "Faço parte da grande maioria", analisa.
Ele personifica o jovem médio cujo perfil é traçado nas próximas páginas pelos resultados da pesquisa do Datafolha.
Ricardo não pôde realizar a sua vontade inicial, mas resolveu continuar em São Paulo, ajustando seus objetivos à realidade que encontrou. No momento, trabalha e estuda relações internacionais. "O objetivo agora é terminar a faculdade."
Na posição de quem saiu do interior em direção a uma grande capital, Ricardo ainda destaca a já conhecida situação de violência "absurda" com que o jovem se depara.
A obstinação demonstrada em relação ao futuro revela a necessidade de reagir a um outro sentimento que, segundo ele, aflige a juventude no Brasil: a insegurança, resultado de uma condição econômica que torna a juventude o grupo social mais vulnerável ao desemprego. Dá "um pouco de medo em relação ao futuro", diz. (AMARO GRASSI, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA)
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realidade
A economia soterrou o sonho
JOVENS BUSCAM ATENDER NECESSIDADES BÁSICAS, COMO EMPREGO, ESTUDO E CASA PRÓPRIA
[por Vinicius Torres Freire, colunista da Folha]
Com o que sonha um jovem brasileiro? As respostas que moças e rapazes deram ao Datafolha dão a impressão de que a palavra "sonho" suscita neles mais o desejo de tratar de inquietações cotidianas, imediatas e previsíveis para cada faixa de idade. Ou de que talvez ainda seja mesmo um sonho, um devaneio esperançoso, tornar-se um profissional formado num país em que é muito minoritário o número de pessoas que se formam em faculdades.
O "maior sonho" dos jovens ouvidos pelo Datafolha é "trabalhar/formar-se" numa profissão (18%). Ter uma casa, terminar os estudos e fazer família são as outras aspirações maiores.
"Sucesso profissional/na carreira" ou apenas ter um bom emprego (fixo, com carteira, numa boa empresa, com bom salário) ocupam o segundo lugar dos maiores sonhos dos brasileiros entre 16 e 25 anos, com 15% das respostas. Para 7%, o sonho maior é fazer faculdade.
Em suma, pois, para 40% dos jovens, o sonho maior é resolver uma ansiedade compreensível e convencional para a idade -e, provavelmente, não só para essa idade: cuidar da vida, encontrar um lugar ao sol, ter um emprego decente e definir sua identidade por meio do trabalho de que gosta.
Os mais jovens, de 16 e 17, previsivelmente, sonham em se formar em determinada profissão: é o "maior sonho" para 34% deles. Para os mais adultos, de 22 a 25 anos, a resposta deriva mais para a realização profissional, "sonho maior" para 17% dos entrevistados.
Porém, para a faixa de 22 a 25 anos, a resposta mais freqüente é "ter casa/uma boa casa" (22%). No caso das moças de 22 a 25, esse é o sonho maior para 28% (16% no caso dos rapazes); para quem tem filhos, é o sonho maior de 30%. Constituir uma família e cuidar bem dela é o maior sonho para 10% dos entrevistados.
As moças mais jovens se preocupam muito mais com a educação de si próprias que os rapazes. "Fazer faculdade/terminar os estudos" é o maior sonho de 20% das meninas de 16, 17 anos e para 9% dos meninos.
A diferença de prioridades parece refletida em outra parte da pesquisa, na qual se registra a impressionante e deprimente estatística sobre o desempenho escolar: 54% dos jovens já repetiram o ano (dos que ainda estão no ensino fundamental, 76% já foram reprovados). E os números são ainda piores para os rapazes -63% deles repetiram o ano ao menos uma vez, contra 46% das mulheres.
Como contraponto, "ficar rico/ter dinheiro/comprar coisas" é o sonho maior para 13% dos rapazes, mas para apenas 5% das moças.
Os sonhos variam pouco entre as classes de renda, educação ou região onde moram os entrevistados. Os mais pobres sonham um pouco mais em ter casa; os mais instruídos sonham um pouco mais com realização profissional.
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Três irmãos arrumam trampo no mesmo dia
Os gêmeos Cleuton e Cleiton Souza, de 19 anos, lutam para ser diferentes -dos colegas que viram cair na droga e no crime.
Estudantes do segundo ano do ensino médio, eles vinham buscando emprego há meses. Depois de rodarem São Paulo e se acostumarem a enfrentar filas, sua busca chegou ao fim: foram chamados para trabalhar em uma obra em frente à casa em que moram, na favela Morro Doce, a 32 km do centro. No mesmo dia, o irmão mais velho, Elton, 21, foi chamado para trabalhar em uma metalúrgica.
Agora, os gêmeos são ajudantes de pedreiro na construção de uma escola pública que vai ter o que a deles nunca ofereceu: aulas de computação. A falta de conhecimentos de informática foi o que barrou a contratação em mais de uma entrevista de emprego que fizeram.
Para juntar os R$ 4,60 do ônibus para procurar emprego, eles ajudavam o pai em uma quitanda. As viagens terminavam quase sempre em uma porta. "O segurança mandava deixar lá mesmo o currículo", diz Cleiton.
"Um deles rasgou o papel assim que eu me virei", conta o irmão.
Apesar das barreiras, Cleiton havia sido chamado para oito processos de seleção neste ano. Só tinha conseguido um trabalho: empacotador em um supermercado por quatro meses.
Cada um deles ganhará R$ 754 mensais, que planejam poupar. Eles querem terminar o ensino médio e, após algum tempo de trabalho, fazer outros cursos. (IAGO BOLÍVAR, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA)
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ARTIGO
Contardo Calligaris
A ADOLESCÊNCIA ACABOU?
A pesquisa de hoje mostra a mesma coisa que, aparentemente, descobrimos a cada vez que sondamos os adolescentes: eles são tão caretas quanto a gente, se não mais.
Eles se preocupam sobretudo com família, saúde, trabalho e estudo. Seu maior sonho é a realização profissional -não empreendimentos fantasiosos, mas o devaneio de qualquer mãe de classe média: ser médico, advogado ou encontrar um bom emprego que lhes garanta casa própria e carro.
Em matéria de política, a maioria se posiciona à direita ou ao centro e não tem interesse em participar de movimentos sociais. Eles têm opiniões parecidas com as da média nacional: são contra a legalização do aborto, contra a descriminalização da maconha e a favor da diminuição da maioridade penal. Sobre a pena de morte, estão divididos meio a meio.
Não são aventurosos: têm pouca vontade de viajar e estão preocupados com a violência. Na hora do sexo, têm muito medo da Aids.
Quanto às drogas, espantalho dos pais, eles preferem a que os adultos se permitem, o álcool.
Cúmulo para quem imagina que os adolescentes sejam contestatórios: em sua maioria, eles acham que o que aprendem na escola é de grande utilidade para o futuro.
Em suma, a surpresa da pesquisa de hoje não está nos resultados, mas no nosso susto ao lê-los: ainda acreditávamos numa visão cinematográfico literária da adolescência. Ou seja, supúnhamos que os adolescentes fossem insubordinados e visionários. Será que já foram e desistiram? Ou será que nunca foram, como sugere a comparação com a pesquisa Datafolha de 1998 e com outra, da revista "Realidade", de 1967?
A adolescência como época separada e específica da vida foi inventada nos anos 1950 e 1960. É nessa época que o cinema e a literatura (narrativas inventadas pelos adultos) criaram a figura do adolescente revoltado, ao qual foi confiada a tarefa de encenar as rebeldias inconfessáveis e frustradas dos adultos.
Uma explicação materialista para esse fenômeno diz que, no quase pleno emprego do pós-guerra europeu e americano, era bom que os jovens levassem mais tempo antes de chegar ao mercado de trabalho; ou, então, que um tempo maior de preparação e estudo era exigido por um mercado de trabalho cada vez mais especializado.
Outra explicação, menos materialista, diz que os adultos, na pequena prosperidade do pós-guerra, achavam sua vida um pouco chata (e era, de fato, mais do que nunca, massificada). Os adultos, portanto, sonhavam com aventuras às quais pareciam ter renunciado em troca de uma casa, um liquidificador, dois carros e uma TV. E eles inventaram a adolescência como encarnação de sua vontade de uma vida menos enlatada.
A invenção cultural da adolescência nem sequer transformou a maioria dos adolescentes em rebeldes. Mas produziu um clima suficiente para que, aos 20 anos, alguns membros da geração nascida logo após a guerra chutassem o balde que os adultos queriam, mas não sabiam chutar: contracultura, aspirações sociais, revolução sexual etc. O mundo ficou melhor para todos.
Mas foi um momento especial, em que a insatisfação reprimida dos adultos do pós-guerra delegou aos jovens uma missão quase revolucionária. Desde então, é como se a adolescência tivesse perdido sua razão de ser.
Resta, aos adultos, a expectativa de que os adolescentes corram os riscos que a gente não quer mais correr ou nunca quis, de que eles sejam nossa face audaciosa, sedenta de experiências e de terras incógnitas, generosamente preocupada com um mundo melhor. Mas é uma expectativa vaga, que se confunde com nossa vontade periódica de tirar férias.
Hoje, quais são nossas aspirações extraordinárias e escondidas? Quais os sonhos que os adolescentes defenderiam e encenariam para nós? São apenas visões de nós mesmos, um pouco mais bem-sucedidos.
O tempo da adolescência acabou. O que sobrou dele? Talvez apenas uma trilha sonora.
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CONTARDO CALLIGARIS, 59, é psicanalista, colunista da Folha e autor de livros como "O Conto do Amor" (Companhia das Letras) e "A Adolescência" (Publifolha)
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inquietações
Maiores medos são a morte e violência
60% DOS JOVENS TEMEM SAIR DE CASA; 30% DO TOTAL E 49% DOS MAIS RICOS JÁ FORAM VÍTIMAS DE ASSALTO
[por Vinicius Torres Freire, colunista da Folha]
"Atenção para o refrão/É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a morte", cantava a desgrenhada e hippie Gal Costa, 23, pouco antes da decretação do Ato Institucional número 5, o decreto liberticida da ditadura militar baixado no interminável ano de 1968. Era o refrão de "Divino Maravilhoso", canção com a qual Gal e Caetano Veloso disputavam o Festival da Record daquele ano, auge do tropicalismo e da rebelião de uma minoria dos jovens.
Quarenta anos depois, o Instituto Datafolha perguntou aos brasileiros de 16 a 25 anos sobre seus medos, sonhos, gostos, pessoas que admiram e opiniões sobre questões sociais controversas como pena de morte, aborto e drogas. Em mais uma ironia da história das ilusões sobre os jovens, de 1968 ou de 2008, moças e rapazes disseram que seu maior medo é mesmo o da morte.
Morte
Em geral, as respostas da pesquisa nem sugerem muita fantasia nem idéias divergentes. Os jovens ouvidos têm a mesma opinião do que o total da população sobre a proibição do aborto, fumar maconha e também sobre a pena de morte.
Somado ao medo da perda final de parentes e outras pessoas próximas, o medo da morte representou 40% das respostas ao Datafolha.
"Atenção para o sangue sobre o chão/Atenção/Tudo é perigoso/Tudo é divino maravilhoso", cantavam Gal e Veloso, tratando, no entanto, de perigos e maravilhas na visão existencialista pop avacalhada do tropicalismo. Os perigos e o sangue muito concretos da realidade de 2008, porém, não parecem afetar tanto os jovens ouvidos pelo Datafolha.
"Violência" é o terceiro maior medo, mas foi citado por apenas 13%.
Assalto
O número impressiona mais porque quase um de cada três jovens diz já ter sido assaltado. Diz ter sido vítima do mesmo crime a metade dos jovens das famílias com renda superior a R$ 4.150 por mês -dez salários mínimos.
Quando o Datafolha indaga sobre o medo de sair de casa, o quadro muda um pouco: 26% dos jovens dizem ter "muito medo" de sair de casa (18% no caso dos rapazes, 33% no caso das moças).
Mesmo assim, e obviamente, 74% dizem não ter "muito medo": 40% "não têm medo" e 34% têm "algum medo", o que dá a impressão de razoável tranqüilidade, dados os riscos de fato e a experiência real de violência dos jovens.
"Muito medo" de sair de casa é mais freqüente entre os casados (34%) e com filhos (33%) do que entre os solteiros (23%) e sem fi lhos (24%). De mais intrigante, os jovens nordestinos são muito mais temerosos (33% de "muito medo") que os do Sudeste (18%).
"Desemprego" é apontado como o maior temor de apenas 7% dos jovens; o medo de não encontrar trabalho é maior entre os que têm curso superior, o que parece compreensível, dadas as ansiedades dos recém-formados.
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ARTIGO
João Batista Ferreira
É preciso ser generoso
Ao longo de minhas décadas, formei um conceito sobre a juventude. Fiz-me otimista. A base do meu olhar sobre esse extraordinário segmento da aventura humana é colhida da convivência com jovens nas salas de aula e no consultório. A amostragem é pequena, pouco heterogênea, portanto não faz ciência, até porque são complexos os vetores de uma produção cultural. Mesmo assim, eu me fio nela e não me filio ao partido dos apocalípticos.
Juventude é o tempo da mais extraordinária revolução por que passa o ser humano. No corpo, na consciência, no campo sociofamiliar. "Não pode confiar em ninguém com mais de 30 anos." Metáfora, obviamente, que dá o que pensar.
É o segmento da vida humana de que se fala com uma acentuação quase sempre desaprovadora e pejorativa. "Avançando para trás", ouço os rótulos que marcaram as épocas por que passei, "juventude transviada, rebelde e opositiva, psicodélica, maconheira, festiva, riponga, revoltada, subversiva, drogada, alienada, geração perdida, careta" etc. Nunca se usaram jargões análogos para crianças e adultos.
Cedo aprendi a buscar uma compreensão desse momento glorioso e sofrido da alma juvenil. Dão sempre o seu recado, não sendo as gerações piores, iguais ou melhores que as outras, e sim diferentes. O que me interessa é a reviravolta que "as ondas da vez" trazem para a comunidade humana, sobretudo a partir das novas formas de linguagem e comportamento. Costumam deixar o "mundo de pernas para o ar". Há mais ganhos do que perdas.
O que há de novo na economia interna da juventude de hoje?
Pragmática, não pensa em aposentadoria, na estabilidade do emprego. Graduar-se é bom, mas não para a garantia certa da felicidade certa. Conjuga os verbos no tempo presente. Aspira a ser rica, mas não vai consumir todas as energias nisso. A fruição não pode ser adiada. A droga é normalmente usada ou para o relaxamento (maconha) ou para aumentar as energias (ecstasy). Os acontecimentos são "acontecências", ou seja, no instante mesmo em que aparecem se desvanecem.
