Em entrevista ao Observatório Jovem, a professora da Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense Tereza Carreteiro fala sobre a relação entre os jovens e o trabalho
Tereza Cristina Carreteiro é doutora em Psicologia Social Clínica pela Universidade de Paris VII e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Além de juventude e trabalho, a professora tem realizado pesquisas sobre exclusão social, subjetividade, história de vida e comunidade.
Observatório Jovem (OJ) - Em parceria com o Ibase, o Observatório Jovem fez uma conversa com jovens de diferentes perfis sobre o tema trabalho. Pudemos perceber que o tema perpassa de maneira significativa o imaginário de todos. Por que o trabalho tem esse valor na vida do jovem?
Teresa Carreteiro (TC) – O trabalho começa a ser a partir da Revolução Industrial um organizador da sociedade. Cada vez mais o trabalho vai ter um cunho identitário importante para os indivíduos de modo geral. Se você analisa no Brasil, os direitos sociais ficaram ligados à questão do trabalho. Me parece que muito recentemente há uma mudança no Brasil e os direitos sociais passam a não estar ligados ao trabalho. Isso é uma questão. Por outro lado, me parece que o trabalho de certo modo vive uma crise. Trabalho com as teorias de um pesquisador que se chama Yves Barel. Ele diz que o trabalho é um grande organizador social, no entanto, a crise pela qual passa faz com ele não seja mais o organizador. Mas o que acontece é que a gente não sabe o que pode colocar no lugar desse organizador. Então esse pesquisador diz que é como se o trabalho continuasse a ser o grande organizador social. Mas percebemos que existe uma certa fragilidade aí. Agora, eu acho que para o jovem, já há muito tempo, o trabalho tem um lugar de centralidade. Toda a sociedade vai enfatizar esse lugar. A escola vai enfatizar de n maneiras. Tem escolas que se colocam um pouco na gestão do tempo futuro dos jovens, incutindo muito essa idéia de trabalho. Pensando muito em dar um leque grande de formações para que os jovens possam ficar capacitados para esse lugar futuro. Eu acho que em outras escolas, é isso que eu estou tentando verificar agora, isso não acontece tanto, mas a temática está sempre presente.
OJ – Há diferenças entre escolas públicas e privadas nessa valorização do trabalho?
TC – Eu acho que sim. Mas ainda não posso afirmar com certeza. Existem escolas e escolas. É claro que algumas instituições privadas tem muito mais recursos, inclusive, para propor atividades que sejam extra-escolares. Eu estou percebendo que para determinados segmentos de jovens há uma relação forte entre trabalho e sobrevivência, para outros segmentos eles colocam trabalho e realização pessoal e para outros, ainda, o trabalho atua como uma ponte para a realização pessoal, mas a questão da sobrevivência também é muito premente.
OJ – E o papel da família?
TC – As famílias estão cada vez mais incentivando os jovens para se capacitarem o máximo possível, geralmente através dos estudos, para conseguirem um trabalho. Algumas famílias conseguem mais ajudar o jovem nesse acompanhamento. Outras dizem para o jovem estudar primeiro e ganhar a vida depois. Ou seja, de acordo com a categoria social, algumas incentivam mais na questão da sobrevivência, até porque é uma necessidade mais premente. Principalmente para os rapazes é um momento de angústia muito grande quando vai se aproximando os 18 anos, idade que traz esse símbolo da maioridade, muita coisa vai mudando e eles sentem que tem que ter uma responsabilidade grande. De modo geral, as famílias de classe média e média alta se colocam um pouco como se fossem gestoras do futuro dos filhos. Essa quantidade de coisas que fazem nossos adolescentes, diversos cursos, é um pouco como se as famílias estivessem tentando ser gestoras de um tempo futuros desses filhos. De certo modo, todas as famílias estão se vinculando a essa realidade na qual o mercado de trabalho é muito adverso. Quanto mais capacitação você tiver, melhor vai se inserir nesse mercado. Eu trabalho com um autor que se chama Vincent de Gaulajac, ele fala muita dessa questão da sociedade como uma grande gestora. Essa idéia de gestão vai se segmentando nas instituições familiar, escolar... Sempre se pensando nesse tempo mais tarde.
OJ – Como você vê a idéia na qual o “ócio” é visto como negativo e precisa ser combatido?
