Para o consultor em políticas de juventude José Miguel Abad, a participação dos jovens não depende só de vontade e oportunidade, mas da posição deles na estrutura social e na relação com as "velhas gerações"
A juventude é ao mesmo tempo o grupo com maior disposição para ação política e também o menos motivado para fazê-lo nos espaços convencionais
O Brasil possui uma das legislações mais avançadas do mundo voltada para a infância e a adolescência
Livia de Tommasi relativa o "poder" do empreendorismo e do mercado na solução dos problemas da empregabilidade e aponta para a necessidade de políticas públicas para o trabalho na juventude
Há um discurso ideologicamente orientado que coloca o empreendedorismo como uma solução para o problema do desemprego juvenil. Num sistema (capitalista) onde o emprego formal, a carteira assinada, se tornou uma "miragem" inatingível para a maioria dos jovens, o discurso neo-liberal (o mesmo partidário da flexibilização e da desregulamentação) propaganda o empreendedorismo como uma qualidade fundamental a ser cultivada entre os jovens e, ao mesmo tempo, uma forma de inserção no mundo do trabalho através do chamado auto-emprego, ou seja a abertura de um negocio ou empreendimento próprio. Apesar do que o próprio SEBRAE, o órgão ao qual o governo federal tem confiado a tarefa de formar os jovens ao empreendedorismo e, ao mesmo tempo, de assessorar a criação de micro-empreendimentos, divulga números que são muito pouco animadores sobre o sucesso no mercado e a vitalidade desses empreendimentos (ou seja, que somente 5% por ano dos empreendimentos conseguem se manter no mercado, enquanto o resto é destinado à falência) os programas desenvolvidos por muitas entidades miram a estimular a criação pelos jovens de um negocio próprio (por meio de cursos de capacitação para produção e gestão em diferentes áreas da economia, que vão do artesanato, à produção agrícola, aos serviços em âmbito cultural, etc.). Muitos jovens que concluíram esses cursos e não conseguiram montar seu empreendimento sentem recair a responsabilidade pelo fracasso nos seus ombros: não consegui porque não fui um bom empreendedor. No âmbito da ideologia neo-liberal essa inversão de responsabilidades é comum: assim, os pobres (e especificamente os jovens, "o futuro da nação") são os principais responsáveis pela solução de seus problemas. São eles que devem arregaçar as mangas e trabalhar para enfrentar os problemas provocados pelas receitas neo-liberais promovidas pelo FMI e o Banco Mundial: a concentração de renda, o aumento da desigualdade econômica, social e cultural, a exclusão, o desemprego, etc. É a idéia de Estado mínimo aplicada ao âmbito econômico e social. Se admitimos que somente uma parcela mínima de empreendimentos tem espaço no sistema econômico assim como ele esta organizado atualmente, deveríamos por conseqüência admitir que não basta estimular o espírito empreendedor, estimular a criação de empreendimentos para que eles se tornem uma alternativa eficaz ao problema do desemprego e à busca pela geração de renda. Pelo menos, o estimulo ao empreendedorismo deveria ser acompanhado por outras medidas que intervenham na forma como o mercado e o trabalho estão organizados. Muitas vezes me parece que o termo empreendedorismo poderia ser tranqüilamente substituído, no discurso, por "capacidade de iniciativa". Ou seja, o moderno espírito empreendedor não seria outra coisa do que a antiga atitude a ter iniciativa, qualidade de fato bastante importante para encontrar um lugar no mundo e bastante deficitária sobre tudo entre os jovens e especificamente aqui no Nordeste onde a dispersão, o andar "devagar quase parando" característicos de uma geração se juntam à uma atitude típica de esperar que o outro (que sejam os poderosos locais, os governos, os chefes e até Deus) resolva os problemas. Concordo na necessidade de superar uma visão fatalista e conformista frente à vida. Mas me incomoda essa necessidade de importar um termo do âmbito empresarial, para nomear uma qualidade, uma atitude tão antiga e fundamental para a construção dos sujeitos. Acredito que o Estado deve promover políticas públicas que garantam a todos os cidadãos viver em condições dignas. Dentre essas condição, é central a possibilidade de se inserir no mundo do trabalho e gerar a própria renda. As medidas em âmbito econômico são fundamentais para encontrar novas formas de organização e regulamentação da economia, assim como novas formas de organização do trabalho. Junto com uma "atitude empreendedora" é preciso mexer nas formas de organização do trabalho, para garantir o direito ao trabalho em particular entre os jovens. Vou citar algumas medidas que considero centrais e possíveis de ser alcançadas no âmbito dos nossos governos: a) a reforma da lei que regulamenta a criação de cooperativas (desburocratização, diminuição da exigência mínima de 20 membros para a criação de uma cooperativa, etc.) b) regulamentação especifica para a criação de cooperativas na área dos serviços sociais. Há no Brasil uma quantidade de demandas por serviços em área social e cultural (gestão de bibliotecas públicas, implantação de creches, atendimento aos deficientes, acompanhamento para os idosos, só para citar alguns desses serviços) que poderiam ser atendidas por cooperativas de jovens formadas por esse fim (faço referencia aqui a uma lei para o estimulo ao primeiro emprego