Vinculativa, acredita em aliança amorosa que só se parte com a morte do amor ou que seja "eterna enquanto dure". Internauta, vive on-line com o mundo, por meio da inteligência que acontece na ponta dos dedos e na logística dos games. Caseira, onde mais mora do que vive com a família, sem autoritarismos.
Comprometida, cuida do corpo por razões de estética, sem preconceitos, e de saúde; sensibiliza- se com a natureza e é partidária da ecologia. Política não lhe faz a cabeça. A idéia de ruptura, criança versus adulto, dependência versus independência, submissão versus liberdade, continua como sempre existiu, mas faz-se de forma singular, não é violenta nem ideológica.
Inventiva, na linguagem, na música, na vida profissional. Cresce o número de "jovens empresários". No mercado financeiro, são imbatíveis. Inquieta, a inquietação é geral, sem um foco determinado, "o sonho acabou", "a promessa é vazia", "o mundo não está nada potável", portanto "eu que cuide de mim".
Inteligente, vai surgindo uma nova forma de coleta da informação, visitando a internet mais que as bibliotecas, lendo sínteses mais do que compêndios. Ser culto é um conceito vago. Avaliar essa inteligência, impossível fazê-lo agora. Ver-se-á depois.
Generosa, o outro existe, se comparecer. Sem culpa, nem sempre acata limites, o que deságua perigosamente no "tudo posso". Revolucionária, como toda juventude, dá o passo seguinte do próximo pedaço da história. Algumas reviravoltas extraordinárias, conquistadas por movimentos jovens anteriores, encampadas pela geração atual, como a questão da mulher, do negro, da religião, dos costumes, da sexualidade, do casamento, habitam o universo juvenil.
Enfim, com todos os cabíveis reparos, a juventude, com "som e fúria", com dor e amor, com medo e paixão, vai dando o seu recado. Um olhar generoso é capaz de perceber que, com todos os cacoetes, o recado é bom.
Ganhamos todos...
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JOÃO BATISTA FERREIRA, 70, é psicanalista
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família
Mãe é a mais amada
PAI FICA ATRÁS DE AVÓS E IRMÃOS NOS QUESITOS AMOR E CONFIANÇA
[Por Antônio Gois, da Sucursal do Rio, e Patrícia Gomes, Colaboração para a Folha]
Não tem pra ninguém. Nada contra pais, avós ou irmãos, mas, quando o assunto é confiança ou amor, é mesmo a mãe a figura mais lembrada.
Ao pedir que jovens tentassem traduzir, numa escala de zero a dez, o amor que sentem por cada um dos familiares, o Datafolha verificou que as mães receberam média 9,7.
No quesito confiança, a média é 9,4. As médias para pais, irmãos e avós também foram altas, mas sempre abaixo da das mães.
Para Maria Aparecida Vilhena, da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, é natural que a mãe apareça como figura de referência do jovem quando ele é questionado sobre o amor que sente. "Sobretudo nos primeiros anos de vida, a figura que a criança elege como de apego central tende a ser a mãe", diz.
A psicóloga clínica especializada em relações familiares Ana Cláudia Oliveira afirma que tanto afeto quanto confiança estão relacionados à presença: "Nossa constituição familiar é muito mais matriarcal. A mulher é quem organiza a casa, leva ao médico, ajuda na lição da escola".
Adriana Wagner, professora de psicologia da PUC-RS, lembra que essa situação independe de a mulher estar no mercado de trabalho -pesquisas comprovam que isso não diminui o trabalho feminino em casa.
Esse novo posicionamento da mulher, apesar de ainda não se traduzir numa divisão mais justa das tarefas domésticas, coloca em xeque o modelo tradicional paterno. Vilhena identifica três modelos de pais: um tradicional, outro ausente e um terceiro que, mesmo presente, tem dificuldade para achar seu lugar.
Para Oliveira, é preciso lembrar que o estudo foi feito com jovens de 16 a 25 anos. "Temos que olhar para 20 anos atrás." Se a pesquisa voltar a ser feita daqui a 15 anos, ela prevê outro resultado. "A confiança paterna deve aumentar."
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Nana e Naiara "contam tudo", menos detalhes
Quando Nana Terra, 22, reatou com o namorado, a mãe foi a primeira a saber. Na casa dos Terra é assim: tanto Nana quanto sua irmã, Naiara, 20, recorrem a Kátia, 40, quando têm alguma novidade, dúvida ou problema.
As irmãs são um exemplo dos 37% de jovens que disseram concordar totalmente com a afirmação "minha mãe é minha melhor amiga e eu conto tudo para ela" na pesquisa.
Mas será que contam tudo mesmo? Nana diz que o que ela chama de "contar tudo" é ter a liberdade para falar de qualquer assunto, mas também respeito ao abordar temas delicados, como detalhes sobre um namoro.
Fátima Padin, coordenadora do ambulatório de adolescentes da Uniad/Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que a preocupação em não contar tudo é saudável: "A filha tem que ter os seus segredinhos".
Para a professora da PUC-RS Adriana Wagner, ter diálogo não significa falar sobre qualquer assunto: "Quando chega uma cliente dizendo que é a melhor amiga da filha, eu pergunto: "Então quem é a mãe?'".
E essa é uma via de mão dupla, diz: "Nem os filhos devem dar detalhes de sua sexualidade nem os pais devem dividir questões conjugais íntimas".
Carla Nastari, 17, é um exemplo disso. "Minha mãe me orienta, eu converso com ela, mas ela não sabe de todos detalhes da minha vida." Elizabeth Nastari, 53, mãe de Carla e de Camila, 22, e Carolina, 25, é uma referência de confiança, e as filhas são unânimes ao falarem sobre o amor que sentem pela mãe. Carla, por exemplo, deu 11 para a pergunta "de zero a dez, quanto você ama sua mãe?" -1,3 ponto a mais do que a média apresentada pelo Datafolha. (PG)
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Má educação
Repetência deixa de ser exceção
MAIS DA METADE DOS JOVENS BRASILEIROS JÁ REPETIU O ANO; ÍNDICE DE REPROVAÇÃO É ALTO MESMO NAS CLASSES A E B
[Por Antônio Gois, da Sucursal do Rio, e Gustavo Hennemann, Colaboração para a Folha]
Um país que ostenta uma das maiores taxas de reprovação do mundo não poderia produzir outro resultado que não o revelado pelo Datafolha: mais da metade (54%) dos jovens brasileiros já repetiu o ano na escola.
Esse percentual é maior entre homens, nordestinos e mais pobres.
O problema, porém, não é restrito a esses grupos. Quase metade (44%) dos jovens das classes A ou B, por exemplo, já repetiu.
Índices tão altos talvez tivessem justificativa caso isso melhorasse a qualidade da educação brasileira. Não é o que acontece, como lembra Ruben Klein, da Fundação Cesgranrio. "Se repetência funcionasse, o Brasil teria indicadores maravilhosos na educação. A escola tem que funcionar para que todos aprendam e não sejam reprovados."
Para a professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Sílvia Colello, os altos índices de repetência resultam da falta de diálogo entre o jovem e a escola. "De um lado, há um jovem que não valoriza o saber. Do outro, escolas que dialogam pouco com a realidade do aluno. O saber tem de ter sabor. Um desafio dos professores é recriar esse sabor."
Giovanna Cappellano de Carvalho, 16, que repetiu o primeiro ano do ensino médio em um colégio privado de São Paulo em 2006, diz que a relação com os professores influencia muito no seu desempenho. "Se o professor dá uma aula que me envolve, presto atenção e faço o que ele pede."
Ela conta que brigava muito com a professora da disciplina em que reprovou. Mas assume sua responsabilidade. "Vi que estava perdendo tempo e amadureci."
O pai de Giovanna, Marcelo de Carvalho, 41, diz que, após a reprovação, decidiu mudar a filha de escola e matriculá-la em cursos técnicos. "Ela desenha bem, gosta de arte, de moda."
Para ele, a reprovação também teve efeitos positivos. "Você joga uma grana fora e expõe falhas no relacionamento com os filhos. Mas foi uma ruptura. Ela percebeu que a própria irresponsabilidade causou coisas ruins."
Apesar de concordarem que a reprovação deve ser combatida, diretores de escolas particulares de São Paulo afirmam que, em alguns casos, reter um estudante pode ser positivo.
"Uma reprovação não cai de pára-quedas", diz Fátima Trindade, diretora-geral do Colégio Pio XII. Ela considera que muitas vezes a reprovação faz o aluno rever decisões e escolhas.
Para o diretor-geral pedagógico do Colégio Dante Alighieri, Lauro Spaggiari, o aluno pode ganhar segurança e passar a render mais. "Quando a família e a escola apóiam, ele se sente mais forte e percebe que era necessário."
Coisa de menino
Os números do Datafolha mostram que os meninos repetem mais do que as meninas: enquanto 63% deles já reprovaram, entre elas o índice cai para 46%. "Temos uma cultura de escola primária que é mais feminina, que valoriza o asseio, o comportamento, enquanto o menino é mais beligerante, mais ativo", diz o coordenador do programa de pós-graduação em educação da USP, Romualdo Portela.
Sílvia Colello também vê influência cultural. "A mulher é mais incentivada a ser dócil e a lidar com as regras do jogo. Mas isso não signifi ca que aprenda mais", afirma a professora.
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Celular é usado na classe até para colar em provas
O celular já chegou à maioria (73%) dos jovens brasileiros e, com eles, às salas de aula -17% afirmam utilizá-lo nesse ambiente e 9%, para colar nas provas. O uso em sala é mais comum nas classes A e B (23% dos que possuem o aparelho) do que nas classes D e E (13%).
Escolas tiveram que criar regras para impedir que os aparelhos atrapalhassem as aulas. O Colégio Bandeirantes, de São Paulo, por exemplo, permite o uso no pátio e nos intervalos, mas o restringe em dias de prova. "Se o aluno estiver com o aparelho no bolso, já pode ter a prova anulada", diz o coordenador pedagógico, Onofre Rosa.
Ele conta que os professores tiveram de aprender a lidar com problemas envolvendo aparelhos eletrônicos.
Já o Colégio Piaget chegou a proibir o uso em qualquer local. "Eles recebiam ligações na sala e corriam ao banheiro para atender", diz a diretora pedagógica, Silvana Rodrigues. Hoje, porém, a escola permite que o aluno utilize o celular no pátio.
Segundo Regina Fleuss, do Colégio Notre Dame, do Rio, foi preciso adotar uma "tolerância zero". Ela diz que alunos e pais já entenderam que, caso precisem entrar em contato, devem usar o telefone da escola.
Querido mestre
Os jovens brasileiros fazem uma boa avaliação de seus professores e dão a eles, de zero a dez, uma nota média 8,1. Para a maioria (71%), o que se aprende na escola tem muita utilidade em suas vidas.
O percentual é ainda mais alto entre jovens das classes D e E. Eliane Ribeiro, professora da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz que a população pobre valoriza muito a escola porque sua rede de oportunidades é mais restrita. "Um garoto de classe média tem uma rede de amigos e familiares que o ajudará a encontrar um emprego. Para um jovem mais pobre, isso é mais difícil." (AG E GH)
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gravidez
Aborto - só as amigas fazem...
UM TERÇO DAS MULHERES CONHECE ALGUÉM QUE ABORTOU, MAS APENAS 4% ADMITEM TER FEITO O PROCEDIMENTO
[Por Patrícia Gomes, Colaboração para a Folha]
Trinta e três em cada cem jovens brasileiras conhecem alguém que fez aborto, mas só 4% admitem ter recorrido ao procedimento.
Essa diferença mostra, para Rebeca Silva, professora da Unifesp, que pode haver subnotificação nos dados: "É difícil falar sobre aborto, as pessoas omitem".
No Brasil, o aborto só é permitido em caso de estupro e de risco de vida para a mãe, mas, mesmo em países onde o procedimento não é crime, a subnotificação chega a 50%.
Pelas contas de Silva, se 30% das jovens disseram ter uma amiga que fez aborto, esse valor deveria corresponder também às que abortaram -já que, numa amostra grande, a superposição de dados (pessoas que conhecem a mesma jovem que abortou) não faz diferença.
Segundo a pesquisa, o percentual de mulheres que admitem ter abortado pula para 7% na faixa etária dos 22 aos 25 anos. Para a professora Greice Menezes, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), uma explicação é que é geralmente nessa idade que a mulher tem uma atividade sexual mais intensa e, portanto, está mais suscetível a engravidar. Outra explicação seria o fato de pessoas mais novas terem mais dificuldade em admitir o aborto.
Também chama a atenção o percentual maior de abortos entre mulheres com renda familiar superior a dez salários mínimos: 9%. Segundo Menezes, apesar de essas moças engravidarem menos, elas recorrem mais ao aborto em caso de gravidez não planejada.
Silva diz que os dados confirmam o perfil da mulher que opta pelo aborto: "São jovens, que estão no meio de um projeto de vida, como a faculdade ou o início da carreira".
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Sociedade
e
Jovem se organiza na igreja
PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS BATE DE LONGE A REUNIÃO EM GRUPOS POLÍTICOS
[Por Juliana Lugão, Colaboração para a Folha]
O som ensurdecedor dos acordes da guitarra era acompanhado pelas cabeças que balançavam ao mesmo ritmo das batidas do baterista e de uma letra que não se entendia muito bem. A cada intervalo da música, uma mensagem de amor a Jesus Cristo. A noite se estenderia madrugada adentro, com poucas variações entre os shows do Crash Social Concert, organizado por membros da Crash Church.
Talita Floriano, 18, não estava lá por causa da música -ela prefere hard rock dos anos 1980-, mas porque se sente bem no meio daquela galera. Ela faz parte dos 39% de jovens que declararam se organizarem em igrejas, segundo a pesquisa Datafolha.
Na "Crash", Talita pode se vestir como gosta. Filha de fundadores de uma igreja batista, ela está cada vez mais próxima do ministério underground e tem o sonho de ter uma loja na Galeria do Rock. Uma loja evangélica.
Diferentemente dos membros da Crash Church, que acreditam que Jesus era underground e se vestem, em sua maioria, com roupas pretas e soturnas, na Bola de Neve Church os meninos aparecem de bermuda florida, as meninas com vestidinhos e o pastor de topete. No templo, fotografias de surfistas num tubo não fazem parte de um conceito religioso: é apenas questão estética.
A adesão é tanta que a fila na porta da sede da "Bola", em Perdizes, São Paulo, chega à rua no intervalo entre cultos aos domingos. Ao entrar no templo, vê-se um auditório para cerca de 2.000 pessoas e uma prancha de surfe no lugar do altar -uma alusão ao início dessa congregação religiosa, que começou dentro de uma loja de "surfwear".