TC – Eu já trabalhei em algumas localidades onde existia um contexto social com uma violência muito grande. Aí me chamou muita atenção essa questão do ócio. O ócio sempre visto como negativo. É interessante como nesses momentos as pessoas explicitam uma série de ditados populares como “o ócio é inimigo do trabalho”, “cabeça vazia morada do diabo”. Este último ditado tem uma pregnância, uma força muito grande. Quando se trabalha com essa questão do ócio, com a idéia de que “é melhor estar aqui do que estar na rua” – muitas instituições trabalham com essa idéia – me parece que para o jovem é muito difícil de lidar com isso. É como se ele pudesse ser representado como alguém que pode se tornar perigoso. É como se tivesse uma potência de perigo. Essa é uma questão muito complicada. Determinados segmentos de jovens, que vivem em certas localidades com um nível de tráfico de drogas e violência grande, são vistos como tendo essa potência de perigo. Cria-se um sofrimento para o sujeito e é uma coisa muito difícil de tocar. É quase como se existisse um modo de reagir a isso, que é pelo ser herói, pelo trabalhar muito, para mostrar que não é um sujeito potência de perigo. Então, o trabalho é como se fosse algo para desviar desse imaginário. Eu acho que é um trabalho que cumpre todas essas funções de construção de identidade, de sobrevivência, mas cumpre ainda mais essa função que é a de poder afastar do ócio, visto como negativo.
OJ – Para um jovem de classe média é diferente?
TC – É muito diferente. Eu acho que para o jovem de classe média o ócio não é visto com essa idéia de potência de perigo, é visto mais no sentido de questionamento sobre o que o jovem vai ser mais tarde, uma questão mais de objetivo. Talvez esse cenário que se ligue ao ócio seja mais o cenário do desemprego, de não ter uma boa colocação, de não alcançar um lugar de excelência, que está no imaginário social.
OJ – Você acha que o jovem tem um retorno pela capacitação profissional que ele procura ou é aconselhado a procurar?
TC – É importante analisar qual é o mercado de trabalho atualmente. O que se pede de um trabalhador, aí eu estou usando a idéia de trabalhador em um sentido bem amplo, é que ele tenha o máximo de conhecimento, o máximo de capacitações, e que ele seja o mais flexível possível. Tem um autor, Alan Ehrenberg, que trabalha com a idéia de que todo o indivíduo, dentro do imaginário atual é um indivíduo insuficiente, sempre tem que ter mais alguma coisa. Você sempre tem que alcançar mais. É como se nunca pudéssemos nos sentir satisfeitos com um determinado patamar. Eu acho que isso está em todos os trabalhos. Para o jovem, o mercado é muito cruel porque ele vai querer aquele que seja o mais flexível e tenha o máximo de capacitações possível. Então, sempre vai haver esse desajuste entre o que é oferecido e o que o jovem está podendo dar naquele momento.
OJ – Essa exigência não choca com a questão da educação? Como o jovem vai estudar se ele precisa se doar tanto para o trabalho?
TC – É verdade. É como se os sujeitos tivessem que ser sempre múltiplos. O tempo tem que ser um tempo enorme, não dá mais para ser só de 24 horas. Isso é uma cobrança muito grande para o jovem. Mas eu acho que a gente tem também que iluminar isso a partir do que se pede dos trabalhadores de modo geral hoje. O que se pede é que ele seja super, se atualize o máximo possível, possa acompanhar o máximo possível uma série de transformações.
OJ – Você defende que deva haver políticas públicas de trabalho para a juventude?
TC – Eu acho que sim. Eu não posso te falar muito sobre as atuais políticas de juventude porque eu não estou estudando muito isso. Mas, uma das críticas que eu tenho sobre as políticas de capacitação é que elas são muito pontuais para os jovens. O jovem participa de um projeto de capacitação, termina e fica muito investido no momento que ele está e depois é como se não tivesse um acompanhamento dessa capacitação. Ele termina e está de novo entregue a ele mesmo, só mais capacitado. Nós no Brasil trabalhamos ainda muito com essa idéia de pontualidade e não tem muito acompanhamento do Estado para depois disso. A idéia que é muito ilusória é de que se você está mais capacitado, você vai conseguir. Mas como é que se acompanha esse jovem nesse momento de transição? Ele fica de novo sozinho. Tem um momento que cai em um certo abismo e o jovem tem que segurar sozinho. Eu não estou dizendo que não prezo a questão da autonomia, mas é preciso poder se criar modos políticos de acompanhamento. De certo modo, nossos jovens reagem muito bem, querem sempre participar dos projetos e de repente caem de novo em um certo limbo.
OJ – Existe alguma diferença na concepção do trabalho para jovens homens e mulheres?
TC – Eu acho que, de um modo geral, a sociedade é mais complacente com as mulheres do que com os homens. Eu estou pesquisando em uma localidade de baixa renda, mas não tão baixa, não quero dizer que esses dados são conclusivos. O que o grupo de pesquisa tem percebido é que para as meninas há essa questão de ter mais tempo para poder escolher. A família tem mais paciência. É interessante que tem uma baixa renda que é parecida muito com a classe média. Para os meninos o fato de ter 18 anos é muito mais angustiante porque realmente é um marco. Agora, é como se o jovem pensasse que todos os valores que ele recebeu da família ele tem que colocar em prática, tem que ser uma pessoa que arque com as despesas dele, que tem que ajudar em casa. Eu já fiz uma pesquisa preliminar em uma favela da zona norte, onde os meninos tinham muito essa idéia de ser provedor da família. Isso era menos pregnante com relação às meninas. O modo como as meninas tinham que ajudar era mais ajudando na administração doméstica. Há pouco tempo eu fiz umas entrevistas exploratórias na praia. Começamos a entrevistar rapazes e moças. Essa questão da família ser mais condescendente, aí eu estou falando de classe média mais alta, no caso das moças a família dizer que é importante fazer o que o jovem queira, dizer para não trabalhar agora, para trabalhar mais tarde, mas naquilo que a jovem achasse que fosse bom para ela. Essa questão também passava pelos rapazes que entrevistamos, mas era uma questão onde o ter que trabalhar era mais premente, ter que ganhar dinheiro. Agora, eu acho que a questão da realização social é um marcador das expectativas das diferentes classes sociais.Tem uns que colocam a realização social em primeiro plano e para outros essa realização pessoal existe, mas às vezes nem é muito questão.