juvenil através da formação de cooperativas sociais que foi criada na Itália em 1977, a Lei 285). Alguns desses serviços estão hoje quase completamente descobertos; outros estão sendo realizados através do estabelecimento de convênios entre o setor público e o chamado "terceiro setor". A criação de cooperativas sociais por parte dos jovens me parece responder ao interesse que muitos jovens expressam por trabalhar sem patrão, com relações horizontais, organizar atividades com seu grupo de pares, em particular no âmbito de serviços culturais, sociais, artísticos, esportivos (as periferias das cidades estão cheias de iniciativas nesse sentido, de grupos que realizam ações nessas áreas, mas que esbarram numa quantidade de exigências burocráticas quando tentam se legalizar para poder ter acesso a financiamentos públicos). c) Ampliar a oferta pública por serviços na área social e cultural, por meio de investimentos consideráveis (inclusive em termos orçamentários) por parte do setor público. d) Reformar a Lei que regulamente o mercado das licitações públicas, favorecendo que os pequenos empreendimentos da economia solidária vendam seus produtos nesse âmbito. Com certeza, há muito mais a ser feito. Citar essas medidas tem a finalidade de ilustrar praticamente a necessidade de acompanhar o estimulo ao empreendedorismo de outras medidas, políticas e econômicas, sem as quais os apelos ao empreendedorismo viram meramente ideológicos e retóricos. Livia de Tommasi – Rede Juventudes - Recife Fonte: http://blog.pangea.org.br/2006/06/27/que-empreendedorismo-juvenil/ Publicado no site Blog.jet.org.br em 28 de junho de 2006
As atuais propostas de leis de ação afirmativa visam transformar o quadro de desigualdade racial que a ética do silêncio, construída no contexto da sociedade escravista, não conseguiu reverter
Em 1851, o Império do Brasil aprovou a implantação de um registro civil e a realização de um recenseamento geral, no qual a cor da população livre deveria ser declarada. Cerca de metade dessa população era classificada como parda em estimativas populacionais do final do período colonial. O regulamento ganhou a alcunha de Lei do Cativeiro e resultou em uma revolta popular que acabou por fazer o Estado Imperial desistir da medida. A população livre rejeitava os marcadores raciais que a aproximavam da escravidão.
Desde esta época, desenvolveu-se uma verdadeira ética do silêncio em relação à cor dos brasileiros, sempre que em situações formais de igualdade. Nos documentos do período, porém, os escravos sempre tinham cor. Assim, apesar da ética do silêncio, os afrodescendentes livres eram confrontados com sua cor, toda vez que se afastavam de suas redes de relações pessoais.
Em 1823, Antônio Rebouças, filho de liberta,herói da Independência, quase foi impedido de chegar ao Rio de Janeiro. Para seguir em frente, teve que fazer prova de seus conhecimentos jurídicos e dos acontecimentos ligados à independência da Bahia. Para ele, a única raça existente era a raça humana e, por isso, defendeu, nos termos da época, a presença da população afrodescendente nos conselhos da monarquia, em nome da união nacional. Não foi ouvido. Seu filho, o engenheiro abolicionista André Rebouças, compartilhava a mesma convicção anti-racista. Considerava a reforma agrária um complemento essencial do processo de abolição. Ela não veio. Desiludido com a República, acompanhou o imperador no exílio e foi depois buscar suas raízes na África. Morreu com o coração africano.
A raça/cor como estigma e identidade ligados à memória da escravidão precede, no Brasil, o discurso científico sobre as raças. Sem questionar o estigma, uma ética do silêncio tentava incluir todos que conseguiam entrar no círculo dos cidadãos de bem e de bens. As políticas públicas a partir de 1870 se esforçariam por manter este círculo predominantemente branco. Uma criança negra que chegasse aos bancos escolares em 1950 ainda seria obrigada a ler nos manuais de História que o brasileiro era um povo de aparência predominantemente branca, fruto da feliz mistura de três raças.
As pressões dos movimentos negros, desde a década de 1970, começaram a quebrar a ética do silêncio construída no contexto da sociedade escravista. As atuais propostas de leis de ação afirmativa visam transformar o quadro de desigualdade racial que o silêncio não conseguiu reverter. Não nasceram de cima para baixo. Ao contrário, revelam a presença de novos atores no processo político, um dos melhores frutos da democratização da sociedade brasileira desde a aprovação da Constituição de 1988.
Não consigo visualizar os riscos alardeados pelos críticos das medidas já em vigor ou ainda em discussão. Os efeitos positivos da aprovação da lei que tornou obrigatório o ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira são evidentes na riqueza e pluralidade das iniciativas com ela relacionadas. A polêmica sobre a qualidade dos alunos ingressos nas universidades pelo sistema de cotas parece-me equivocada. O essencial para garantir a qualidade acadêmica do acesso às universidades públicas é a formulação de critérios e notas de corte mínimos. Há muitos aspectos a serem discutidos no estatuto da igualdade racial, mas o perigo de aprisionamento dos cidadãos em categorias raciais fixas criadas pelo Estado me parece bastante atenuado com o recurso à autodeclaração. Que implica, inclusive, o direito de não-identificação.