Depois de uma oração fervorosa, com rostos apertados, olhos de sofrimento e uma salva de palmas -para Jesus-, luzes são diminuídas e um set de cinco músicas, com direito a performance de dança, inicia o culto. As músicas têm melodia fácil e as letras de louvor a Cristo aparecem no telão para que até quem está lá pela primeira vez possa cantar junto.
A Bola de Neve Church, segundo o pastor do culto do domingo, começou como uma igreja 100% jovem e hoje é "só 70%". Muitos jovens acabaram levando os pais.
Talita Floriano, meio batista renovada, meio underground, vê a diversidade de cultos com bons olhos. "É necessário que haja essa diversificação para que cada um se sinta bem." Manuel Rodrigues de Souza Jr., professor de crisma na paróquia de São Judas, percebe que os jovens vão à igreja com mais vontade.
Segundo o professor, na época em que começou a formar crismandos, a procura era maior. Mas quase todos iam para cumprir uma obrigação. Hoje, ele diz notar menos jovens que estão ali por determinação dos pais.
Em um retiro dominical na chácara da própria paróquia, a maioria estava lá por determinação familiar, mas todos pareciam bem à vontade com os amigos que encontraram ali, com as paqueras que começavam e os temas discutidos.
É o caso de Guilherme Fiorentini, 16. Por sugestão dos pais, ele entrou junto com sua irmã, Mariana, 13, para as aulas que os preparariam para a crisma. Falante e combativo, Guilherme sempre coloca seu ponto de vista nas conversas.
Seu maior sonho é ter uma ONG que ajude as pessoas que não têm educação. Fã de Raul Seixas, tem medo de que o mundo se transforme em um grande parque de concreto, sem áreas naturais. Nada de muito diferente da maioria dos jovens -por mais que ele não acredite nisso.
O padre Darcy Augusto, que foi ao festival de música eletrônica Skol Beats em 2006 a convite da Folha e declarou que Deus estava lá, afi rma que a Igreja Católica já consegue manter os jovens fiéis. O desafio, acredita ele, é fazer com que eles venham até ela. Falta inventar a igreja do eletrônico?
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Valores
Mini adultos
JOVENS TÊM AS MESMAS OPINIÕES QUE O RESTO DA POPULAÇÃO EM RELAÇÃO A TEMAS POLÊMICOS
[por André Lobato, colaboração para a Folha]
O jovem brasileiro de hoje dá mais valor a religião, estudo, trabalho e família do que há dez anos e pensa de forma muito parecida com o restante da população sobre a descriminalização da maconha, a redução da maioridade penal, a pena de morte e a lei do aborto.
Para especialistas, ele tem poucos conflitos com a geração anterior, gosta de se divertir e se preocupa com a inserção social pelo trabalho. Ana Paula Oliveira, 22, diz que a família é a coisa mais importante de sua vida; depois, o trabalho, que paga sua faculdade. É madrugada em uma rave em Guapimirim (RJ) e ela dança segurando uma bandeira do Brasil. Como 72% da juventude brasileira, ela acha que a maconha não deveria ser descriminalizada.
A poucos metros dela, Jennifer, 21, mãe de um bebê de um ano, diz-se a favor da manutenção da lei do aborto. Ela acha, porém, que sua amiga Suelen Crisostomo, 20, não deveria ser presa caso recorra ao método. Para Suelen, a lei deveria ser revista: "É decisão de cada um".
Danielle, 24, diz já ter usado várias drogas e, por "saber o mal que fazem", é contra a descriminalização de todas, com exceção da maconha, que parou de fumar por ter ficado "viciada".
Universitários, Guilherme Souza, 22, e Bruno dos Santos, 25, discordam quanto à redução da maioridade penal. Guilherme é "totalmente a favor", embora não saiba qual seria a idade ideal. Bruno acha "um absurdo", pois "não resolve".
Longe da rave, em São Paulo, Fernanda Lima, 18, é contra a descriminalização do aborto e a pena de morte e a favor da redução da maioridade penal. Ela faz curso de produção cultural na Cufa (Central Única das Favelas). "Esse mundo já está muito perdido, muita liberação vai acabar estragando", acredita.
Politizados
Apesar de ter opinião semelhante ao restante da população sobre temas polêmicos, a juventude brasileira é mais escolarizada e politizada. Quase metade (47%) dela diz acompanhar o noticiário político e 37% se diz de direita, contra 28% de esquerda.
O jovem Marcus Vinícius Santos, 20, afirma que é de direita e que ser de esquerda é ser "do contra". Ele se diz politicamente ativo e considera Lula um ídolo.
Segundo Gustavo Ventura, cientista político da USP (Universidade de São Paulo), a população brasileira é "tradicionalmente conservadora" e com pouco histórico de associativismo. Ele afirma que a "juventude está buscando novas formas de organização" e que os movimentos culturais são uma opção.
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Jovem era careta nos loucos anos 60
Quase se estava entrando no ano mítico de 1968 -era setembro de 1967- e a também mítica revista "Realidade", hoje extinta, publicou um perfi l inédito da juventude brasileira. Foi uma ótima oportunidade para mostrar que aqueles tempos fabulosos, de heróis revolucionários com suas mocinhas emancipadas, eram isso mesmo: tempos fabulosos. A pesquisa, feita com mil brasileiros entre 15 e 24 anos, mostrou que a juventude real estava a anos-luz daquela que queria tomar o poder.
Foi pedido que os entrevistados completassem a frase "você considera a virgindade de sua futura esposa ou marido...."; 44% disseram ser "essencial". Outros 21%, desejável. Só 13% a consideraram "desnecessária". Mas os defensores do amor livre estavam lá: para 4%, a virgindade era "prejudicial".
O Brasil vivia sob uma ditadura. Mesmo assim, 44% dos entrevistados se consideravam "a favor" do governo. E, se você acha que todo "brotinho" era "moderno", saiba que 3 em cada 4 entrevistados achavam que a mulher não deveria trabalhar.
Em 1968, durante um festival, Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram a música "É Proibido Proibir". Vaiado, Caetano reagiu perguntando: "Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?" Não era, como mostrou a pesquisa da "Realidade". (LAURA CAPRIGLIONE, DA REPORTAGEM LOCAL)
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Pátria
42% sairiam do país
MESMO COM A AMEAÇA DO SUBEMPREGO, JOVENS BRASILEIROS TÊM ESPERANÇA DE VENCER EM PAÍSES DO PRIMEIRO MUNDO
[Por Juliana Lugão, Colaboração para a Folha]
As longas esperas, muitas vezes em vão, para conseguir um visto para os EUA e a nova lei contra a imigração ilegal aprovada pelo Parlamento europeu comprovam: sair do Brasil e morar no exterior parece cada vez mais difícil.
Segundo o texto da nova lei européia, um imigrante ilegal pode ser detido por até 18 meses e proibido de voltar a qualquer país do bloco por até cinco anos.
Mas nada disso parece assustar os 42% de jovens brasileiros que, segundo o Datafolha, querem sair do país -e ficar para sempre fora das fronteiras tupiniquins.
Para Bruna Nunes, 27, que faz mestrado em Bilbao, na Espanha, muitos dos brasileiros que querem deixar o país têm a ilusão de que a vida no exterior será fácil. A jovem, que já lavou pratos e foi camareira em Barcelona, diz que as condições sociais não são tão igualitárias quanto se imagina no Brasil, mesmo para quem está em situação legal.
Além do problema da inclusão social, há as questões financeiras e a dificuldade de encontrar um trabalho fora do subemprego para quem não tem cidadania européia.
A brasileira Marcela Canavarro, 25, que mora em Nova York, compartilha da opinião de Bruna. Segundo a jornalista, os nova-iorquinos falam do Brasil como o "país pobre que deu certo", e ela própria se surpreendeu ao ouvi-los dizer que deve ser o melhor país do mundo para morar. Marcela afirma ter mudado sua perspectiva sobre o Brasil.
Subemprego
Quando, em 2001, Isabella Bolfarini, 29, formou-se em direito, resolveu se especializar em direitos humanos, área ainda incipiente no Brasil, e acabou fazendo mestrado na Bélgica e doutorado em Paris. Para se sustentar, fazia faxina. A flexibilidade do subemprego era, para a jovem, a melhor forma de poder estudar.
Nina Serebrenick, 23, também saiu do país em busca de um tipo de educação diferente da brasileira. Ela, que considera "a educação de arte no Brasil muito tradicional", foi em 2006 estudar em Londres numa academia de arte. "É para você ser um artista, e não um especialista em arte." Hoje em Amsterdam, Nina já trabalhou numa padaria e começou há pouco tempo numa loja de relógios.
Diferentemente dos jovens ouvidos pela pesquisa Datafolha, Nina e Isabella saíram do país com o objetivo de voltar. "Se eu tivesse certeza de que no Brasil existe uma escola de arte tão boa quanto as daqui, nem teria saído", diz Nina.
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Aparência
Cada vez mais feios e gordos
EM COMPARAÇÃO COM A ÚLTIMA DÉCADA, INSATISFAÇÃO COM APARÊNCIA E PESO AUMENTOU CONSIDERAVELMENTE
[Por Carolina Araújo, colaboração para a Folha]
Poderia ser uma boa notícia o fato de que 6 em cada 10 jovens brasileiros estão muito satisfeitos com a própria aparência. Mas não é.
Há 11 anos, o Datafolha perguntou aos jovens brasileiros se eles se sentiam felizes com a aparência e registrou que 82% estavam muito satisfeitos com o que viam diante do espelho. A mesma pergunta foi feita agora e o grupo dos que se consideram muito satisfeitos caiu 23 pontos percentuais.
O descontentamento é maior entre as garotas -44% se dizem pouco satisfeitas e 6%, nada satisfeitas com a aparência. As meninas de 16 e 17 anos representam o auge do dissabor: 7% delas estão totalmente insatisfeitas.
Como não é provável que a feiúra tenha se tornado uma epidemia ao longo dos anos, por que os jovens estão se sentindo mais infelizes com a própria aparência? Segundo especialistas, trata-se de uma questão social.
Padrão de beleza Para a psicóloga Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC Rio, o padrão de beleza atual impõe que o jovem seja magro, "sarado" e bronzeado. "Tantas exigências geram uma relação infeliz com o próprio corpo", diz ela, que é autora do livro "O Intolerável Peso da Feiúra".
Segundo a psicóloga, a infelicidade se agrava devido à diferença de tratamento que a sociedade impõe ao "feio" e ao "bonito". Enquanto a beleza é um meio de ascensão social no Brasil, quem é considerado feio se torna vítima de um preconceito socialmente aceito, pois é permitido que se recrimine a aparência do outro.
Já a antropóloga Mirian Goldenberg -autora de "O Corpo Como Capital" e professora do departamento de antropologia social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)- não acredita que o jovem esteja se sentindo mais feio, mas, sim, inadequado em relação ao padrão de corpo valorizado pela sociedade.
Contudo, segundo Goldenberg, a juventude atual é a primeira geração que cresceu sabendo que há meios para se adequar ao padrão: vestir-se de acordo com a moda, investir em tratamentos estéticos, recorrer a cirurgias plásticas etc.
E mais gordo também Colocar os pés em uma balança pode ser um sacrifício para metade dos jovens brasileiros. Foi esse o percentual de entrevistados que disseram ao Datafolha que não estão satisfeitos com o próprio peso.
Comparando os resultados com 11 anos atrás, o número de jovens muito satisfeitos com o peso caiu de 61% para 50%. . Outra vez, a maior insatisfação se verifica entre as garotas, com o ápice do descontentamento entre as que têm de 22 a 25 anos: 26% estão insatisfeitas com o peso.
Para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, a insatisfação com o peso reflete uma realidade preocupante. A entidade mapeou a obesidade no Brasil em 2007 e concluiu que, entre os jovens de 18 a 25 anos pesquisados, dois terços estão acima do peso e 5% são obesos.
Porém, outro fenômeno preocupa os especialistas: o descontentamento com a balança ultrapassa o universo dos jovens que realmente têm problema de sobrepeso.
Essa foi uma das conclusões de uma pesquisa recém-realizada por alunos de pós-graduação em psicologia hospitalar do Hospital das Clínicas de São Paulo com 757 universitários da área de saúde com idades entre 17 e 26 anos.
Dos entrevistados, 44% afirmaram já terem utilizado algum método para emagrecer, 20,5% já tomaram alguma fórmula para emagrecimento e 14% usaram laxantes ou diuréticos para perder peso. Além disso, 8% disseram já ter provocado vômitos após as refeições com o intuito de emagrecer.
Para o psicólogo Niraldo de Oliveira Santos, coordenador do estudo, os números surpreendem porque 8 em cada 10 estudantes consultados eram magros ou tinham peso normal em relação à altura e à idade.
Surpreendem ainda mais porque, em teoria, os estudantes da área de saúde deveriam ser bem informados sobre cuidados com o corpo. "O que se teme é que, se considerado um universo maior de jovens, o panorama possa ser ainda mais preocupante", diz Santos.
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ARTIGO
Mayra Dias Gomes
Uma garota precisa ser incrivelmente magra para caber naquele vestido da nova coleção da Triton. Precisa ser incrivelmente magra para estar aos pés das celebridades bem-sucedidas do momento. Mesmo que sejam celebridades famosas justamente por não fazerem nada.
Celebridades que representam a imagem da mulher e do homem glamourosos do século 21. Aqueles que estão por dentro das tendências que mudam de forma e de cor segundo as estações.
O boom da tecnologia no fi nal dos anos 1990 não fez somente com que a informação pertencesse a todos, mas também com que houvesse informações demais, rápido demais. As pessoas se acostumaram com as soluções instantâneas e se tornaram mais imediatistas e incapazes de lidar com as frustrações.
Passaram a se sentir mais insatisfeitas. Seja com os relacionamentos amorosos, seja com a auto-estima, seja com as peças no armário. Isso certamente as tornou mais receptivas ao sistema ditatorial imposto pelas indústrias de moda e de estética.
Sistema que promove suprimentos de angústia que não realizam suas promessas. Para as insatisfações físicas, há sempre a cirurgia plástica.
Para ter os seios da Scarlett Johansson, a barriga da Gisele Bündchen ou o nariz e a boca da Angelina Jolie. Mesmo possuindo belos corpos, muitos se submetem à faca para se igualarem a padrões estabelecidos em revistas ou na TV. Preferem reclamar ou se mutilar a se exercitar, pois sabem que o resultado virá com mais rapidez. Não há como lidar com o longo prazo.
Dia após dia, convivemos com a idéia de que certas compras são verdadeiros investimentos e, ao realizá-las, tornaremo-nos seres humanos mais completos. Deixamos nos enganar pelas abordagens inteligentes que mexem com nossas inseguranças. Caímos de boca no anzol e nos sentimos cada vez menos felizes.
Por não termos aquela quantidade de dinheiro, aquele corpo invejável, aquela fama toda. Não que isso seja necessário para o ser humano. É somente imposto pela sociedade moderna.
