Entrevista com o jovem Antonio Francisco Neto, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Como o MST percebe a juventude rural? De que forma essa juventude participa da luta pela terra? A entrevista aponta caminhos para a resposta dessas questões
De acordo com a pesquisadora Elisa Guaraná, a juventude inserida em movimentos sociais camponeses vem possibilitando novos conceitos e olhares sobre a própria categoria Juventude Rural. Antonio Francisco de Lima Neto, 24 anos, é um dos jovens militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em entrevista ao Observatório Jovem, ele fala sobre como o MST tem pensado a juventude e de que forma os jovens se organizam no movimento. A própria história de vida de Antonio, mais conhecido como Neto, traz questões interessantes sobre como jovens que não estão necessariamente no campo se identificam com a luta dos trabalhadores rurais e passam de certa forma a integrar a categoria juventude camponesa.
Observatório Jovem (OJ) - Conte um pouco da sua história. Você nasceu no campo?
Antonio Neto (AN) - Eu nasci e me criei em Recife. Minha mãe morou até os 15 anos em um engenho de cana de açúcar, em uma cidade na Zona da Mata de Pernambuco chamada Água Preta, mas nunca trabalhou diretamente no campo. Depois que o meu avô morreu, foram para o Recife e construíram uma vida toda lá. Hoje, minha mãe é funcionária pública, trabalha no IBGE. Militei um tempo no movimento estudantil secundarista. Quando entrei na universidade em 2002, comecei a militar no MST, trabalhava na loja da reforma agrária, em Recife. A partir daí fui assumindo algumas tarefas políticas do Movimento e comecei a entrar mais na estrutura orgânica. Fazem quatro anos que eu estou no MST. Estava no primeiro período da faculdade, esse ano eu me formei em história e a gente contribui nessa discussão de juventude no Movimento Sem Terra.
OJ - Como a juventude do movimento se organiza?
AN - A discussão de juventude no movimento já é antiga, mas ela é muito mais de acúmulo individual, muito menos organizativo e muito menos um coletivo da organização. Esse ano, o MST entendeu que a questão da juventude é uma prioridade para estarmos não só discutindo, mas pautando políticas específicas. Esse ano foi um ano mais de estudo e de elaboração de linhas políticas e elaboração teórica. Fizemos um diagnóstico sobre o que afeta não só a juventude rural, mas também a juventude urbana, e como é que nós do MST vamos nos inserir nesse debate e nessa discussão e o que queremos com a juventude. Então, basicamente para nós esse ano, foi esse espaço de acúmulo teórico e metodológico para a partir do ano que vem centrarmos fogo na discussão efetiva. Não só na discussão de seminário, fazer ação direta, mas também sem deslocar o debate da juventude da discussão estratégica, da discussão da organização. Não queremos só pensar em juventude para lutar para políticas públicas que sejam necessárias para a permanência do jovem no campo. Isso é importante, mas o nosso foco principal é como podemos colocar essa juventude que está lá nos assentamentos e acampamentos da reforma agrária para pautar a questão da luta pela reforma agrária e da luta por outra sociedade que é nosso grande objetivo.
OJ - A luta central dos jovens do MST é pela reforma agrária?
AN - A luta pela reforma agrária que é a nossa bandeira, do MST, que é onde o movimento cresceu nesses 22 anos, mas também crescemos no acúmulo teórico sabendo que só a reforma agrária para nós não serve. A reforma agrária é um meio na luta por uma sociedade que acreditamos e estamos construindo, uma outra sociedade que não é essa sociedade capitalista. É a nossa bandeira de luta, mas não perdemos de vista a discussão estratégica de um outro projeto de sociedade. E a juventude se encaixa também nessa discussão. Ao mesmo tempo discutirmos o que vamos querer e o que vamos fazer para tentar criar uma oportunidade para que o jovem assentado ou acampado continue lá no acampamento ou no assentamento, mas também o que ele pode construir para que a gente possa melhorar a educação, o acesso ao trabalho, à renda, à cultura e ao lazer. É necessário criarmos políticas públicas para mantermos os jovens no campo? É. É extremamente necessário, mas essa não é a nossa luta principal e no MST não só lutamos por políticas públicas, costumamos dizer que queremos a nossa juventude derrubando cerca, abrindo cadeado de latifúndio improdutivo, para que possamos dar continuidade à luta da organização dos trabalhadores rurais, não só na questão da juventude. E a juventude tem um papel importantíssimo e imprescindível nesse momento que estamos vivendo, por isso, nós do MST percebemos que a juventude precisa estar pautada. E também quando falamos em juventude, não é só pensar nos jovens do campo porque a nossa juventude em geral, rural e urbana, é atingida basicamente pelos mesmos problemas. Por exemplo, a questão da educação, o jovem da periferia de uma grande cidade é atingido pelo mesmo problema que o jovem do assentamento é atingido, porque no assentamento não temos escola que efetivamente garanta a ele a sua continuidade no campo. Basicamente temos hoje na maioria dos nossos acampamentos escolas de 1ª a 4ª série. Depois disso, o jovem tem que sair do acampamento para estudar na cidade. O tema da educação afeta tanto o jovem da zona urbana, como o jovem da zona rural. Atinge muito mais fortemente a juventude rural porque o campo sempre foi pensado em segundo plano e como uma transferência do modelo feito na cidade. A escola rural hoje foi pensada de forma a levar o mesmo modelo da escola da cidade para o campo, sem respeitar as especificidades do campo, o que a comunidade pode contribuir para a melhoria da escola. A questão da educação, da saúde, do trabalho e renda, do lazer, do esporte, são temas que afetam tanto a juventude rural como urbana. Mas na cidade hoje garantir esses direitos já é complicado, imagine no campo. Imagine hoje nesse processo de organização do campo a partir da lógica de agronegócio, que é uma mera reprodução do modelo colonial, onde produzimos em larga escala, em grandes propriedades e só para a exportação. É a mesma lógica que historicamente vem sendo reproduzida há 506 anos. Difundem a idéia de que o agronegócio é o grande avanço tecnológico e as pessoas e movimentos que lutam pela reforma agrária e pela agricultura camponesa e familiar são atrasados, que querem voltar à idade da pedra. Mas entendemos que essa modernidade do agronegócio é uma modernidade conservadora porque ela mantém a mesma estrutura historicamente montada no país. Então, a questão da juventude também perpassa por esse questionamento de modelo agrícola, para criarmos as condições reais da juventude poder trabalhar dentro do assentamento.