Todos já ouvimos falar da famosa pesquisa em que cerca de 97% dos entrevistados afirmaram não serem racistas, mas, ao mesmo tempo, disseram conhecer alguém que o era. Ao contrário de muitos dos meus colegas historiadores, a mim, a História sugere que falar da raça/cor de cada um, pensar junto como estas categorias foram construídas, enfrentando tensões antes silenciadas, é o caminho certo para construir uma sociedade melhor para todos, porque mais justa e menos marcada por tensões raciais.
HEBE MATTOS é professora titular de História do
Brasil da Universidade Federal Fluminense.
Publicado em 06/07/06 no jornal O Globo
Artigo discute o processo de abolição da escravidão e defende que ação afirmativa é mais do que cota para afrodescendentes nas universidades
Quando se quer um exemplo eloqüente de que o Brasil é um país esquisito, lembra-se um fato histórico: houve aqui quem defendesse a idéia bizarra de indenizar os donos de escravos pelo fim da escravidão. Os gaiatos da época tentaram espetar essa conta na viúva. Defendiam o argumento bisonho de que estavam sendo expropriados. A tese dividiu: do lado dela, ficaram os emancipacionistas querendo que os escravistas tirassem a última casquinha daquele sistema econômico hediondo; do outro, ficaram os abolicionistas, como Ruy Barbosa e José do Patrocínio. Eles venceram e foi decretado o fim oficial desta vergonha que marcou para sempre a sociedade brasileira. Deveria ter sido o primeiro passo de uma nova era, mas foi entendido como o objetivo final. Os abolicionistas comemoram a vitória. Era cedo e este foi o erro: o mundo novo se constrói com as ações que se seguem após a ruptura.
A tese da indenização aos escravistas parecia destinada a ser, assim, apenas o emblemático sinal de uma sociedade construída para ser desigual, para favorecer favorecidos e que usa os mais tortuosos raciocínios em favor da manutenção dos privilégios. Era uma extravagância lembrada para espantar, mas reapareceu num artigo publicado aqui pelo empresário Ruy Barreto. Ele sustenta que tudo, toda a tragédia social brasileira, a violência dos AR-15 do Rio de hoje, deve-se a dois erros: a escravidão deveria ter durado um pouquinho mais, seis meses, até a colheita, e seu fim deveria envolver indenizações aos proprietários. Aqueles seis meses e um dinheiro a mais para a elite nos salvariam para sempre. “No efeito dominó da abolição foram terrivelmente golpeadas as economias fluminense, mineira e capixaba baseadas na cafeicultura”, sustenta o empresário.
Que não se reclame de falta de indenização. Todas as políticas de subsídio aos cafeicultores do IBC, aos usineiros do IAA; os pacotes de socorro agrícola, sempre tão pontuais, ainda hoje. As federações empresariais usam dinheiro destinado a educar o trabalhador. Os subsídios do BNDES usam o dinheiro do “amparo ao trabalhador”. Erro achar que não houve indenização. O país não faz outra coisa a não ser distribuir dinheiro para cima. O que nos infelicita é o excesso de indenização na direção errada.
A escravidão brasileira durou mais de 300 anos, marcou o Brasil, foi violenta e trágica. Ao fim dela, era preciso ter adotado políticas para apoiar os negros e seus descendentes na busca de ascensão social. Ainda é preciso. É disso que trata o debate atual — que se perde em tantos descaminhos — sobre a ação afirmativa.
Ação afirmativa é mais do que cota nas universidades; ainda que elas tenham a função fundamental de tornar menos injusto o destino dos recursos públicos na educação superior. Ação afirmativa é um novo olhar para a sociedade, a busca constante, em cada política pública, em cada empresa, em cada escola, da construção de uma nova sociedade que possa aspirar, um dia, a se ver livre do passado escravocrata e de suas marcas no Brasil de hoje.
Uma reportagem da revista “Nova Escola” contava a história de uma menina branca que queria parecer com sua melhor amiga, negra. Ela queria também ter aquele belo penteado todo enroladinho, com tranças fininhas, enfeitadas com conchas coloridas. Querer imitar a melhor amiga é natural e saudável, mas, para chegar a esse resultado, a escola trabalhou duro; na demolição dos preconceitos, no orgulho das crianças negras, no tratamento harmônico na sala de aula, na busca de professores negros e brancos, na pesquisa de livros que contassem uma história equilibrada em que os heróis eram brancos e negros e, juntos, construíram a nação.
Não são as ações afirmativas que vão criar uma divisão racial. Não produzirão o racismo. As divisões existem hoje, sempre existiram. Quem quiser saber delas, ouça o que os negros têm a contar do seu cotidiano. Para varrer todo o lixo amontoado daquele tempo e dos tempos que se seguiram, dos erros reiterados, o país precisa se dedicar à lenta construção de uma sociedade sem preconceito. O caminho é longo, estamos atrasados. Borandá.
Publicado em 2/5/2006 no jornal O Globo
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