Segundo o filósofo alemão Schopenhauer, o prazer nada mais é do que o momento fugaz de ausência de dor. Não há satisfação durável. É desse princípio pessimista que se alimenta a indústria do consumo. O que importa não é encher uma casa de bens, mas jogá-los fora quando deixarem de trazer emoções novinhas em folha.
A mesma idéia pode ser ilustrada com um shopping center, criado para proporcionar sensações excitantes que existem somente durante a estadia do comprador no estabelecimento.
Mesmo quando o consumidor adquire um celular que servirá para conectá-lo em movimento, está fazendo uma compra datada. O aparelho logo sairá de linha e será trocado por outro com a mesma utilidade e algumas funcionalidades banais a mais. Só o visual será diferente.
É a obsolescência planejada, ou, em outras palavras, tática de marketing. É preciso fazer com que os renegados da sociedade de consumo sintam-se como fracassados. Só assim permanecerão sensíveis o suficiente para acreditar em tantas falsas promessas.
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MAYRA DIAS GOMES, 20, é autora do romance "Fugalaça" (Record)
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Elas só pensam em plástica
42% DAS MULHERES E 16% DOS HOMENS QUEREM AUMENTAR UM POUQUINHO AQUI OU DIMINUIR UM TANTINHO ALI
[Por Carolina Araújo, colaboração para a Folha]
Elas têm muitas coisas em comum. Além da idade -20-, de estudarem direito juntas e de terem nomes que rimam, as amigas Veridiana e Mariana dividem uma outra coisa: o cirurgião plástico.
Em julho de 2006, Mariana Martines colocou uma prótese de 260 ml de silicone nos seios. "Nunca fui paranóica, mas já tinha 18 anos e meu peito não crescia", lembra. Um ano depois, acompanhou a amiga ao mesmo médico.
Veridiana Machado, então com 19, submeteu-se a uma lipoaspiração na barriga, no culote, nas costas e nas pernas, apesar de amigos e familiares acharem que ela não precisava.
E, em breve, elas vão ter ainda mais coisas em comum: Mariana quer fazer uma lipo, inspirada no resultado da cirurgia da amiga. Já Veridiana, adivinhe? Quer colocar prótese de silicone nos seios, como Mariana, e fazer outra lipo. "Mas não sei se o médico vai concordar", desconfia.
Satisfeitas com o resultado, as garotas não se incomodam em contar que fi zeram plástica. "Quase não existe beleza natural hoje. Para que esconder?", pergunta Veridiana. "Acho ridículo quem esconde que fez. É uma coisa comum, todo mundo faz", diz Mariana.
Não é bem assim. Apesar de 42% das jovens brasileiras quererem fazer plástica, só 2% delas já entraram na faca. Entre os meninos, o número de operados é igual, mas bem menos gostariam de se operar: 16%.
O segmento que mais quer fazer a cirurgia é o das mulheres entre 22 e 25 anos: 48%. Os resultados da pesquisa são notados nos consultórios. A insatisfação com o próprio corpo e a preocupação em se aproximar do padrão de beleza ideal têm levado um número significativo de jovens a recorrer ao bisturi.
Segundo a SBPC (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), 13% das mais de 616 mil plásticas realizadas no Brasil em 2004 foram feitas em adolescentes de 14 a 18 anos. A entidade repetirá a pesquisa em 2008 e acredita que esse percentual terá aumentado.
Para o presidente da SBCP, José Yoshikazu Tariki, o número crescente de plásticas é resultado da maior divulgação sobre a cirurgia e da vaidade típica da juventude.
Já o cirurgião plástico Dov Goldenberg acredita que o desejo pela plástica é resultado da hiperindicação e de uma simplificação de seus riscos. O problema, para a cirurgiã plástica Alessandra Grassi Salles, é que grande parte dos jovens não tem maturidade emocional para encarar mudanças no próprio corpo.
"A cirurgia plástica parece ser um caminho fácil, mas é uma solução imediatista", diz. Para ela, o que os pais e os médicos devem procurar saber é por que o jovem está insatisfeito com seu corpo.
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Sexo
Virgem depois dos 20 anos
22% DAS MULHERES ENTRE 16 E 25 DIZEM NUNCA TER TRANSADO; É O CASO DE CAMILE, 20, QUE ABASTECE AS AMIGAS COM E-MAILS CONTANDO SUA "SAGA"
[Por Maurício Horta, Colaboração para a Folha]
"A mulherada está atacada hoje em dia! Acho que é falta do que fazer", gargalha Camile Liguori, santista de 20 anos e última virgem da turma. "Comecei a 'ficar' aos 13. Nunca fui santa nem quero casar virgem, mas sempre exigi que, na primeira vez, fosse fazer amor, e não sexo", diz a estudante de jornalismo.
Camile faz parte dos 22% de meninas brasileiras que nunca transaram. Mas por pouco tempo, espera ela. Há quatro meses, numa micareta da Universidade Mackenzie, encontrou o mítico "cara certo". Espera ele.
"Durmo na casa dele quatro dias por semana e ele sabe que, quando eu estiver preparada, vai ser ele. Agora é uma questão de tempo." Camile narra para as amigas sua preparação por e-mails, sempre intitulados, de forma bem-humorada, "A Saga de uma Virgem".
"O que vim contar hoje é: comecei a tomar pílula! Essa notícia é muito importante, já que eu só daria inicio à coisa toda quando estivesse prevenida. Um passo, de gigante, foi dado. No próximo e-mail conto como foi minha ida ao ginecologista", diz uma das mensagens.
Conforme o Datafolha, 11% dos rapazes são virgens -a metade da porcentagem entre moças. Se, aos 16 e 17 anos, eles são 32%, o número cai para 1% quando passam dos 22 anos. Ederson Vertuan, 24, ou Poeta, como é conhecido o mestrando em letras da Universidade Estadual de Londrina, está entre essa minoria. E não é que falte oportunidade.
"Duas meninas começaram a freqüentar minha casa para me persuadir a um contato mais íntimo. Deixei claro que não estava a fi m", diz o rapaz, que é guitarrista da banda de death-doom metal Feretro.
Acostumado aos gritos da platéia, o cabeludo evita olhar diretamente para as fãs. "Não quero mostrar fraqueza, que preciso [de sexo]. Por trás disso, há um medo meu de amar." Três meses de aquecimento Seja como for, o tempo entre começar o namoro e transar está diminuindo, na opinião de Albertina Duarte, coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
"Se, nos anos 90, as jovens perdiam a virgindade depois de um ano de namoro, em 2000 esse tempo caiu para menos de quatro meses e, em 2007, para menos de três", diz. Um terço dos virgens afirma guardar-se para o casamento. Essa é a intenção de 20% dos meninos e de 40% das moças virgens -assim como a de metade dos evangélicos e de um quarto dos católicos.
Poeta está entre os católicos. "Quero achar alguém com planos de construir uma vida juntos. Nessa parte, assumo minha fé católica", afirma o singular roqueiro.
Ele diz não sentir falta do sexo. "É algo que não conheço. Mais falta sinto de uma companhia. A pessoa só terá a chave do meu corpo se abrir o meu emocional. Senão, como diz Machado de Assis, o orgasmo será apenas uma dor bastarda", conclui o Poeta. Poeticamente.
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Laís, 15, olhou para os pêlos loiros de Lucas, 14. Então...
Lucas (nomes fictícios), na época com 14 anos, começou a ver com outros olhos sua vizinha Laís, 15, desde que ela comentara, depois da natação, sobre os pêlos loiros que cresciam abaixo do umbigo dele.
Era verão e a tensão sexual entre os dois adolescentes crescia até um dia em que foram ver o filme "Mudança de Hábito" na casa dela. "Imagina ser uma freira! Não podem fazer sexo!", disse Laís. "Mas sentiria falta? Você nunca fez!", retrucou o garoto. "Nem você. Mas, no dia em que fizer, acho que vou gostar", respondeu a amiga.
Em seguida, estavam deitados na cama dela -"filme chato", concordaram. Entre ursinhos de pelúcia e com o coração disparado, Lucas deu-lhe um beijo. Desajeitado, sem usar camisinha nem chegar ao orgasmo -ela sentia muita dor-, o garoto entrou para as estatísticas brasileiras.
Segundo o Datafolha, meninos perdem a virgindade aos 14,7 anos; já as jovens, aos 16,3. "Eu não tinha a menor técnica. Achei até um pouco nojento", diz Lucas. Ele está longe dos 67% dos homens e dos 51% das mulheres que consideram a primeira vez boa ou ótima.
Para o ginecologista Alexandre Pupo, do Hospital Sírio-Libanês, mulheres tendem a ter a primeira relação com um namorado por buscarem estabilidade e se apegarem emocionalmente. "Às vezes, ela acha que está namorando, ainda que tenha sido um relacionamento de uma semana. Já o menino vai dizer aos colegas que 'pegou essa aí'."
A corretora de café Milena, 23, que hoje já transou com mais de 200 homens, estreou com um "fi cante", aos 14. "Imaginava que a primeira vez fosse mágica, que as roupas deslizassem sozinhas. Mas não foi. Detestei."
Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, acredita que o "ficar" passa por uma mudança. Antes, embora esse hábito aumentasse a quantidade de relacionamentos, chegava- se menos à consumação sexual. Porém, hoje esse limite foi derrubado.
Para a psiquiatra, o comportamento sexual do jovem é resultado da inserção profissional das mulheres. "Com o casamento retardado, não há mais como aguardar a iniciação sexual. As meninas tiveram uma queda de até cinco anos, contra um ano entre meninos. Agora, os dois começam quase juntos." (MH)
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Consumo
Ah, como gastam
69% DOS JOVENS ADMITEM SER CONSUMISTAS; MODA É IMPORTANTE PARA 70% DELES
[Por Carolina Araújo, colaboração para a Folha]
Os pais já perceberam e reclamam. Os especialistas em comportamento listam vários motivos para o fenômeno -desde falta de autoestima até gosto por novidades. Mas agora é a vez de os próprios jovens admitirem: "Somos consumistas mesmo!".
Para economizar sem abdicar das compras, a estudante carioca Camila Florez, 18, chegou a trabalhar, por alguns meses, em uma loja de um shopping no Rio de Janeiro, onde podia comprar modelos com desconto.
O guarda-roupa cheio motivou Camila e a amiga Roberta Moulin, 18, a criarem o blog "Reciclando Moda", onde vendem peças que compraram e nunca foram usadas. "Já vendemos muita coisa", comemora Camila, que gasta parte do dinheiro recebido em... roupas.
Para Guilherme Lemes, 19, as compras se tornaram um problema. Ele gastava todo o dinheiro dado pela mãe em compras. Tinha até camisetas iguais compradas em ocasiões diferentes.
"Sinto prazer em comprar, mas, quando percebi, tinha 40 calças jeans e só usava quatro", conta. Hoje, ele faz terapia para tratar o que diz ser consumismo compulsivo. Algumas calças jeans inativas já foram herdadas pelos primos ou vendidas.
Segundo a publicitária Rita Almeida, especialista na área, existem dois padrões de consumo dos jovens. O consumo entre os teens é impulsionado pela necessidade de adequação ao modelo de comportamento imposto pela turma de amigos. Mas a faculdade e a entrada no mercado de trabalho tornam o jovem mais preocupado em se tornar adulto.
Não há uma ruptura entre os dois momentos, diz Rita, mas a mudança nos interesses e no padrão de consumo é visível. "A idade os torna mais conscientes em relação ao consumo. A entrada na faculdade é um marco fundamental, pois os conflitos internos mudam completamente", afirma.
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Conexão
Internet persegue TV
MENINOS MAIS NOVOS JÁ PREFEREM A REDE À TELEVISÃO
[Por Giulliana Bianconi, Colaboração para a Folha]
A TV ainda é a principal fonte de informação para o jovem brasileiro, mas ele se tornou multimídia.
Essa é a opinião de Maria Regina Mota, doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP, após analisar dados do Datafolha.
A pesquisa revela que 98% dos jovens assistem à TV 3,4 horas por dia, embora esse veículo venha caindo na preferência dos jovens e a internet esteja subindo. "Esse número não me impressiona, pois não significa que o jovem passe todo esse tempo na frente da televisão sem fazer outra coisa. Ele pode deixar a TV ligada enquanto navega na internet. O que acontece é que, com a disponibilidade dos meios, o jovem se tornou multimídia", diz Mota.
A comparação com dados do Datafolha colhidos em São Paulo em 2000 mostra que, enquanto na época 45% dos jovens disseram ter a TV como veículo de comunicação preferido para se informarem, hoje 33% afirmaram o mesmo. Já com a internet nota-se um processo inverso.
O número dos que disseram ter a rede mundial como principal veículo subiu de 11% para 26%. A média de tempo gasto na web diariamente é de 2,5 horas.
Mas já há faixas e classes sociais em que a internet lidera. Os meninos com idade entre 16 e 17, assim como os de 18 a 21, disseram preferir a internet. No primeiro grupo, a rede ganhou por 33% a 30%. No segundo, por 35% a 31%.
Para os jovens das classes A e B, a internet é o meio de comunicação mais importante, com larga vantagem em relação à TV (43% a 26%).
Na classe C, a realidade é outra: a TV tem 33% da preferência contra 21%. Nas classes D e E, são 42% para a TV e só 10% para a rede.
Juliano Marques, 18, classe A, é um dos que ratificam os números acima. Ele diz acessar a web todos os dias em busca de informação. Para Juliano, a TV é sinônimo de entretenimento. "A diferença é que, na internet, eu posso pesquisar na hora em que eu quiser. Na TV, não dá para mudar o horário da programação", diz.
Cristiano Nabuco de Abreu, doutor em psicologia, argumenta que, além de permitir que o jovem vasculhe várias coisas ao mesmo tempo, a internet seduz pela perspectiva do controle. "Os que passam a ver a programação da TV no computador têm a sensação de manipular o que lhes interessa e de não serem reféns da mídia."
Jornais lideram no meio impresso
Entre os veículos impressos, os jornais deram um banho nas revistas: foram citados como meio preferido de informação por 19% dos jovens brasileiros, enquanto as revistas tiveram apenas 3% das respostas. O rádio é o principal meio informativo para 16% e a TV paga, para 2%.
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Rodolfo - "Acessar na LAN house é mais zoeira"
Quando voltou da escola e soube que o microônibus no qual trabalha como cobrador estava quebrado, Rodolfo Rocha, 16, almoçou e correu para a LAN house que costuma freqüentar no Capão Redondo, bairro de periferia da zona sul de São Paulo.
O ambiente "descolado", com porta grafitada, paredes laranja e computadores pretos, já estava cheio. Todos os dez clientes eram jovens e estavam conectados à internet. Pela hora navegada, pagavam R$ 1,50.