OJ - Você acredita que há alguma relação entre o jovem permanecer na terra e participar de algum movimento de juventude rural?
AN - Claro. Em vários assentamentos existem experiências em relação à juventude que não conseguimos sistematizar bem ainda, mas para um jovem participar da discussão de juventude dentro de um assentamento é extremamente importante e necessário que ele se sinta parte dessa estrutura, que ele se sinta um jovem do campo. Infelizmente hoje a sociedade reproduz uma lógica de que o campo é atrasado. As próprias professoras que vão dar aula dentro dos assentamentos dizem: “Meu filho, estude para você não ser igual a seu pai que trabalha na terra, estude para ir para a cidade ganhar dinheiro”. Como se a cidade fosse o único espaço onde fosse digno de sobreviver e como se trabalhar na terra, ser agricultor, fosse uma coisa atrasada, indigna. Passam aquela imagem do trabalho pesado que é ruim, que a juventude não quer pegar na enxada, isso é mentira. Claro que tem uma parte dos jovens que não quer trabalhar no campo, não porque o trabalho é pesado, mas porque eles pensam em outras coisas para a vida deles e isso faz parte de fazermos com que o jovem saiba o que ele quer. Se ele quer ficar, tem que ter as mínimas condições para que ele possa ficar. Tem que ter escola, posto de saúde, estrada, mas ele tem que ter essa autonomia também de dizer se ele quer ou não ficar, mesmo tendo essas condições.
OJ - Então, a militância no movimento social valoriza o campo para o jovem?
AN - Isso. Sempre costumamos dizer que a militância para nós é perspectiva de vida. Porque hoje vivemos em um mundo onde não existe trabalho, não existe um mínimo de condições do jovem sobreviver. E a militância para nós é perspectiva de vida mesmo. Fazer militância e luta social para uma outra construção de vida, para garantir que a gente pense no futuro e principalmente fortalecer a nossa luta enquanto movimento rural.
OJ - Mas quem são os jovens para o MST?
AN - Essa é uma pergunta que passamos cinco dias na semana passada sentados na cadeira estudando para ver o que era jovem para o movimento e ainda não conseguimos responder. Chegamos a conclusões desde as mais simples, que é uma faixa etária, que é aquele senso comum da faixa etária como uma transmissão transição? da infância para a idade adulta, até discussões como a de que juventude abrange o mundo todo, que joga para o alto essa questão da faixa etária e leva em conta até o se sentir jovem, assim poderia ser jovem até aquele cara que tem 50 anos e diz que jovem é estado de espírito. Mas aí essa discussão foi muito rica porque ao mesmo tempo em que não conseguimos fechar essa discussão, ela dá pistas e indicações interessantes para tocarmos para onde queremos ir.
OJ - Quais as pistas que vocês acharam?
AN - As pistas também não são tão fechadas assim. O problema é que é muito mais teórico. Conceituar juventude, se você perguntar para a professora Elisa Guaraná ela vai dar uma explicação histórica, de que uma sociedade patriarcal enxerga esse jovem como uma transição e tal, e essas são pistas interessantes. A juventude enquanto conceito é uma construção histórica, não é uma construção meramente teórica, é uma construção histórica para dizer que aquilo é juventude. Mas as pistas principalmente em relação à construção histórica, a esse modelo de sociedade patriarcal, centrado na figura do pai adulto é importante para sabermos. Mas também tem alguns aspectos biológicos, físicos que caracterizam a juventude. Mas a gente procurou também não se restringir a isso.Tem gente que diz que juventude é quando existe vigor físico, mas pode ter um cara de 18, 20 anos que não agüenta dar uma carrerinha daqui na esquina, o cara chega lá e já está morrendo, então se for assim ele vai deixar de ser jovem porque não tem vigor físico. Então, tem algumas indicações que sabemos que não é por ali que temos que ir. E quando sabemos para onde não queremos ir primeiro, já é um caminho, não é o mais fácil. Mas como nesses 22 anos de luta nunca enfrentamos nada fácil, é um caminho que estamos tentando ainda se achar em relação a conceituar o que é juventude. Passamos cinco dias em discussão.
