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Juventude, relações de gênero e culturas juvenis

5"A preocupação dos movimentos feministas com o público feminino juvenil vem aumentando". No mês da mulher o Observatório Jovem procurou Wivian Weller, autora de “A presença feminina nas (sub)culturas juvenis: A arte de se tornar visível“

No mês da mulher o Observatório Jovem procurou Wivian Weller, autora de “A presença feminina nas (sub)culturas juvenis: A arte de se tornar visível“. Wivian Weller é professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. É coordenadora do grupo GERAJU "Educação e políticas públicas: gênero, raça/etnia e juventude", no qual desenvolve pesquisas sobre os  temas: juventude, relações de gênero e étnico-raciais; culturas juvenis, educação e políticas públicas, metodologias qualitativas, tendo publicado diversos trabalhos em anais, livros e revistas de circulação nacional e internacional.

O tema da entrevista foi a mulher jovem, sua visibilidade e sua luta cotidiana.

Observatório Jovem – Os movimentos feministas da atualidade têm alcançado / alçado as lutas do público jovem?

Wivian Weller - A preocupação dos movimentos feministas com o público feminino juvenil vem aumentando, e as novas feministas já adquiriram um espaço importante, por exemplo, nas edições do Fórum Social Mundial em Porto Alegre ou no 10º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho ocorrido em 2005 em Serra Negra (São Paulo).
 Algumas autoras e militantes feministas atestam certa “indiferença” das jovens-mulheres em relação ao feminismo ou às lutas feministas. Mas o modelo de Feminismo ou do Ser Feminista está mudando. Hoje muitas jovens não querem ser identificadas como feministas, porque existe uma imagem estereotipada construída em torno dessa categoria e largamente difundida pela mídia. O que percebemos nas entrevistas realizadas com jovens-mulheres é que as mesmas reconhecem os avanços e conquistas do movimento, assim como as conseqüências dessas mudanças para as suas vidas. Sobretudo no que diz respeito à inserção da mulher no mercado de trabalho e à aquisição de maior autonomia em função da independência financeira.

O.J. - Em que época a separação entre homens e mulheres é vista mais claramente?
 
Wivian - Na realidade, essa separação já começa na infância com as brincadeiras de meninos e de meninas. A impressão que temos é que às vezes essa separação é até mais forte na infância, porque os próprios pais acabam, por exemplo, “forçando” os meninos a se interessar por futebol e evitando que eles brinquem com bonecas.

O.J. - É comum encontrarmos publicações sobre juventude e culturas juvenis que compreendem a categoria juventude como um todo, ou seja, que não fazem uma distinção entre jovens-adolescentes do sexo feminino e do masculino. Poderia ser feita uma releitura da bibliografia já existente sobre o tema juventude na qual se leve a questão de gênero em conta? Como se daria tal tarefa?

Wivian - Uma releitura da bibliografia já existente, ou seja, das pesquisas sobre juventude que já foram realizadas sob a ótica geracional e de gênero é quase impossível, pois muitas dessas pesquisas não se ativeram a essas questões no momento em que foram realizadas. Se não tomarmos esse cuidado no momento da preparação de uma pesquisa e da coleta de dados, por exemplo, na elaboração de um questionário, será difícil fazer uma análise das diferenças entre jovens do sexo feminino e do sexo masculino em uma etapa posterior. Nesse sentido, é difícil comparar a juventude dos anos 1960 com a juventude atual no que diz respeito às visões de mundo das jovens-mulheres e dos jovens-homens, pois naquela época não havia essa preocupação por parte dos pesquisadores.
 Felizmente as pesquisas atuais já estão buscando incluir o recorte de sexo e idade na seleção dos indivíduos a serem entrevistados, como, por exemplo, na pesquisa Retratos da Juventude Brasileira: Análises de uma Pesquisa Nacional publicada pela Fundação Perseu Abramo e Instituto Cidadania em 2005. Trata-se de uma pesquisa realizada em 2003 por meio de questionário aplicado a 3.501 jovens de 15 a 24 anos de idade de 198 municípios em 25 estados brasileiros. É um trabalho que nos traz amplas informações sobre a juventude brasileira deste início de século. Apesar do livro não trazer nenhum artigo refletindo sobre as características femininas e masculinas da juventude brasileira é possível fazer uma releitura sob a ótica de gênero a partir das tabelas que nele foram anexadas. Mas também é preciso desenvolver novas pesquisas, não só de caráter quantitativo como também qualitativo. Voltadas para a compreensão das mudanças que estão ocorrendo na juventude no que diz respeito às relações sociais de gênero.