Na pesquisa Datafolha, esses jovens fazem parte dos 57% que disseram acessar a internet fora de casa. Dos meninos de 16 e 17 anos, como Rodolfo, 76% afirmaram o mesmo. Em casa, Rodolfo possui computador, mas sem internet.
Afirma, porém, que, mesmo que tivesse, não deixaria de freqüentar a LAN house. "É bem melhor aqui, que é a maior zoeira. Em casa, eu ia ficar sozinho. Não teria graça." Pseudo-socialização A alguns metros dali, em outra LAN house, o atendente João Cairo, 20, diz que conhece jovens que vão ao local mesmo tendo acesso domiciliar à internet.
Apesar da afirmativa de Cairo, ainda são minoria, nas classes D e E, os que se conectam à internet em casa (2%). Entre os jovens da classe A, o índice é de 67%.
Isso não quer dizer, porém, que os jovens ricos não freqüentem LAN houses, mas que têm mais possibilidade de escolha, pois 56% deles afirmaram que se conectam fora de casa (o número não inclui ambiente de trabalho).
Para a psicóloga Dora Sampaio, do Ambulatório de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (SP), a presença constante em LAN houses favorece uma pseudosocialização. "A pessoa busca um outro espaço de convivência, mas continua imersa no mundo virtual."
Sampaio, que integra um projeto voltado a pessoas viciadas em internet, nota que o tema LAN house vem se tornando mais freqüente entre os jovens que chegam buscando ajuda. (GB)
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ARTIGO
André Forastieri
Armas adultas
O jovem brasileiro quer saúde. Quer estudar e ganhar dinheiro. Quer ser feliz no trabalho e no amor e quer ir para o céu quando morrer. Parece bom e parece pouco. Nosso acomodamento adulto exige um jovem todo idealismo e rebelião, que roube dos deuses as chamas da utopia e incendeie tudo que há de velho e podre. Contanto que não seja nosso filho, claro.
Nesses valores pragmáticos se igualam classes de A a E, brancos e mulatos, manos e minas. A pesquisa Datafolha dá voz a uma geração pé-no-chão. Mas mais sofisticada do que parece à primeira vista.
Fácil dispensar esse conjunto de valores como mera lavagem cerebral da sociedade do hiperconsumo. Mas a cartilha emplacou por duas razões. Primeiro porque a garotada, já miserável, tem justificado pavor de mais miséria. É pobre de dar dó: 73% têm renda familiar abaixo de cinco salários mínimos. Esse valor inclui o salário do próprio jovem -60% trabalham, dos quais 77% ganham até dois salários mínimos. O que sobra (?!) vai para roupa, sapato, sanduba, xampu, a conta do celular e uma cerveja no sábado.
Esses são os felizes. Porque um em cada cinco está desempregado. Em 2005, quase metade dos desempregados do Brasil tinha entre 15 e 24 anos. A quantidade de jovens desempregados subiu 107% entre 1995 e 2005. A segunda razão por que o jovem acredita que se dar bem só depende de você é que ele é muito bem informado. E não só porque 74% acessam a internet. Esta geração absorveu organicamente o que o mundo nos ensina todo dia.
Para sobreviver, é preciso jogar o jogo. Complemento fundamental: as regras que valem para os outros não necessariamente valem para mim.
Por exemplo: 81% acham a religião importante, mas eles só seguem os mandamentos do Senhor quando querem. São 28% a favor do aborto e 50% a favor da pena de morte; 35% admitem a tortura. E 80% acham importante o sexo, arquiinimigo de padres e pastores.
Esse padrão se repete com freqüência: 78% são sexualmente ativos, 87% têm medo da Aids e 72% temem uma gravidez indesejada. Mas só 45% usam camisinha sempre.
Outro caso: a maioria dos jovens diz que o que se aprende na escola é muito útil. Mas só 51% estudam, 54% já repetiram o ano e 32% não lêem livros. Na prática, estão dizendo que o estudo só é importante como passaporte para um salário menos ruim. Acertaram na mosca.
Nosso jovem é surpreendentemente sofisticado em sua ambigüidade. Não tem ideais nem heróis. É realista nos seus objetivos -fantasias de ser modelo ou craque de futebol é coisa de uma minoria. Pretende atingir suas metas gastando o mínimo de energia.
Respeita leis do homem e de Deus só até que elas se transformem em obstáculos. A referência das meninas são mulheres-corporação como Ivete Sangalo, Xuxa e Gisele Bundchen -belas coxas conquistando belas contas bancárias. As boas pontuações de Lula nos quesitos "honestidade" e "inteligência" são reveladoras. Ele só atingiu a meta de sua vida quando finalmente jogou para ganhar, custe o que custar -como seus opositores sempre fizeram.
É uma geração que bate ponto na moralidade convencional, mas, na prática, atua segundo seus interesses. A plebe moleque enfim luta com as armas da elite adulta. Melhor assim.
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ANDRÉ FORASTIERI, 42, diretor editorial da Tambor, foi o primeiro editor do Folhateen
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Vícios
43% dos pais sabem do uso de drogas
22% DOS MENINOS E 11% DAS MENINAS ADMITEM JÁ TEREM SE DROGADO
[Por Breno Costa, Colaboração para a Folha]
Cena 1: Toca o telefone na casa de Lúcio, 57, em Alphaville, reduto de classe média alta na Grande São Paulo. É o pai de um dos amigos do fi lho de Lúcio, André, 14. "Seu fi lho está fumando maconha." Passados três anos, Lúcio já desembolsou cerca de R$ 25 mil em testes antidrogas para controlar os hábitos de André. A checagem é semanal. Sessões de psiquiatria entraram no pacote. Sem muita regularidade, André, hoje com 17, continua usando maconha.
Cena 2: Luciano, 19, encontra com o irmão, de 22, um pacote de baseado na pasta do pai, um empresário de Belo Horizonte. Durante dois anos, fumavam três vezes por semana. Ora o pai comprava, ora os filhos. Reuniam-se na varanda, especialmente antes de irem a jogos do Atlético Mineiro. A mãe nada sabia.
Os nomes são fictícios, mas as situações, reais. São exemplos de um dos dados apontados pelo Datafolha que mais surpreenderam especialistas ouvidos pela reportagem. Segundo os fi lhos, quase metade (43%) dos pais sabe que eles usam ou já usaram drogas.
Embora as duas cenas ilustrem o conhecimento dos pais sobre os hábitos dos filhos, elas mostram duas formas diferentes de reagir ao problema, ambas reprovadas pelos estudiosos. O comportamento mais liberal é visto, de forma geral, como herança geracional da época em que o proibido era proibir.
"Os pais desses adolescentes estão parados na década de 1960, achando que seus filhos usam droga e tudo bem. É um horror", diz a pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Ana Cecília Marques.
Na outra ponta, o uso de testes de drogas aponta para uma relação de ausência de diálogo e confiança entre pai e filho, segundo o psicanalista Luciano Chati, que faz trabalhos de prevenção ao uso de drogas em escolas e faculdades de São Paulo.
Segundo o laboratório Sapiens Vita, que atua na área de testes de drogas, 89% das compras de testes no último mês foram feitas por famílias.
"Um controle muito rígido gera um distanciamento total da relação pai e fi lho e, eventualmente, pode acarretar outras complicações", afirma Chati. De acordo com a pesquisadora Sandra Scivoletto, coordenadora do Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas), o comportamento dos pais é majoritariamente liberal, especialmente em relação à maconha. A perspectiva para as próximas gerações, diz, não é das melhores.
"A juventude de hoje está assim por ser reflexo da postura dos adultos. A formação dela já está comprometida."
O uso de drogas no período de formação dos jovens é corroborado por um dos dados revelados pela pesquisa Datafolha. Um em cada três jovens com menos de 18 anos diz que já presenciou o uso de drogas na escola.
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Da cerveja à produção de crack
O primeiro bar onde Júlio César (nome fictício) se sentou para beber cerveja foi em Vinhedo, interior de São Paulo. Ele tinha 12 anos. Desde então, nove anos se passaram. Os últimos 50 dias foram o período mais longo que Júlio, hoje com 21, conseguiu ficar longe de um copo. Ele não tinha alternativa: estava internado em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos em Mairiporã (SP).
O cigarro que tragava quando a reportagem o visitou era, além de "um alívio", o que restou da coleção de vícios que incluiu maconha, cocaína, solventes, ecstasy, LSD e crack, além do álcool. O início da relação com as drogas, na esteira da bebida, foi aos 14. Diz ter provado de tudo. "Eu me sentia bem, ficava mais solto com as gatinhas", afirma. O salto na relação com as meninas foi acompanhado pela derrocada na escola. Júlio colecionou oito expulsões de colégios. Repetiu o ano três vezes.
Foi morar na Bahia e lá chegou ao ápice dos vícios. Um amigo dependente vendeu para um traficante um terreno avaliado em R$ 60 mil. O pagamento foi digno de uma cena de "Scarface": seis quilos de pó branco.
"Eu mesmo fazia o crack, com cocaína, amoníaco e bicarbonato."
A rotina era sem imprevistos. Júlio dormia às 6h, acordava às 15h e jogava bola, "para dar uma limpada no corpo". Em seguida, a droga o chamava. Sempre com uma companhia, cheirava cocaína, produzia o crack e bebia. Ia nesse ritmo até as 6h, para depois recomeçar. O tratamento na clínica deve terminar em dois meses. O custo do spa antidrogas chega a R$ 5.000 mensais. (BC)
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20% já dirigiram depois de beber
A relação entre jovens, bebida e trânsito é trágica: 1 em cada 5 já dirigiu após beber. Entre os jovens com renda familiar mensal maior do que dez salários mínimos -com mais chance de ter carro-, a relação sobe para 2 em cada 5.
Outro dado preocupante é que até jovens com 16 e 17 anos, impedidos pela lei de dirigir, admitiram ter pegado no volante após beber. A prática foi admitida por 7% deles. Segundo dados do Denatran de 2007, diariamente 12 motoristas menores de idade se envolvem em acidentes com vítimas no Brasil.
A maioria dos jovens costuma beber: são 59%, sendo que 1 em cada 3 deu os primeiros goles antes dos 15 anos.
É o caso da estudante de medicina Viviane Nunes, 23, que está sem beber há um ano e meio. Ela começou aos 13 e chegou a ter queda de cabelo e inchaço no corpo em decorrência da bebida. "Percebi que tinha algo anormal porque meus amigos tinham controle. Para mim, só tinha sentido beber para me embriagar", diz. (BC)
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Sulistas se drogam mais que os outros
Os jovens sulistas bebem, fumam e se drogam mais do que o restante dos brasileiros. A diferença, que já havia sido notada em outras pesquisas, volta a aparecer na consulta do Datafolha.
Não há estudos explicando o fenômeno. A explicação mais recorrente entre os especialistas é o poder aquisitivo: os sulistas têm mais dinheiro e, assim, consomem mais. Outra envolve a influência das colonizações alemã e italiana no hábito de beber álcool.
Segundo o pesquisador Flávio Pechansky, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, "existe, sim, um oferecimento grande de drogas aos jovens da região", motivado, em parte, pela "instalação de rotas de narcotráfico e laboratórios clandestinos de refino de drogas no local". (BC)
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Música
O Brasil do forró!
GÊNERO É O PREFERIDO DE UM QUARTO DOS JOVENS
[Por Cristina Moreno de Castro, Colaboração para a Folha]
Imagens de sumidades do forró, como Dominguinhos e Luiz Gonzaga, preenchem a parede sem reboco. No teto, bandeirinhas de São João. São 23h40 e a noite numa tradicional casa de forró no largo da Batata, em Pinheiros apenas começa. Morna, mas vai esquentar.
Só 15 casais dançam o chamado forró pé-de-serra na pista principal. Alguns jovens bebem a xiboquinha -aperitivo tradicional, com gengibre, pinga, limão e especiarias.
Ana Cláudia Serrano, 20, é uma das forrozeiras à espera de um par. Ela está vestida a caráter: sandálias rasteirinhas, vestido leve, cabelo meio preso. Além de fazer aulas de dança, vai aos bailes duas vezes por semana. A "turma do forró" não gera ciúmes no namorado roqueiro, que prefere não ir.
A espera de Ana dura menos de cinco minutos: ela é tirada para dançar num ritual sem complicações. Geralmente, é só na pista que descobrem o nome um do outro quando descobrem. Se um dos dois não dança bem, é abandonado sem muita cerimônia: beijo na bochecha, obrigado, tchau.
À 0h15, é anunciada a primeira banda. A pista não demora a encher: mesmo em noite de dois jogos importantes de futebol, cerca de 250 vestidos, saiões e calças se esbarram, dançando.
É um consenso entre os forrozeiros que o maior objetivo ali é a dança. Mas e as paqueras? Contidas: só à 0h30 deu para fl agrar um beijo na pista. À 1h20, a atração da noite: o pernambucano Trio Virgulino toca xote, xaxado, baião e outras variáveis do forró.
Às 3h, quando a festa acabou, a noite era fria lá fora. Mas, na casa do forró, todos os sete ventiladores continuavam ligados.
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ARTIGO
Leandro Sarubo
Nota errada
Passei dois dias analisando os dados sobre os gêneros musicais prediletos dos jovens. Queria encontrar um que fosse positivo.
Que me fizesse parar com essa minha mania de reclamar do Brasil. Perdi tempo.
O primeiro dado negativo está no líder da pesquisa: o forró. No Nordeste, a adesão é ainda maior. As chances de o Nordeste evoluir cessam nesse dado. Pois, por mais preconceituoso que isso possa parecer, o Nordeste só evoluirá quando abandonar suas arcaicas raízes culturais.
O pagode aparece em segundo lugar, com 23% de masoquistas, mesmo índice de quem ainda não desistiu do rock.
É difícil entender essa relação de amor entre os brasileiros e o batuque. O samba, variante do pagode com letras mais chateadas, foi lembrado por 11% dos jovens. O axé, patrocinado por cantoras que só sabem gritar "sai do chão", tem a atenção de 15%.
A MPB ficou em sexto lugar: 40% dos ouvintes estão no mais alto nível de escolaridade. O gênero cresce no público que, em tese, deveria reparar na inaptidão musical de nossos artistas.
E é aqui que constatamos uma nuance do Brasil: independentemente do nível de escolaridade, sempre a música mais tosca, mais atolada de frases de duplo sentido, será a predileta.
Com o tempo, a educação passou a elitizar nossas asneiras. O efeito disso é que os jovens e o Brasil vão regredir ano após ano. O lado bom é que podemos escolher o batuque que será a trilha da derrota tupiniquim.