OJ - E a partir desses cincos dias de discussão, o que vão fazer?
AN - Tiramos algumas indicações sobre o que queremos com a discussão de juventude. Uma é o que já falei. Queremos nossa juventude na trincheira da luta. Nosso foco principal estratégico é que a juventude possa dar continuidade à luta do MST, no sentido de construir uma reforma agrária digna não só para a juventude, mas para todo o mundo, para mulher, para menino, papagaio, periquito, tudo. Mas construir uma sociedade que realmente abarque essas coisas. Então, o foco principal é esse, colocar nossa juventude na luta, mas ao mesmo tempo lutar também por algumas conquistas que são pontuais e efetivas, como, melhoria na educação, lutar por políticas que realmente permitam acesso a trabalho e renda, criar algumas políticas que possibilitem a juventude acesso à cultura, lazer, esporte. Mas o nosso foco principal em relação à juventude é na luta estratégica principalmente, de construir uma unidade entre as forças de esquerda desse país, para construirmos um projeto que seja unitário entre a maioria das forças pelo menos e tentar a partir da juventude construir essa unidade. E essa unidade também é feita em outro método de atuação, avaliamos que o trabalho com a juventude requer um método diferenciado do que a gente trabalha com o nosso público que sempre trabalhamos. É um método que não temos definido, estamos construindo.
OJ - Você está falando de um diálogo do MST com a juventude em geral?
AN - Isso. Esse seminário que fizemos, que foi da juventude do movimento, ele não foi somente com o MST, discutimos com outras organizações e movimentos parceiros, que historicamente estão conosco na luta pela reforma agrária.
OJ - Quais são os movimentos?
AN - Os diferentes movimentos que compõem a Via Campesina. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (Feab), a Pastoral da Juventude Rural (PJR), a Consulta Popular, o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) e o movimento negro. Tem uma série de movimentos que estão nesse nicho de discussão da juventude e que se colocou no mesmo lugar para tentar sair de lá com uma coisa mais ou menos construída, no sentido de garantir que a juventude possa construir quais são as políticas públicas efetivas para a juventude, mas construir também um outro espaço de sociedade. Muita gente pode ficar dizendo que o MST discute juventude para fazer revolução, sim, mas é isso mesmo que queremos, queremos também saber de políticas públicas, mas políticas que representem ganhos efetivos para a juventude rural. Por exemplo, existe um programa para a juventude rural que fazemos críticas ferrenhas, que é o Nossa Primeira Terra, que reproduz a mesma lógica de mercado de compra da terra. Quando esses jovens são contemplados pelo projeto já passam a dever, porque é crédito fundiário, não é a reforma agrária, costumamos dizer que é o Nossa Primeira Dívida.O jovem está ali dentro de casa no assentamento, não tem espaço para ficar porque o pai toma conta de todo o lote do acampamento, faz com que o filho trabalhe na roça do pai e como a família é patriarcal o pai que detem todo o poder lá dentro, produção, colheita, venda, o dinheiro fica para o pai e passa pouca coisa para o filho. Quando o jovem sente essa necessidade de sair do lote, precisamos criar políticas que realmente garantam a esse jovem acesso a terra, a crédito, a seguro agrícola, mas que não necessariamente tem que ser nos moldes que já existem. Nós temos que propor outros tipos de políticas públicas.
OJ - Você disse que querem ter crédito, mas ter crédito significa ter dívida. O Nossa Primeira Terra não é considerado legal para vocês justamente por isso. Então, como ter acesso a crédito sem produzir essa dificuldade?
AN - A questão do crédito é uma discussão muito delicada. Porque ao mesmo tempo que o crédito é necessário para produzir e conseguir ter retorno econômico para a sua propriedade, ele precisa ser tratado de uma forma séria. O crédito do Pronaf, por exemplo, é baixo, o rebate é muito mais baixo ainda, os juros são muito altos. Outro problema, quando você entra com um projeto num banco para sair com um Pronaf é sempre pensando nas épocas das culturas, por exemplo, lá no Nordeste, se você quer plantar abacaxi, você tem um tempo da natureza que é o bom para você plantar abacaxi. Só que você entra com um projeto alguns meses antes para que dê tempo dele tramitar e sair o dinheiro na época boa para plantar abacaxi, mas o dinheiro não sai, sai quando termina a época boa para plantar abacaxi. Aí como é que você vai plantar? Então, o crédito precisa ser tratado de uma forma séria como política de estado, que tenha as mínimas condições para que a juventude e o trabalhador rural tenham acesso a ele.
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