OJ – E o sonho do jovem em ter uma profissão?
TC – Eu acho que tem sonhos que fecundam a realidade e, às vezes, a premência da necessidade em categorias sociais de baixa ou baixíssima renda, essa premência não faz com que o sonho possa fecundar a realidade e o sonho fica muito nessa esfera da idealização. Enquanto que para a categoria social de classe média e media alta é possível você ter uma proximidade maior com o que você chama de sonho; eu chamaria de um projeto. E o jovem tentar ver o que pode fazer na realidade com esse projeto. Eu acho que tem uma questão que institucionalmente categorias sociais de renda mais elevada têm muito mais condições de buscar os instrumentos na realidade e ir organizando esse projeto. Em certas categorias sociais existe uma ausência de instrumentos para realização desses projetos.
OJ – Para esses jovens de classes populares, o Ensino Superior é visto como uma possibilidade para conseguir um trabalho?
TC – Para alguns sim, mas outros nem pensam nisso. As profissões midiáticas tem um apelo enorme. Eu chamo de profissões midiáticas aquelas que vão enfatizar o esporte, a imagem, as artes. Então, ser cantora, manequim, artista, ator, DJ tem um apelo muito grande.
OJ – Por que?
TC – Eu acho que tem uma influência da mídia televisiva enorme. Os exemplos de sucesso próximos são o jogador que veio de baixo, o DJ, a cantora. Tem uma série de figuras de identificação que são próximas e me parece que essas profissões de certo modo condensam alguns atributos que são muito valorizados socialmente, que é a questão do corpo, da velocidade, de conseguir uma profissão de maneira rápida. Essa coisa da rapidez, de você poder se tornar de um dia para o outro. Todos esses programas de televisão, os reality shows, é isso que eles fazem, criam celebridades de um dia para o outro. Então, essa questão da celebridade é muito presente no sonho dessas profissões. E eu acho que se elas estão tão presentes é porque outras no universo social no qual esses jovens vivem não estão tão presentes. O que, por exemplo, que eles convivem com advogado, desenhista, com psicólogo, comunicador social... Convivem com o médico e, às vezes, advogado, então pelo pensamento deles passa médico, advogado e professora porque essas profissões estão no horizonte social. Policial também passa. Ser militar para muitos é importante. Mas o que percebemos mais são as profissões midiáticas. Toda a mídia reforça isso. Existe uma ausência para o jovem que vive em determinadas localidades que tem muitas dificuldades, de encontrar perto dele propostas de outras profissões que poderiam ajudá-lo a criar algumas idéias profissionais como pólo de identificação.
OJ – A mídia atua também de forma a criar a idéia de que algumas profissões são subalternas?
TC – Eu não tenho dúvidas. Tem uma série de mensagens que vão passando. Escrevi um artigo sobre reality shows. Teve uma época que prestei atenção a uma chamada para um Big Brother, foi depois de uma moça ter ganhado o Big Brother, então ela estava linda, maravilhosa, com um copo de champagne na mão e tinham duas empregadas domésticas. Ela tinha uma atitude de desprezo com aquelas duas empregadas domésticas. As duas, então, conversavam entre si e o que elas falavam era que iria haver o Big Brother e que elas deveriam se candidatar. Repare só, se analisamos essa chamada, o que se está valorizando é essa dondoca que pede um copo de champagne e que está tendo uma atitude de humilhação, de menosprezo em relação às duas pessoas que trabalham na casa dela. E elas vêem como a única saída alguma coisa que vai passar pela televisão. Esse é um exemplo, mas têm muitos outros. Todo o trabalho tem a sua positividade, qualquer que seja o trabalho você tem que ter criatividade para exercê-lo.
Sobre o tema
Leia também:
Juventude no Campo: problemas e tarefas
Assista aos filmes:
Eles não usam black-tie, de Leon Hirzman, Brasil (1984)
Pão e Rosas, de Ken Loach, Reino Unido/França/Alemanha/Espanha/Suécia (2000)
Tempos Modernos, de Charles Chaplin, Estados Unidos (1936)
O Corte, de Costa-Gavras, Bélgica/Espanha/França (2005)