Fonte: Folha de S.Paulo/Especial, Domingo, 27 de julho de 2008. (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj2707200801.htm)
Perfil da Amostra (fonte Jovem - século 21 - caderno especial (impresso) Folha de S.Paulo (transcrição: serviço do Observatório Jovem/UFF) |
O JOVEM BRASILEIRO DO SÉCULO 21 (respostas estimuladas e únicas) Eles são: 35.331.229 - 19% da população brasileira (fonte do número de jovens e percentuais da população: IBGE) SEXO: 50% HOMEM - 50% MULHER ONDE ELES MORAM: 23% CAPITAL; 16% PERIFERIA; 61% INTERIOR IDADE: 20% (16-17 ANOS); 41% (18-21 ANOS); 38% ( COM QUEM MORAM: 64% COM OS PAIS; 22% COM COMPANHEIRO(A); 13% COM PARENTES; 4% SOZINHO; 2% COM AMIGOS; 1% COM FILHO(A) SÓ TRABALHAM: 35%; ESTUDAM E TRABALHAM: 25%; SÓ ESTUDAM: 25%; 15%: NãO ESTUDAM E NÃO TRABALHAM CLASSE ECONÔMICA: A4%; B27%; C53%; D14%; E2% ESTADO CIVIL: 74% SOLTEIRO; 24% CASADO; 1% SEPARADO; 1% VIÚVO |
Jovens da etnia ticuna, que vivem em aldeia em Tabatinga, são agredidos com pedras e garrafas e chamados de "meia coisa"
"Isso é novo para a gente", diz administrador da Funai; Darcy Ribeiro registrou homossexualidade entre índios desde o século"
Entre os índios ticuna, a etnia mais populosa da Amazônia brasileira, um grupo de jovens não quer mais pintar o pescoço com jenipapo para ter a voz grossa, como a tradição manda fazer na adolescência, nem aceita as regras do casamento tradicional, em que os casais são definidos na infância.
Esse pequeno grupo assumiu a homossexualidade e diz sofrer preconceito dentro da aldeia, onde os gays são agredidos e chamados de nomes pejorativos como "meia coisa". Quando andam sozinhos, podem ser alvos de pedras, latas e chacotas.
Três ticunas da aldeia Umariaçu 2, na região do Alto Solimões, em Tabatinga (1.105 km de Manaus), contaram para a Folha como é a vida dos homossexuais indígenas na fronteira com a Colômbia e o Peru.
A população ticuna no Alto Solimões soma 32 mil índios. Na aldeia Umariaçu 2, que fica no perímetro urbano de Tabatinga, vivem 3.649 índios ticunas, 40% com menos de 25 anos. Entre esses jovens, pelo menos 20 são conhecidos como homossexuais assumidos.
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), há registros de gays também nas aldeias de Umariaçu 1, Belém do Solimões, Feijoal e Filadélfia.
"Isso é novo para a gente. Não víamos indígenas assim, agora rapidinho cresceu em todas as comunidades. São meninos de 10, 15 anos", disse Darcy Bibiano Murati, 40, que é indígena da etnia ticuna e administrador substituto da Funai.
Marcenio Ramos Guedes, 24, e seu irmão, Natalício, 22, pintam o cabelo e as unhas e fazem as sobrancelhas. Trabalham como dançarinos em um grupo típico ticuna que se apresenta nas cidades da região.
Marcenio diz que brigava muito com o pai e que saiu de casa aos 15 anos. "Fui para Tabatinga trabalhar como "empregada doméstica". Eu fazia comida, passava roupa, lavava."
Ao voltar para casa, uma construção de madeira com dois cômodos, onde mora com quatro dos sete irmãos e os pais, Marcenio resolveu cuidar dos afazeres domésticos. O grupo de dança foi criado em 2007, com apoio da família.
"Não sofro discriminação por dançar, todo mundo respeita, assiste. Sofro preconceito [de outros jovens] na aldeia. Se falo alguma coisa, querem me bater, jogar pedra, garrafa."
Natalício diz que tem medo de andar sozinho. "Vou sempre com um colega", afirma.
O ticuna Clarício Manoel Batista, 32, é professor do ensino fundamental e estuda pedagogia na UEA (Universidade Estadual do Amazonas), em Tabatinga. Ele foi um dos primeiros a assumir a homossexualidade na aldeia Umariaçu 2. "Alguns me discriminam -indígenas daqui, não-indígenas também. Fico calado, não falo nada. Eu não ligo para eles", diz.
Clarício disse que contou aos pais que era gay aos 16 anos. "Meu pai não me maltratava porque sempre gostei de estudar, sempre fiz tudo em casa: limpeza, comida, lavar louça."
Questionado se foi pelo trabalho doméstico que ganhou respeito em casa, ele confirmou. "Na verdade, eles [os pais] não queriam que eu fosse assim [gay]. Eles não gostam. Dizem: ninguém gosta desse jeito."
O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) escreveu que há registros de homossexualidade entre índios desde ao menos o século 19. Em Mato Grosso, ele estudou os cadiuéus, que chamavam o homossexual de kudina -que decidiu ser mulher.
O cientista social e professor bilíngüe (português e ticuna) de história Raimundo Leopardo Ferreira afirma que, entre os ticunas, não havia registros anteriores da existência de homossexuais, como se vê hoje.
Ele teme que, devido ao preconceito, aumentem os problemas sociais entre os jovens, como o uso de álcool e cocaína.
"Isso [a homossexualidade] é uma coisa que meus avós falavam que não existia", afirmou.
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saiba mais
Assunto não é tabu, diz antropóloga
DA AGÊNCIA FOLHA, EM TABATINGA
Antropólogos como Pierre Clastres (1934-1977) e Darcy Ribeiro (1922-1997) registraram em artigos a existência de casos de homossexualidade nas tribos indígenas do Brasil. Mas, sobre os índios gays contemporâneos, não há pesquisas.
A antropóloga da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) Helena Rangel diz que a homossexualidade é tão antiga quanto a humanidade e que, no mundo indígena, alguns mitos fazem referência a essa opção sexual. "Na sociedade indígena, há uma divisão muito clara do trabalho entre homens e mulheres, então, se um homem quer ser mulher, assume o trabalho feminino. Não é um assunto tabu nem absurdo."
Sobre a maior visibilidade dos homossexuais atualmente, Rangel diz que acredita ser um fenômeno mundial e que não pode comentar especificamente sobre os ticunas. "A homossexualidade tem se tornado um fenômeno mais explícito", disse.
Com relação ao preconceito enfrentado pelos indígenas, ela afirma que a discriminação hoje pode ser maior do que a enfrentada anteriormente, devido à maior aproximação dos índios com a moral ocidental-cristã. (KB)
Fonte: Folha de S.Paulo/Brasil, domingo, 27 de julho de 2008. (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u426640.shtml)
O Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) lançou nesta terça-feira (22/7), o Pacto pela Juventude, selando o seu apoio às resoluções apresentadas pela I Conferência Nacional de Juventude, que aconteceu em Brasília, no período de 27 a 30 de abril. A iniciativa tem por objetivo envolver todos os atores governamentais e da sociedade civil para manter acesa a discussão sobre as políticas públicas de juventude, com foco nas prioridades apontadas no encontro
A reunião contou com a participação do secretário nacional de Juventude, Beto Cury.
Segundo o presidente do Conselho Nacional de Juventude, Danilo Moreira, o Pacto prevê uma série de atividades que serão desenvolvidas em âmbito nacional, estadual e municipal. A primeira delas ocorrerá no dia 12 de agosto, data em que se comemora o Dia Nacional da Juventude, por meio de uma cerimônia no Palácio do Planalto, que vai reunir autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, representantes da sociedade civil e de movimentos juvenis, entre outros.
Para entender melhor o Pacto pela Juventude
O que é o Pacto?
Trata-se de um compromisso público, coordenado pelo Conjuve, com o objetivo de dar visibilidade e buscar a efetivação dos parâmetros e diretrizes da Política Nacional de Juventude e das resoluções da I Conferência Nacional de Juventude, realizada no período de 27 a 30 de abril, em Brasília (DF).
Qual o seu objetivo?
Articular agentes governamentais, sociedade civil e movimentos juvenis, visando colocar em prática as propostas aprovadas pela Conferência, que mobilizou mais de 400 mil pessoas em todo o Brasil, promovendo uma ampla discussão sobre as políticas públicas de juventude.
Como o Pacto será estruturado?
Por meio de um conjunto de ações e compromissos que devem ser assumidos pelos governos federal, estaduais e municipais, legisladores e, sobretudo, candidatos aos cargos de prefeito e vereador.
Como será a adesão ao Pacto?
Em eventos públicos onde governantes e candidatos assumirão o compromisso com o fortalecimento das políticas públicas de juventude, tendo como referência as 22 prioridades definidas pela Conferência Nacional de Juventude.
Quando começará oficialmente o Pacto?
No dia 12 de agosto, Dia Nacional da Juventude, em uma cerimônia no Palácio do Planalto, quando haverá também uma reunião extraordinária do Conjuve, nos dias 12 e 13, para discutir o assunto. O presidente Lula e os ministros de Estado serão convidados para o evento, juntamente com os presidentes dos partidos políticos.
Etapas do Pacto
- Em nível Federal
Principais parceiros: Ministérios e Frente Parlamentar de Juventude.
Evento: Pacto pela Juventude "O Brasil precisa, a juventude quer!", no dia 12 de agosto de 2008.
Lançamento da revista de balanço da Conferência Nacional de Juventude.
Apresentação de iniciativas dos Ministérios, conselheiros governamentais do Conjuve.
Atividades pela aprovação da PEC da Juventude (PEC 138/2003), na Câmara dos Deputados.
- Em nível Estadual
Principais parceiros: gestores de juventude e Conselhos Estaduais de Juventude e/ou Comissões Organizadoras Estaduais.
De 14 de agosto a 30 de setembro de 2008: Pacto pela Juventude com a presença de governadores, gestores, parlamentares, sociedade civil e movimentos juvenis (Conjuve, Comissões Organizadoras Estaduais, delegados das etapas estaduais e nacional).
- Em nível Municipal
Principais parceiros: Juventude Partidárias e Conselhos Municipais de Juventude
Eventos públicos para assinatura de Termo de Compromisso com o Pacto pelos candidatos a prefeito e vereador, incluindo a temática nas plataformas de campanha e programas de governo.
Para mais informações acesse www.juventude.gov.br
ou envie seu e-mail para conselho.juventude@planalto.gov.br
De qualquer jeito, a votação depende da vontade política dos deputados.
Na Câmara, já foram realizados inúmeros debates, inclusive com a
apresentação de resultados das universidades que adotam políticas de
ação afirmativa similares. O ministro da Educação, Fernando Haddad,
também participou de encontros com os parlamentares para expor sua
opinião sobre o projeto. Mas a polêmica parece estar bem longe do fim.
As divergências de opiniões sobre a decisão de reservar parte das vagas
mais disputadas nos vestibulares do país não se restringe aos
congressistas.
Insatisfação
Os dirigentes das instituições federais de ensino não demonstram
satisfação com o projeto. De acordo com as associações que os
representam, o problema não está em criar políticas de ações
afirmativas, mas sim na imposição da quantidade de vagas reservadas.
Para o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Amaro Lins, a
determinação fere a autonomia das universidades. “Reconhecemos a
importância de incluir as camadas excluídas, mas as instituições
deveriam escolher a melhor maneira de fazer isso”, enfatiza.
O reitor acredita que o melhor seria estimular as universidades a
adotarem ações afirmativas, sem impor modelos. “Há muitas práticas
sendo realizadas pelas instituições. Acho que o momento é adequado para
discutirmos os resultados obtidos por essas universidades”, defende.
Segundo ele, o tema será colocado em pauta na próxima reunião da
Andifes, que deve ocorrer em agosto. A intenção é convencer os
deputados a debaterem ainda mais o assunto.
O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub) deverá
apoiar a Andifes. Para o presidente do Crub, Gilberto Garcia, o momento
é de definição. “É preciso acabar com a discussão e partir para
prática”, diz. Ele, que é reitor da Universidade São Francisco (SP),
acredita que, nas federais, já existem cotas não questionadas pela
sociedade. “A concorrência nos vestibulares das federais acaba
privilegiando apenas os que têm condições de pagar por uma preparação
diferenciada.”
Gilberto defende que a experiência das cotas seja adotada no país,
desde que tenha um prazo para terminar. Para ele, o projeto deve ser
aplicado em ciclos e sem a imposição de uma reserva única de vagas. O
melhor, segundo o reitor, seria definir uma faixa percentual e deixar
que cada instituição escolha um parâmetro.
Entenda o Projeto do Senado
No mínimo 50 das vagas de cada processo seletivo das instituições
federais de educação superior, profissional e tecnológica deverão ser
destinadas a estudantes egressos de escolas públicas
Essas vagas deverão ser preenchidas, por curso e por turno, por
autodeclarados negros e indígenas em proporção no mínimo igual à de
pretos, pardos e indígenas na população do estado onde está a
instituição, de acordo com o último censo do IBGE
As pessoas com deficiência terão direito de concorrer às vagas
reservadas, mesmo que não tenham cursado a educação básica em escolas
públicas
Pré-requisitos
Os candidatos às vagas da educação profissional deverão ter concluído
todo o ensino fundamental em escolas da rede pública. No caso de quem
quiser disputar uma vaga nas universidades federais, é preciso ter
concluído o ensino médio em colégios da rede
A aplicação da regra
A partir da aprovação do projeto, as instituições terão quatro anos
para implementar a reserva de vagas por completo. A cada ano, elas
terão de reservar, pelo menos, 25% das vagas para os estudantes de
escolas públicas
Acompanhamento
A lei determina que o Ministério da Educação acompanhe e avalie a
aplicação da lei. Ao contrário de outros projetos apresentados para
criação de cotas, o do Senado não fala em período de duração da lei. No
projeto sobre o mesmo tema que tramita na Câmara, o prazo é de 10 anos
Vitória para os estudantes
Para os alunos de escola pública, a aprovação do projeto no Senado já
uma vitória. “Essa era uma reivindicação antiga do movimento
estudantil. Consideramos a aprovação uma vitória. Vamos continuar
mobilizados e pressionar os deputados para que eles aprovem as cotas
também”, afirma a presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE),
Lúcia Stumpf. Ela acredita que alguns parlamentares utilizarão a
previsão de reserva de cotas raciais proporcionais à população de cada
estado, contida no projeto do Senado, para tentar barrar a votação.
Lúcia discorda que a medida fira a autonomia das universidades. Para
ela, o poder de decisão das federais deve sempre estar abaixo dos
projetos do país. “As universidades têm autonomia pedagógica e
administrativa, mas devem estar subordinadas aos interesses do país.
Democratizar o acesso ao ensino superior é uma diretriz”, faz coro a
senadora Ideli Salvatti (PT-SC).