O.J. - Segundo Angela McRobbie e Jenny Garber as mulheres constituem uma categoria social pouco celebrada pelos teóricos críticos e radicais. Essa invisibilidade é atribuída pelas autoras à reação social às manifestações mais extremas das subculturas juvenis. Isso foi escrito em 1975. Quais são essas subculturas e como elas afetam a visibilidade da mulher jovem? A senhora acha que o quadro é o mesmo até hoje?

Wivian - As autoras estão se referindo as subculturas juvenis da Grã Bretanha nas décadas de 1960 e 1970 e discutidas nos trabalhos de pesquisadores do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS). O termo subcultura é utilizado por eles para se referir às culturas de resistência ou às alternativas de jovens da classe operária. Em meu artigo eu também apresento a crítica de alguns autores e partilho da posição de que o termo “cultura juvenil” ou “culturas juvenis” seria o conceito mais indicado, “porque amplia a possibilidade de compreensão das distintas manifestações juvenis, seus estilos ou modos de vida que vêm sendo criados e recriados em diferentes localidades e contextos sociais” (Weller, 2005, p. 110).
 Ainda não temos muitos trabalhos sobre a presença feminina nas culturas juvenis. Mas é um tema que vem despertando o interesse. No momento as salas de cinemas estão apresentando o filme Antônia que também já passou na televisão em forma de seriado. Certamente surgirão novos trabalhos e projetos inspirados no filme. Isso é positivo, porque as mulheres jovens passarão a ocupar um papel central no âmbito das culturas juvenis.

O.J. - O movimento hip-hop e o movimento skinhead estão inseridos numa cultura juvenil predominantemente masculina. Como se dá a inserção de mulheres jovens nestas culturas? Existem também culturas juvenis predominantemente femininas?

Wivian - Ainda podemos falar em culturas ou práticas juvenis predominantemente femininas (por ex. as Fan Girls) e culturas juvenis predominantemente masculinas (hip hop, movimento skinhead, etc.). A inserção das meninas ou jovens-mulheres nas culturas ditas masculinas tem ocorrido gradativamente e os rapazes costumam ver com bons olhos a inserção das mulheres, por exemplo, no movimento hip hop. Mas o contrário ainda não acontece: é raro vermos práticas “ditas femininas” serem incorporadas por jovens do sexo oposto porque existe um controle social exercido sobre os jovens. Aqueles que “se atrevem” são logo estigmatizados pelos colegas.

O.J. - Segundo o IBGE, em 1998 o nível de instrução das mulheres com pelo menos o segundo grau completo foi de 19,2%. Já o dos homens foi de 16,8%. No entanto movimentos feministas reiteraram enfaticamente o enfoque da igualdade de acesso educacional entre os sexos. Por que isso se dá? Qual o reflexo disso na sociedade?

Wivian - Em 2005 o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) publicou uma pesquisa revelando que as mulheres formam a maioria nas escolas a partir da 5ª série do Ensino Fundamental. Elas representam mais de 60% dos alunos que conseguem concluir o Ensino Superior em todo o País.
 A luta feminista por igualdade de acesso educacional entre os sexos iniciou quando as estatísticas ainda apresentavam um outro quadro. Hoje sabemos que existem mais mulheres cursando o ensino superior, mas elas não estão nos cursos de engenharia, informática ou física. Temos um grande número de mulheres das camadas média e alta cursando Psicologia e um grande número de mulheres das classes menos privilegiadas estudando Pedagogia e Serviço Social. Os cursos superiores apresentam atualmente distorções de gênero e de classe que levaram a uma categorização e estigmatização de alguns deles: os cursos de menor prestígio e com salários menores são cursados por mulheres negras e/ou de camadas populares que não puderam freqüentar uma escola particular. Essa diferenciação não resulta apenas do tipo de escola. As diferenças que levam os rapazes a optar por uma determinada área e as meninas por outra, são produzidas tanto nas escolas públicas como particulares.

O.J. - Nos padrões atuais de cultura espera-se que a menina tenha muito cuidado com seu próprio corpo e se comporte dentro dos padrões de conduta previstos para a futura mulher / esposa / mãe. Que caminhos estão sendo traçados pela juventude atual para diminuir tais preconceitos?

Wivian - As juventudes sempre buscaram romper com alguns padrões impostos pela família ou pela religião. A sexualidade hoje não constitui mais um tabu para a maioria das/os jovens. Porém, as conseqüências de uma gravidez indesejada na adolescência ainda são maiores para as meninas do que para os meninos. A “culpa” e a responsabilidade recai sobre elas. São elas que deixarão de ser jovens de forma abrupta para assumir o papel de mães. Nesse aspecto ainda há muito para se fazer ...

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