Os alunos de escola pública acreditam que a instituição de ensino
passará a ser mais valorizada depois da implementação do projeto. “As
escolas públicas não são valorizadas pela sociedade e esse novo sistema
de cotas contribuirá para que os alunos da rede recebam mais
qualificação”, aposta Nathália Soares, 17 anos. Ela e os colegas
Marilha dos Santos, 19, Igor Araújo, 17, Lorena Umbelina, 16, Thaís
Porfírio, 17, Arthur Augusto Freitas Nascimento, 17, encaram as cotas
como uma motivação a mais para estudar, mas defendem investimentos na
escola, acima de tudo. “Serão mais oportunidades para os alunos, mas é
preciso melhorar a qualidade de ensino”, opina Marilha.
Qualidade do ensino - Apenas criar o sistema de cotas para alunos de escolas públicas não é suficiente
A criação de cotas para estudantes de escolas públicas nas
universidades federais, se aprovada, não atingirá plenamente o objetivo
de inclusão social ao qual se propõe enquanto não houver investimentos
na educação básica. Os projetos de ações afirmativas são temporários.
Por isso, a qualidade do ensino nas escolas públicas precisa melhorar.
Algumas iniciativas, como a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação (Fundeb), serão importantes. Mas não bastam.
Funcionários do Ministério da Educação e da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República estão discutindo mudanças para
o ensino médio. Em dezembro do ano passado, uma comissão foi nomeada
pelos ministros Fernando Haddad, da Educação, e Mangabeira Unger, de
Assuntos Estratégicos, para propor soluções de reestruturação e
expansão dessa etapa da educação básica. No dia 25, o grupo precisa
entregar um relatório aos ministros. No documento, os técnicos sugerem
a criação de um movimento: o ensino médio nacional.
Carlos Artexes, coordenador-geral do ensino médio da Secretaria de
Educação Básica do MEC, explica que a medida não pretende unificar
todas as escolas, mas garantir que todas tenham um padrão mínimo de
qualidade em infra-estrutura, qualificação de professores e
investimento. O coordenador comenta que, hoje, o custo de um aluno do
ensino médio é de R$ 1 mil por ano. Com a criação do Fundeb, o valor
subirá para R$ 1,3 mil, em média. No entanto, ele considera a quantia
baixa. “Estamos propondo R$ 2 mil. Para se ter ensino de qualidade, é
preciso uma proposta educacional adequada, estrutura física,
professores formados e capacitados e dinheiro.”
A proposta do grupo também inclui a criação de modelos diferentes de
escolas de ensino médio. Elas seriam temáticas. Por exemplo, algumas
estariam integradas ao ensino profissional, outras à iniciação
científica e ainda às artes. “Queremos criar oportunidades de
identificação. Mas essas possibilidades ainda precisam de muito
debate”, afirma.
Outra idéia do grupo é criar um colégio especialmente para os jovens e
adultos que já passaram dos 18 anos de idade. Nesses estabelecimentos,
os alunos poderiam cursar tanto o ensino médio regular quanto a
educação para jovens e adultos. De acordo com Artexes, a medida
respeitaria melhor as necessidades desse público.
É importante destacar que as propostas ainda serão colocadas em debate
na sociedade e não serão feitas alterações nas diretrizes curriculares.
“Não haverá mudança por decreto. É preciso começar a abrir diálogo”,
diz o coordenador do ensino médio. Na opinião de Artexes, as escolas
devem ser valorizadas independentemente da gestão que possuem.
E eles, o que querem?
Apesar de tantas discussões sobre o ensino médio, os mais interessados
nas mudanças — os próprios alunos — são pouco ouvidos. Os jovens
reclamam que quem toma as decisões não conhece o que eles pensam.
Wagner Rony de Souza Amaral, 18 anos, Davi Xavier dos Reis, 17, Mayara
de Almeida, 18, e Raysa Martins, 17, criticam a falta de espaço na
sociedade para a discussão de temas de grande relevância ao país. “Nós
temos de ser ouvidos. A mudança final afetará a gente”, pondera Mayara.
Os quatro estudantes do Centro de Ensino Médio 10 de Ceilândia são
unânimes ao afirmar a necessidade de mudanças nas escolas públicas.
Para os jovens, a qualidade do ensino está aquém do desejado. Para
eles, faltam aulas práticas, equipamentos novos e formação continuada
para os professores. “As aulas são chatas e acabam desinteressando ao
aluno. Os professores deveriam diversificar as aulas, sair da sala,
fazer passeios”, comenta Davi.
Com a proposta de criar escolas diferenciadas, eles acreditam que os
alunos se interessariam mais pelos estudos. Eles gostariam de aprender
sobre profissões na escola, poder realizar cursos técnicos, se preparar
para o vestibular e se tornar cidadãos. “É preciso oferecer opções
variadas, mas sem perder a qualidade. Precisamos ser preparados para a
vida. Às vezes, temos a sensação de que o MEC só se preocupa com
números”, lamenta Wagner.
jovens preocupados com o trabalho
Uma pesquisa realizada em São Paulo pelo projeto jovens Agentes pelo
Direito à Educação (Jade), da organização Ação Educativa, mostra que,
apesar das múltiplas expectativas dos jovens em relação à escola, eles
estão muito preocupados com o mundo do trabalho. Quando entraram no
ensino médio, 43% dos entrevistados esperavam sair prontos para entrar
no mercado. Depois, os estudantes apontaram como maior anseio a
preparação para prestar o vestibular (25%).
Os dados da pesquisa deram origem a um relatório intitulado Que ensino
médio queremos?, divulgado em junho. Participaram da primeira fase 880
estudantes, que responderam questionários sobre a avaliação que fazem
da escola, dos professores e dos próprios alunos, e as expectativas e
os anseios em relação ao ensino médio. Depois, 177 pessoas, incluindo
professores e funcionários dos colégios, foram convidados a aprofundar
as discussões em grupos de diálogo.
Projetos de futuro
Ana Paula Corti, coordenadora da pesquisa, diz que a necessidade
apontada pelos jovens de aproximar a escola do mercado de trabalho
chamou a atenção dos pesquisadores. “Eles mostram que esse interesse
não se limita a realizar um curso profissionalizante. Na verdade, eles
precisam de uma orientação ampla para obter informações sobre o
mercado, as opções profissionais”, comenta. Na opinião dos estudantes,
a escola se dedica a preparar o jovem para o vestibular (confira o
quadro), mas isso não adianta muito quando a maior dificuldade deles é
traçar projetos para o futuro.
O curioso é que, quando perguntados sobre as prioridades que o ensino
médio deveria ter, eles apontaram a formação para a entrada na
universidade (43%). É importante compreender que, para os alunos, essa
também é uma garantia de futuro profissional melhor.
Dione Gleik Soares Rosa, 18 anos, Delano Pereira Silva, 19, Thiago
Moura da Silva, 19, Jordana Guimarães, 18, e Heloísa Nogueira, 18,
alunos do Centro de Ensino Médio Gisno, da Asa Norte, sentem
dificuldades em eleger uma prioridade para essa etapa. Thiago lembra
que, sem o diploma, conseguir qualquer emprego é difícil. Dione
acredita que o melhor seria focar o aprendizado na universidade. “Na
verdade, sem o ensino superior, a gente não arranja trabalho”, opina.
De modo geral, na pesquisa, os estudantes consideram a infra-estrutura
dos colégios regular. Há um grande descontentamento em relação às
condições dos equipamentos (33% a consideram ruim ou péssima), dos
laboratórios (36% afirmam que a situação deles é ruim ou péssima e 29%
contam que o espaço não existe na escola) e das atividades de
informática (14% dizem que há trabalhos na área e 40% avaliam o que
realizam como ruim ou péssimo).
Dione, Delano, Thiago, Jordana e Heloísa também reclamam da falta de
investimentos no colégio em que estudam. Eles contam que os
laboratórios de ciências estão empoeirados e inutilizados por causa da
falta de profissionais. “A falta de práticas desmotiva os alunos. Para
os professores também é ruim, porque eles não têm recursos para dar
aulas diferentes”, critica Jordana.
Enquanto Belo Horizonte se destaca pelo cumprimento do ECA, em Abaetetuba (PA) garantias são ignoradas
Condições precárias: nas sala de aula sem forro, o sol bate forte no rosto dos estudantes
Dois mil e novecentos quilômetros separam Belo Horizonte (MG) de Abaetetuba (PA). A distância geográfica, porém, não é maior do que o abismo entre as duas cidades no que se refere à garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes
Enquanto a capital mineira foi reconhecida nacionalmente pela Fundação Abrinq por fortalecer a rede de proteção à infância, o município paraense ganhou fama internacional por um motivo vergonhoso: a denúncia, em dezembro do ano passado, da prisão de uma menina de 15 anos numa cadeia comum, com 20 homens, onde sofreu abuso sexual.
Dezoito anos depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Belo Horizonte ainda caminha para assegurar a plenitude da garantia de direitos, mas os resultados começam a aparecer. Os conselhos tutelares estão bem estruturados, os programas sociais funcionam e a capital investe 31% do orçamento na população infanto-juvenil. “Os programas e projetos em curso ainda não atendem toda a demanda, mas houve muito avanço nos últimos anos, isso é inegável”, afirma o conselheiro tutelar da Região Leste, Samuel Viana Moreira.
Em Abaetetuba, ao contrário, meninos e meninas não são prioridade. “O poder público só funciona sob pressão”, admite o bispo Flávio Giovaneli, ameaçado de morte por denunciar o caso da adolescente encarcerada. Resta à sociedade civil unir forças para enfrentar as mazelas que atingem as crianças, como exploração sexual, trabalho infantil e tráfico de drogas. A Pastoral do Menor, ligada à arquidiocese, é a organização não-governamental mais atuante na cidade, e busca, por conta própria, garantir os direitos da infância. Um trabalho penoso, num local onde meninas se prostituem durante o dia, crianças perdem membros do corpo nas olarias, meninos traficam e são usuários de drogas.
O Correio e o Estado de Minas mostram, hoje, as duas realidades conflitantes. De um lado, a cidade que busca respeitar os 267 artigos do Estatuto. De outro, o município onde o ECA parecer sequer existir.
Abaetetuba (PA) — Todos os dias, a Feira da Farinha arrasta uma multidão ao porto da cidade. Tem gente que sai de municípios vizinhos para comprar peixe, toucinho, temperos, raízes medicinais e produtos industrializados, que passam por espelhinhos com moldura laranja a cigarros falsificados. Há também quem vai comprar o corpo de crianças, vendido a R$ 10. Dois reais mais barato do que o preço de um frango assado.
Mal começa a escurecer e as meninas iniciam a peregrinação pelo cais. Dividem o espaço com os urubus, ávidos por restos de comida. Ninguém as perturba. Às vezes, uma ou outra oferece seus serviços na feira ainda pela manhã. Quartinhos nas sobrelojas, que cobram R$ 15, são usados para os programas. Mas, às vezes, os próprios barcos servem de cenário.
“Criança pequena fazendo programa? Tem demais. Um tenente da Polícia Militar é freguês de todas, mas eu sou a preferida dele. O tenente também dá dinheiro pra gente comprar drogas.” Quem conta é a prostituta Shirley*, 24 anos, nas ruas desde os 6. Entre suas concorrentes, há uma família inteira: uma menina de 13, uma adolescente de 16 e dois jovens de 18 e 21, ambos travestis. A mãe, de 48 anos, dependente química, tenta justificar: “Estou desempregada, passando dificuldades. Então a gente vai tentando se virar”. Na casa sobre palafitas, de três cômodos, o esgoto corre a céu aberto. No único quarto, não há camas, somente uma rede. O único enfeite é uma imagem do Coração de Jesus, pregada na geladeira vazia de comida.
Símbolo de violação
Cidade paraense às margens do Rio Maratauíra, distante cerca de 80km da capital, Abaetetuba continuaria sendo apenas um pontinho cravado no mapa do Pará se, em dezembro do ano passado, o caso de uma adolescente de 15 anos, trancafiada na cadeia pública com 20 homens, não tivesse corrido o mundo e a tornado símbolo da violação dos direitos da infância. Histórias como a dela e a da família que se prostitui causam pouco impacto entre os moradores de uma cidade acostumada, historicamente, a maltratar suas crianças. “Eu mesma já fiquei presa naquela cadeia. Dormia no corredor”, diz Shirley, com uma calma perturbadora. E, com a concordância de muitos habitantes de Abaetetuba, arremata: “Ela ficou presa com os homens porque quis. Aquela menina não presta”.
“Aquela menina” era vista como estorvo pelos moradores. Afinal de contas, segundo eles, roubava, usava drogas e dava trabalho aos professores. “Ninguém gostaria de tê-la como vizinha”, atesta o bispo da cidade, dom Flávio Giovenali, ameaçado de morte por denunciar as violações aos direitos humanos cometidas na região. A adolescente, diz ele, é reflexo das condições socioeconômicas. E o que aconteceu com ela, o retrato do abandono por parte do poder público. “É um problema do próprio sistema carcerário. Não tem onde colocar os menores infratores. O que fazer com eles?”, questiona. Depois que prisão da garota veio à tona, a delegacia acabou demolida. Não há previsão para a construção de uma nova.
Há mais de uma década na cidade paraense, o bispo denuncia a falência do sistema educacional que, para ele, é uma “fábrica de analfabetos, de gangues e de homicídios”. Até a quarta série do ensino fundamental, a educação é municipalizada e não faltam vagas. Porém, o índice de evasão é alto: 35%. “As crianças repetem, repetem, acham que são burras e acabam desistindo”, diz dom Flávio, que usa dados oficiais do Ministério da Educação. Da quinta à oitava séries, o problema se agrava. Por ano, mil crianças que deveriam passar da quarta para a quinta ficam sem estudar por falta de vagas. “No melhor dos casos, se 75% delas ficarem quietinhas em casa, isso já significa 250 adolescentes nas ruas, sem fazer nada. E isso numa estatística otimista”, ressalta.
Tráfico internacional
Se as ruas das cidades são sinônimo de risco para crianças e adolescentes, em Abaetetuba o perigo é redobrado. A partir de meados da década de 1990, o município passou a integrar a rota internacional do tráfico de drogas. Os entorpecentes vêm de Medellín, na Colômbia, e têm como destino a Guiana, de onde partem para a Europa. O posicionamento geográfico da cidade — rodeada por ilhas — dificulta a fiscalização e atuação da polícia. “Hoje, além da exportação, há consumo interno. As bocas-de-fumo funcionam com a conivência de policiais. Alguns vão uniformizados receber a propina”, denuncia Giovenali. “O tráfico de drogas não sofre nenhum arranhão.”
O resultado pode ser observado nas zonas periféricas da cidade. Em meio às casinhas sobre palafitas, há aglomerados de jovens de manhã até a noite. Aos 14 anos, Jonas** já foi preso por tráfico. Ajudava o pai, vendedor de maconha, a distribuir a droga pela cidade. Na delegacia, uma policial recebeu suborno de R$ 250 para liberá-lo. A mãe do adolescente garante que ele não é usuário. Diferentemente de um outro menino, de 8 anos, que já se tornou dependente químico.
Falta de horizonte
Em Abaetetuba, quem quer fugir da quase condenação a um futuro de marginalidade e abandono tenta, bravamente, se apegar às poucas opções disponíveis numa cidade onde não há cinemas nem teatros. Eliana da Conceição Ferreira, 14 anos, participa da Pastoral do Menor, movimento da Igreja Católica que organiza cursos e atividades de cidadania voltados aos adolescentes. Uma das tarefas do grupo é o estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Eliana conta que um dos direitos garantidos pelo ECA e violados na cidade é o acesso à escola. Estudante da oitava série da Escola Estadual Professora Terezinha de Jesus Lima, a menina sofre com as condições precárias. As salas de aula não têm forro. O sol bate forte no rosto dos estudantes que, não à toa, acabam abandonando o estudo. Somente neste ano, 500 alunos pediram transferência para outras escolas. Muitas ficaram sem vagas. “Nem dá gosto de estudar assim”, diz Eliana.
O mesmo problema é enfrentado por Laura*, 15 anos, menina que quer estudar direito para evitar que as crianças sejam vítimas de violações. “No ano passado inteirinho ficamos sem dois professores. Mesmo assim, passaram todo mundo para a outra série”, diz. Além das condições físicas precárias da escola, ela enfrentou, até o mês passado, outra dificuldade para estudar. Órfã de pai aos 3, abandonada pela mãe aos 6, Laura trabalhava para ajudar a avó, que recebe um salário mínimo por mês, a pagar as contas.
Até o ano passado, ela cuidava de três crianças das 12h às 21h. Ganhava R$ 120. “Mas não dei mais conta, era muita coisa para fazer”, conta. Recentemente, começou a trabalhar para uma comerciante, fabricando velas de umbanda. “Já me queimei muito. Tem que puxar o pavio com a vela ainda quente, é um trabalho muito chato.” Só largou o ofício porque a lojista não pagou o que devia. O irmão de 10 anos, por exemplo, continua na labuta. Vende caroço de açaí das 17h às 23h, a R$ 2 por dia, sem ser incomodado por nenhum agente público. “Acho que é por isso que ele já repetiu três vezes a segunda série”, arrisca Laura. (PO)
De acordo com pesquisas científicas, ao aprender música os alunos também desenvolvem a disciplina, a sociabilidade e a concentração. “Aprender a tocar um instrumento é um ganho enorme para a vida de uma pessoa. O entendimento da música contribui para o desenvolvimento do raciocínio complexo”, comenta Ira Levin, maestro titular da Orquestra Sinfônica de Brasília. Para ele, estudar música, principalmente a música clássica, também é um ganho cultural. “Apreciar uma peça de Mozart é um prazer que une diferentes culturas, algo que nos identifica como espécie”, comenta.
A lei ainda precisa ser regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Mas a idéia é que o ensino seja feito dentro da cadeira de artes e que cada escola, de acordo com suas necessidades, interesses ou capacidades, escolha que tipo de aula oferecerá. “A disciplina artes costuma ser entendida como ensino de artes plásticas. A maioria das escolas opta pelo estudo de História da Arte. Com a lei, os alunos também aprenderão música”, afirma Júlio Linhares, secretário da Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado.
Apelidada de “merenda d’alma” pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF), a lei foi resultado de um ano e seis meses de discussões encampadas por músicos e educadores. Estrelas, como Daniela Mercury, Gabriel, o Pensador e Frejat percorreram os corredores do Congresso Nacional para defender a idéia. Os colégios terão três anos para se adaptarem à nova exigência curricular. O prazo é grande porque, em locais mais afastados, as instituições de ensino serão obrigadas a contratar professores de outros estados ou então formar mão-de-obra — para dar aulas, será exigida dos professores licenciatura na área.
Coordenador do Grupo de Articulação Parlamentar Pró-música, Felipe Radicetti reconhece que, se a implantação fosse imediata, o cumprimento da lei seria difícil por conta da falta de professores capacitados. Mas acredita que gradualmente o problema será solucionado. “A lei cria demanda no mercado, o que estimulará os próprios músicos a investirem em formação”, comenta Radicetti, que é pianista.
Voz
Para comemorar e divulgar a nova lei, o Coral do Senado tem feito apresentações em escolas do Distrito Federal. Na segunda-feira, cerca de 150 crianças com idades entre 7 e 12 anos participaram de uma simulação de aula de coro no auditório da Escola Parque da 108 Sul. Apesar de quase incontroláveis na entrada, as crianças ficaram atentas durante a apresentação do coral. Os mais agitados apenas saltitavam ao ritmo das músicas, enquanto os adultos cantavam no palco.
Chamados a participar, meninos e meninas responderam obedientemente às ordens dadas pela maestrina Glicínia Mendes, 51 anos. “A música consegue controlá-los porque ela é um prazer”, opina a regente. Para Estefani Menezes de Araújo, 9 anos, o ponto alto da apresentação foi justamente acompanhar as instruções dadas pela maestrina. “Eu adorei quando cantamos com eles”, afirmou a menina, aluna da Escola Classe da 305 Sul.
Na opinião de Glicínia Mendes, a música também aumenta o auto-conhecimento e a tolerância, já que obriga os estudantes a ouvir. “Para aproveitar os sons, eles precisam conhecer o silêncio”, descreve. A maestrina realça que as aulas de canto e a formação de corais dentro das escolas são uma boa alternativa para as escolas. Segundo ela, formar um coral exige pouco investimento e traz ótimos resultados. “No caso dos corais, a voz é o instrumento. Um instrumento potente e gratuito”, defende.
O número
PRAZO
3 anos
As escolas terão para se adequar à nova lei do ensino musical
O texto que foi submetido à votação da CE previa inicialmente a reserva
de vagas apenas para as instituições federais de educação profissional
e tecnológica. A inclusão de instituições de ensino superior foi
sugerida, durante o debate, pelo senador Marconi Perillo (PSDB-GO) e
prontamente aceita pela autora e pelo relator do projeto.
- Este é um dia muito feliz para a bancada da educação - celebrou Ideli.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-ministro da Educação, disse nesta quinta-feira (3) que o projeto que instituiu o piso nacional do magistério em R$ 950 para professores com carga horária de 40 horas semanais vai melhor o salário de 1,5 milhão de professores de todo o Brasil
Para o ex-ministro, dos 2,6 milhões de professores 1,1 milhão já
recebem mais do que esse valor. O projeto foi aprovado nesta
quarta-feira pelo Senado e entregue ontem ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva para sanção.
O senador, autor do projeto ao qual foi apensado a proposta do Poder
Executivo, disse que o piso "é uma grande conquista para os
professores, e é a primeira vez que o Brasil cria um sistema para todos
os professores".
De acordo com o senador, hoje no país há o professor estadual e
municipal, e que a partir de agora haverá "um ponto de ligação entre os
2,6 milhões de professores de todo o Brasil, que é o piso salarial
nacional".
"O importante é que se criou uma rede de professores no Brasil, que é o
primeiro passo para uma federalização no futuro, por isso é tão
importante", acrescentou.
Cristovam afirmou, ainda, que a partir de agora os professores passam a fazer parte de uma categoria nacional.
Quanto ao aumento nas despesas dos municípios que terão agora que pagar
no mínimo R$ 950 para os professores com carga horária de 40 horas
semanais, o senador disse que a medida não vai "quebrar" os municípios,
porque "o Fundeb já aporta recursos, dinheiro federal", para ajudar no
pagamento do piso.
O senador Cristovam lembrou que ontem o Senado também aprovou um
projeto que derruba o vício de tirar dinheiro da educação pela DRU
(Desvinculação das Receitas da União).
Projeto
Pela proposta, o piso salarial nacional será implantado em todo o país,
de forma gradual, até 2010. O valor deverá ser pago para professores
com carga horária de 40 horas semanais.
O piso de R$ 950 é uma antiga reivindicação da categoria. De acordo com
a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), existem
mais de 5 mil pisos salariais diferentes para a categoria, variando
entre R$ 315 e R$ 1.400.
Está prevista no projeto a complementação da União para os entes federados que não atingirem o valor de piso nacional.
A categoria temia que as eleições municipais e o recesso branco do
Congresso Nacional pudessem adiar a aprovação da medida. O projeto foi
aprovado na Câmara em maio.
Para acelerar a apreciação da matéria, o projeto foi apreciado na
quarta em duas comissões do Senado --Educação e Constituição e
Justiça-- e seguiu em regime de urgência para o plenário.
A denúncia, feita pelos procuradores da República Patrícia Núñez Weber,
Neide Cardoso de Oliveira, José Augusto Vagos e Fábio Seghese foi
protocolada na 7ª Vara Federal Criminal. Depois de recebida, os
interrogatórios dos acusados serão marcados para os próximos dias, já
que todos estão presos preventivamente. No fim do processo, se os réus
não forem absolvidos pela Justiça, serão julgados pelo Tribunal Federal
do Júri Popular.
Triplamente qualificado
O MPF imputou a cada militar os crimes de homicídio triplamente
qualificados, porque foram cometidos cruelmente, sem possibilidade de
defesa pelas vítimas e por motivo torpe. A pena para cada réu varia de
12 a 30 anos.
A denúncia partiu de investigações da Polícia Civil, em inquérito
enviado na semana anterior pela Justiça Estadual à Justiça Federal.
Além de ratificarem o pedido de prisão preventiva dos 11 denunciados,
os procuradores pediram à 7a Vara que requisitasse ao Ministério
Público Militar uma cópia do Inquérito Militar, que também apura os
crimes militares cometidos.
Como aconteceu
Os militares vigiavam o Morro da Providência durante as reformas de
casas no projeto federal Cimento Social. Segundo o MPF, comandados pelo
tenente Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade, eles levaram as três
vítimas num caminhão do Exército ao Morro da Mineira, controlado por
uma facção de traficantes rival aos que atuam no Morro da Providência.
Segundo a denúncia, todos os réus sabiam que os jovens seriam mortos.
O MPF pediu ao juiz Marcelo Granado, da 7a Vara, a quebra dos sigilos
telefônicos dos militares, para apurar se houve contato prévio entre os
eles e os traficantes do Morro da Mineira. Isso porque, segundo o MPF,
os 11 entraram em zona hostil de forma amistosa, conversando
tranqüilamente com um integrante da facção antes de entregarem as
vítimas.
"Demonstramos na denúncia a variada participação de cada um dos
denunciados na barbárie cometida. Nosso objetivo é que, através do
processo penal consigamos a responsabilização dos denunciados, na exata
medida de suas culpabilidades, a fim de que a flagrante ofensa cometida
aos direitos humanos não fique impune", afirmou a procuradora Patrícia
Núñez.
Os denunciados pelo MPF são: Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade,
Leandro Maia Bueno, José Ricardo Rodrigues de Araújo, Renato de
Oliveira Alves, Samuel de Souza de Oliveira, Eduardo Pereira de
Oliveira, Bruno Eduardo de Fátima, Sidney de Oliveira Barros, Fabiano
Eloi dos Santos, Julio Almeida Ré e Rafael Cunha da Costa S
Em troca, as universidades ganham isenção de tributos. Se elas
tiverem dívidas com a União, podem parcelá-las em até dez anos a juros
da taxa Selic (12,75% ao ano), menores do que as de um banco privado.
No último processo seletivo do programa, para o segundo semestre de
2008, foram oferecidas 118.871 bolsas, mas apenas 72.248 candidatos
foram pré-selecionados. Eles tiraram a nota mínima do Enem para
pleitear uma bolsa (45 pontos), mas, para obter a vaga, terão de
comprovar renda familiar per capita menor do que três salários mínimos.
Ou seja, as vagas ociosas podem aumentar.
Quase todas as bolsas não utilizadas são parciais (94%). Boa parte
(45%) é de ensino à distância --"modalidade que requer recursos
tecnológicos que, muitas vezes, os candidatos a bolsa não possuem, como
computador, acesso à internet em banda larga e possibilidade de
deslocamentos periódicos aos pólos [presenciais]", afirma o Ministério
da Educação, ao justificar a sobra.
A maior parte das bolsas, integrais ou parciais, não-preenchidas
(88%) são aquelas que as instituições oferecem a mais do que o número
exigido pela lei -uma bolsa para cada 10,7 estudantes pagantes. Essas
não têm impacto sobre o cálculo da isenção de tributos.
Se forem considerados os cursos, a sobra de bolsas se concentra em
administração (12%), ciências contábeis (9%), pedagogia (9%), turismo
(7%) e economia (6%). Essas áreas tiveram também o maior número de
bolsas oferecidas.
O percentual de bolsas não-preenchidas neste ano é similar ao
verificado em 2007. A proporção de bolsas ociosas foi de 33% no
primeiro semestre do ano passado --em maio de 2007, os números parciais
divulgados pela Folha
já indicavam uma sobra de 10,6% das vagas-- e de 40% no segundo. Em
2008, foi de 29% no primeiro semestre e, no segundo, no mínimo de 39%.
Medidas e críticas
Os novos números mostram o insucesso de medidas anunciadas em 2007
para estimular e facilitar as adesões ao programa. Entre elas, o
aumento do prazo de pagamento, de uma vez e meia o tempo de duração do
curso para o dobro de tempo -antes, um curso de quatro anos era pago em
seis anos e agora pode ser quitado em oito.
Especialistas apontam como razão para a sobra de vagas a dificuldade
de encontrar alunos que atendam aos dois pré-requisitos -a nota mínima
no Enem e o limite de renda.
Roberto Leher, do departamento de fundamentos da educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e crítico do ProUni, diz que não
houve, em paralelo com o programa, uma política para melhorar o ensino
médio e reduzir a evasão dos estudantes carentes.
"A seletividade social do ensino médio não se alterou. Nos primeiros
anos, o ProUni atendeu uma demanda reprimida. Agora, ela em parte foi
coberta, e o numero de alunos que conclui o ensino médio dentro do
nível de renda é muito baixo", diz. "Foi alterada a porta, mas não o
caminho até a porta."
Ryon Braga, da consultoria Hoper, aponta a renda como o maior
obstáculo. Segundo ele, além da bolsa, os candidatos precisam comprar
livros e pagar transporte, por exemplo.
O MEC criou uma bolsa-permanência de R$ 300 mensais, mas, no
primeiro semestre de 2007, apenas 4% dos selecionados foram
considerados aptos a recebê-la --o critério é ter bolsa integral e
estar matriculado em curso com ao menos seis horas de aula diárias.